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3 COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

A pesquisa situa-se dentro do campo da pesquisa qualitativa, uma vez que se espera constatar elementos não-quantificáveis, comportamentais. As ferramentas escolhidas e a triangulação de técnicas foram vislumbradas no sentido de proporcionar ao pesquisador um contato com o objeto e verificação da eficácia das ferramentas, assim como a confiabilidade dos resultados.

Para Rayou (2005), as metodologias qualitativas parecem ser as mais adequadas para se tentar penetrar nas construções infanto-juvenis relativas à vida política e à ação no espaço público em geral.

O indivíduo é sempre, simultaneamente, ser particular e ser genérico (...). É o homem um ser genérico, já que é produto e expressão de suas relações sociais, herdeiro e expressão de suas relações sociais, herdeiro e preservador do desenvolvimento humano. (HELLER, 1985, p.18)

Não há como se pensar, falar ou teorizar sobre pesquisa qualitativa, sem considerar nossa tradição secular em pesquisa quantitativa. Boa parte dos textos que se dedicam a discutir este tema inicia estabelecendo diferenças entre as duas tradições de pesquisa. E não poderia deixar de ser diferente, uma vez que, como Heller (1985) aponta, somos herdeiros do desenvolvimento humano e nosso olhar e o olhar que lançam sobre nós é mediado pelas lentes de toda a construção do pensamento humano até os nossos dias. No entanto, não se pode dizer que uma modalidade de pesquisa seja melhor que outra. Elas podem ser mais adequadas ao objeto de estudo. Laville e Dionne (1999, p. 43) recomendam que “a escolha da abordagem esteja a serviço do objeto de pesquisa, e não o contrário, com o objetivo de daí tirar, o melhor possível, os saberes desejados”.

Neste sentido, supõe-se que, para o presente objeto de estudo – Ações de Educomunicação desenvolvidas por Organizações Não-Governamentais em escolas paranaenses – ser a escolha mais adequada seja a pesquisa qualitativa. De acordo com Paulo de Salles Oliveira, o método é um percurso escolhido entre outros possíveis. Além disso, é “um caminho seguro uma via de acesso que permite interpretar com a maior coerência e correção possíveis as questões sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva abraçada pelo pesquisador.”

(OLIVEIRA, 1998, p.17) A pesquisa qualitativa em educação é muito flexível e aceita a contribuição de outras áreas de conhecimento, como a Sociologia, Antropologia e até mesmo a Comunicação. Sem cercear a pesquisa, impondo-lhe um sem-número de regras, muito do que se busca com essas contribuições é evitar a reprodução da mesmice, realizando associações criativas e obtendo novos resultados. Isso não significa deixar de ser criterioso com relação ao embasamento teórico e aos métodos, entendendo o método não como um conjunto de técnicas, mas fundamentos, processos e técnicas, reafirmando a importância da reflexão construída pelo trabalho. Quem constrói a reflexão sobre o trabalho é, de acordo com Oliveira (1998, p. 22), o sujeito do conhecimento. É este sujeito que utiliza sua

“formação científica para elaborar um saber que não só fosse capaz de dar explicações convincentes sobre determinadas questões sociais, mas que, sobretudo, pudesse ser aplicado para interferir no rumo das coisas.” O autor entende que a maneira mais tradicional de se entender e fazer ciência está baseada no Positivismo que, desde o século XIX, defende que se deve submeter o real ao método, tornando o sujeito do conhecimento alguém rigoroso que decompõe e manipula o real com o objetivo de melhor analisá-lo.

Essa prática, aparentemente rigorosa e acética, acaba por mutilar o universo social, imobilizando-o. O mundo social aparece congelado, sem contradições, sem lutas, sem enfrentamentos, sem paradoxos. É a mortificação do objeto. (OLIVEIRA, 1998, p.23).

É neste sentido que a pesquisa em Ciências Humanas e, entre elas, a pesquisa em Educação, apresenta-se como um mosaico a ser construído, contemplando as diversas manifestações humanas importantes para a compreensão do objeto de estudo, utilizando para tal diferentes métodos de pesquisa. Por isso, é possível unir comunicação e educação em uma única pesquisa, como no presente caso. Para romper com práticas dominadoras, é preciso entender que o homem e

suas peculiaridades são sujeito e objeto de estudo e o processo de produção do conhecimento, as reflexões críticas em torno das relações entre sujeito e objeto do conhecimento e os fundamentos teórico-metodológicos devem estar adequados a essa perspectiva.

