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Caracterização da metodologia de análise qualitativa

No documento Priscila Barbosa Borduqui Campos (páginas 71-76)

2. O MATERIAL E O MÉTODO

2.4. Caracterização da metodologia de análise qualitativa

Feitas as considerações sobre a natureza e a constituição do córpus, na presente pesquisa, adotou-se, além de uma análise quantitativa, uma metodologia de análise qualitativa baseada no paradigma indiciário (GINZBURG, 1989), por meio do qual os princípios metodológicos devem garantir “rigor às investigações centradas no detalhe e nas manifestações de singularidade” (ABAURRE et alii, 1995, p.6).

Quando falamos em paradigma indiciário, estamos nos referindo ao modelo epistemológico fundado no detalhe, no resíduo, no singular, que emergiu no final do século XIX, no âmbito das ciências humanas, “sem que no entanto se registrasse a preocupação com a definição de um paradigma de investigação epistemologicamente coerente com esses pressupostos” (op. cit., p. 6). Ginzburg (1989, p. 152) retoma esse paradigma (e chama-o de indiciário) demonstrando a relevância teórica de “a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente”.

O autor apóia-se na analogia entre os métodos investigativos de Giovanni Morelli, historiador de arte italiano; do personagem detetive Sherlock Holmes, criado por Arthur Conan Doyle; e de Freud, médico e fundador da Psicanálise. De acordo com Ginzburg (1989, p. 150), nos três casos citados, “pistas talvez infinitesimais permitem captar uma realidade

mais profunda, de outra forma inatingível. Pistas: mais precisamente, sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Sherlock Holmes), signos pictóricos (no caso de Morelli)”.

Para explicar essa analogia, Ginzburg (1989) baseia-se no fato de que Freud era médico, Morelli possuía graduação em medicina e Conan Doyle havia sido médico antes de tornar-se escritor. Dessa forma, nos três casos, “entrevê-se o modelo da semiótica médica: a disciplina que permite diagnosticar as doenças inacessíveis à observação direta na base de sintomas superficiais, às vezes irrelevantes aos olhos do leigo [...]” (GINZBURG, 1989, p. 151).

Segundo o autor, apesar de o paradigma indiciário (modelo baseado em pistas) ter surgido na área das Ciências Humanas na década de 1870-1880, suas raízes eram muito antigas e ligavam-se à história das práticas humanas como a caça, a qual exigia do homem a habilidade de identificar e decifrar pistas ou sinais deixados pelas presas. Nas palavras de Ginzburg (1989, p. 152), “o caçador teria sido o primeiro a „narrar uma história‟ porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma série coerente de eventos.”

No que tange aos procedimentos metodológicos do paradigma indiciário, Abaurre et

alli (1995, p. 6) argumentam que:

O trabalho com indícios pressupõe procedimentos abdutivos de investigação, e as questões metodológicas cruciais dizem respeito: 1) aos critérios de identificação dos dados a serem tomados como representativos do que se quer tomar como a “singularidade que revela”, uma vez que, em um sentido trivial do termo, qualquer dado é um dado singular; 2) ao conceito mesmo de “rigor metodológico”, que não pode aqui ser entendido no mesmo sentido em que é tomado no âmbito de paradigmas de investigação centrados nos procedimentos experimentais, na replicabilidade e na quantificação.

O rigor metodológico, nesse paradigma, estabelece-se como um “rigor flexível” na medida em que “ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras preexistentes. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo [...] elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição” (GINZBURG, 1989, p. 179). O pesquisador volta-se, portanto, à singularidade e relevância dos dados, visto que, como afirma o autor, indícios mínimos podem ser “assumidos como elementos reveladores de fenômenos mais gerais” (op. cit., p. 178).

Cabe observar que, ao adotarmos os pressupostos teórico-metodológicos desse paradigma, buscamos pistas, indícios, que nos possibilitem observar as hipóteses que norteiam o sujeito no processo de aquisição da escrita. As grafias não-convencionais (neste trabalho, as grafias relacionadas à coda silábica nasal), nessa perspectiva, são tomadas como indícios de reflexões do sujeito escrevente sobre a linguagem. Entretanto, ao assumirmos os indícios como reveladores dessas possíveis reflexões, não excluímos a importância das regularidades, ou seja:

Olhamos com curiosidade e interesse teórico para o singular, o variável, o idiossincrático, o cambiante. No entanto, isso não implica necessariamente falta de interesse teórico pelo regular, pelo sistemático, pelo geral. Não negamos, portanto, a necessidade de buscar também o conhecimento da totalidade. [...] buscamos, na verdade, definir alguns caminhos metodológicos que nos permitam descobrir elementos fundamentais para a explicação da relação sujeito/linguagem ao longo do processo de aquisição. (ABAURRE et alii, 1995, p.12).

Além disso, essa reflexão baseada nos pressupostos teórico-metodológicos do paradigma indiciário “pode vir a contribuir para uma melhor compreensão da relação que se instaura, a cada momento do processo de aprendizagem, entre as características eventualmente universais dos sujeitos e as diversas manifestações de sua singularidade” (ABAURRE, et alii, 1995, p. 8).

Acreditamos que, ao considerar a singularidade dos dados, as grafias não- convencionais relacionadas ao preenchimento de coda poderão ser vistas como resultado do trânsito do sujeito escrevente por práticas orais e letradas, ou seja, como índices do modo heterogêneo de constituição da escrita (CORRÊA, 2004). Na medida em que buscamos indícios da circulação dos sujeitos escreventes por práticas de oralidade e por práticas de letramento, observa-se que, no momento de sua produção escrita, os sujeitos ancoram-se em características dos enunciados falados, particularmente as fonético-fonológicas, e, também, em características dos enunciados escritos, particularmente as convenções ortográficas, como se verificará na seção a seguir.

2.5. Resumo

Esta seção teve início, em 2.1., com a caracterização da escola e dos alunos sujeitos da pesquisa através de uma breve descrição sobre o perfil da comunidade escolar e da organização do sistema de ensino o qual a unidade escolar está inserida. Tratou-se também do perfil sociolinguístico dos alunos participantes da coleta dos dados, incluindo informações sobre a vida escolar pregressa, naturalidade, renda e emprego.

Em seguida, na subseção 2.2., foram feitas considerações acerca da metodologia de coleta do material escrito. Foram realizadas semanalmente coletas de lista de frutas, bingo e listas a partir de imagens, totalizando cinco coletas. Observou-se que a opção por propostas de escrita de palavras isoladas favoreceu a verificação de tendências mais recorrentes nos dados.

Na subseção 2.3., tratou-se da definição do córpus de investigação a partir da descrição das variáveis consideradas para seleção das palavras-alvo e análise dos dados.

Foram também descritos os critérios para exclusão de registros da análise quantitativa (como por exemplo, problemas relacionados à categorização gráfica).

Por fim, na subseção 2.4., foram feitas considerações sobre o Paradigma Indiciário (GINZBURG, 1989), o qual define a metodologia de análise qualitativa utilizada nesta pesquisa.

No documento Priscila Barbosa Borduqui Campos (páginas 71-76)

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