Todos os processos desenvolvidos dentro de uma pesquisa qualitativa são, dessa forma, compreensões relativas. “Dependem do talento do pesquisador para determinar o problema que escolhe estudar, retraçar seus múltiplos fatores, escolhe-los e interpretá-los.” (LAVILLE e DIONNE, 1999, p.42) No entanto, a pesquisa não é desconsiderada, uma vez que o princípio da objetivação, que é a tomada metódica de consciência dos fatores que derivam de escolhas e interpretações e a racionalização de tudo isso. “Poder-se-ia dizer que a objetividade repousa sobre a objetivação da subjetividade (...). Essa operação de objetivação, como a concentração em um problema está hoje no centro do método científico.”

(LAVILLE e DIONNE, 1999, p.44 e p.46).

Uma questão fica no ar: como manter a cientificidade de pesquisas qualitativas, uma vez que os critérios anteriores de cientificidade não são mais válidos? De acordo com Alvarez e Jurgenson (2003), a investigação quantitativa baseia-se em três conceitos fundamentais: a validade, a confiabilidade e a mostra.

Recomendam a triangulação de métodos ou de investigadores na tentativa de garantir a cientificidade.

A importância social da pesquisa interdisciplinar entre comunicação e educação reside na relação interdependente que esses campos mantem em algumas iniciativas e por outras que potencializam. Dentro deste contexto, é relevante investigar as ações desenvolvidas pelo Terceiro Setor. Ainda que sejam realizadas dentro da educação formal ou informal, as ações que trabalham na confluência daqueles dois campos interferem no ambiente escolar e é necessário que se observe como se dá essa relação e quais impactos exercem sobre os alunos e sobre a escola como um todo.

Percebe-se o que Pedro Demo (1995, p.25) apontou ao dizer que o

“cientista social é como cidadão, como ator político, que inevitavelmente influencia e é influenciado”. Isto porque a percepção sobre movimentos sociais, em alguns casos, é extremamente política e manter-se afastado desta visão é uma tarefa árdua. No entanto, o que diferencia o ator político do pesquisador são os critérios de

cientificidade e a disciplina com que foi concebido o trabalho. Mesmo por isso, dentre os critérios de cientificidade, Demo (1995) aponta a discutibilidade como o tom certo para o discurso, fazendo a ponte entre a academia e a vida social.

Conscientes da influência social que exercem, as pesquisas em Ciências Sociais podem contribuir de maneira mais efetiva na busca de processos alternativos de transformação da História. “Mas sua relevância política mais efetiva e esperada está na rota de parceria possível de projetos sociais de libertação” (Demo, 1995, p.35).

Como bem nos alerta Sérgio de Luna (1988), há que se ter cuidado para que a pesquisa não se torne mera prestação de serviços. O autor afirma que é preciso que o trabalho avance para um ponto no qual os fenômenos estudados não são conhecidos, ainda que isso seja feito sob a forma de estudo de caso ou avaliação institucional.

Como método para análise dos dados recolhidos no campo, nesta dissertação adotou-se o Interacionismo Simbólico como uma escolha epistemológica porque dá “ênfase à interpretação, à compreensão e descrição densa e os métodos etnográficos, e priorizando técnicas qualitativas no tratamento dos dados e informações.” (GAMBOA, 1997, p.92). Como um dos objetivos é o de perceber como os projetos de Educomunicação desenvolvidos por ONGs em escolas são compreendidos pelos sujeitos participantes e que interferência têm em seu exercício de cidadania, o processo de compreensão do sentido para os atores é fundamental, considerando-se também os contextos de significação. “Neste caso estamos falando dos enfoques fenomenológicos e etnográficos” (GAMBOA, 1997, p.94). Este tipo de abordagem não espera identificar e isolar as variáveis que interferem no contexto, mas recuperar o contexto de significação de parte dos fenômenos, buscando a generalização significativa dos mesmos. Por isso, se reconhece que as técnicas abertas, mais adequadas aos estudos qualitativos são mais efetivas. No entanto, como este processo é extremamente interpretativo, o pesquisador necessita filtrar a subjetividade e olhar o processo a partir dos resultados que os instrumentos proporcionam.

Os procedimentos para a realização desta pesquisa foram escolhidos em um primeiro momento para serem testados (pesquisa exploratória) e avaliados para uma posterior aplicação das ferramentas, reavaliadas (pesquisa de campo ampla).

Nesse sentido, a ferramenta entrevista auxiliou no primeiro contato, tanto com o universo escolar quanto com as atividades realizadas. Possibilitou que fossem visualizados os primeiros resultados e as implicações de um projeto de Educomunicação desenvolvido em uma escola. A observação possibilitou que a pesquisadora visualizasse in loco as características pesquisadas da Educomunicação e pudesse, avaliar as ferramentas com o objetivo da pesquisa em mente.

A triangulação de técnicas foi feita com base em Alvarez e Jurgenson (2003. A análise da observação e das entrevistas feitas com os sujeitos foi orientada pelo Interacionismo Simbólico. Entre eles está a consideração de que está na vida do grupo a condição essencial para a construção de significados. Isto porque, o Interacionismo Simbólico tem como princípio que o comportamento humano é autodirigido e observável, permitindo planejar e dirigir suas ações em relação ao outro e conferir significados aos objetos a partir da interação com o mesmo. A concepção interacionista de significado acontece quando o sujeito pensa e reflete sobre o objeto e interage com ele, tendo como fundamentos para sua reflexão a interação com o grupo. Considera, além do sujeito e do seu grupo de interação social, os símbolos e os significados para o sujeito, de acordo com as interações da qual ele faz parte. O entendimento sobre o significado de um signo, de acordo com o grupo no qual o sujeito está inserido, vai determinar seu comportamento perante ele e, para que se possa entender a interação do sujeito em seu círculo social e com o signo específico, precisa-se aventar essas possibilidades.

Para isso, a metodologia a ser utilizada baseia-se em quatro ferramentas principais: questionário sócio-econômico, observação, entrevista e análise documental. O objetivo da triangulação de ferramentas é perceber a existência, ou não, de exemplos cotidianos de prática da cidadania, vinculado ao entendimento dessa ações por parte dos adolescentes e a relação dessas ações com o pestímulo oferecido pela ONG. A entrevista também permite ao pesquisador confrontar sua percepção ao “significado” atribuído pelos sujeitos aos acontecimentos com aquela que os próprios sujeitos exprimem (LESSARD-HÉBERT, GOYETTE e BOUTIN, 1990). A entrevista a ser realizada com os sujeitos, de acordo com Rayou (2005) terá mais eficácia se for feita com os jovens em grupos, apresentando para discussão cenários construídos com base em perguntas cujas entrevistas mostraram

que tinham sentido para os entrevistados. Assim, o pesquisador francês que realizou atividades em liceus, relata que o objetivo dos questionários é o de abstrair as categorias evocadas nos acontecimentos e transferi-las em situações diferentes a fim de ver se elas exprimem somente ideais ou mantém uma constante ao longo dos acontecimentos. “A forma do questionário, se suas perguntas incidem sobre o universo de significações daqueles a quem é destinada, pode então ter o poder de obrigá-los a escolher entre os princípios dos quais orientam suas ações.” (RAYOU, 2005, p. 477)

De acordo com Lessard-Hébert, Goyette e Boutin (1990), na entrevista de tipo fenomenológico, o entrevistador é alheio ao sistema e investiga as percepções dos que dele fazem parte de modo a compreender de que forma aquele sistema funciona. Assim, entrevistou-se também dirigentes da Ciranda, Organização Não-Governamental (ONG), promotora de projetos de comunicação e educação em escolas e professores com o objetivo de verificar os fenômenos relatados pelos sujeitos.

A unidade de análise são os projetos de comunicação e educação realizados dentro do ambiente escolar por Organizações Não-Governamentais para estudantes de Ensino Médio. Para selecionar esses projetos, seguiu-se os seguintes critérios:

a) Projetos voltados para estudantes com o apoio da Secretaria de Educação;

b) Projetos desenvolvidos por Organizações Não-Governamentais paranaenses, dentro de escolas, atuando com atividades de Educomunicação;

c) Projetos que existam há pelo menos dois anos.