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Caracterização da população: geral e em relação à violência

B) Caracterização dos fatores de risco e proteção

1. Caracterização da população: geral e em relação à violência

Na caracterização geral da população em relação à faixa etária observou-se um aumento do número de crianças/adolescentes nas faixas de maior idade. Pode-se pressupor que com o crescimento e o desenvolvimento as crianças/ adolescentes expostas a situações adversas vão apresentando um maior número de sintomas emocionais e os serviços da rede que os acompanham (saúde, educação, assistência social) podem identificar mais facilmente uma suposta situação de violência doméstica. Desta forma, ocorre o aumento de notificações/ denúncias sobre tais situações e consequentemente isso reflete na demanda de atendimento (o número de sujeitos seguiu a proporção do número de atendidos no município de Campinas).

Autores (Poletto et al., 2009, Goodman et al., 2007) destacam que alguns fatores como a renda familiar, a escolaridade dos responsáveis, assim como a sua inserção no processo produtivo, a violência comunitária, conflitos intrafamiliares, envolvimento dos responsáveis com a criminalidade, punição física severa, ser órfão ou vivenciar condições precárias de saúde na infância e adolescência podem significar um alto risco para o desenvolvimento psicoafetivo de crianças e adolescentes.

Com relação aos aspectos socioeconômicos 70,9 % dos responsáveis pelas crianças e adolescentes estudados encontram-se na categoria sem rendimento até dois (2) salários mínimos, 68, 3% conta com auxílio de benefícios sociais, a minoria possui trabalho formal e mais da metade cursou apenas até o 9º ano do ensino fundamental. Desta forma, verifica-se que a maior parte destes sujeitos apresenta dificuldade socioeconômica e pouco acesso a educação que possibilitaria melhoria dessas condições. O fator socioeconômico é um aspecto que gera maior vulnerabilidade social, podendo se tornar um risco para o agravamento das situações de violência. Apesar de este não ser fator único, nem ter

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consequência direta, a forma como as desigualdades sociais, a ausência de acesso bens e equipamentos de lazer, esporte e cultura operam na especificidade da cada grupo social podem desencadear comportamentos violentos (Abramovay et al., 2002).

Ainda em relação à caracterização da população quanto ao aspecto religioso verificou-se que mais da metade da população não frequenta nenhuma atividade. A religião ou tais atividades comunitárias são apontadas pela literatura como um fator de proteção tanto em relação à saúde mental, quanto à violência. As redes de proteção são informais e se formam espontaneamente através da vinculação de pessoas e grupos de referência, isso possibilita a conscientização e mobilização social, voltada à proteção e cuidados com crianças e adolescentes, junto às famílias e comunidade, indicadas para o enfrentamento dos problemas psicossociais e de saúde (Costa e Bigras, 2007).

Em relação à configuração familiar verificou-se um grande número de famílias monoparentais, compostas principalmente pela genitora como a única responsável. Pode-se relacionar este dado ao fato do principal agressor dos sujeitos estudados ser a genitora. Além disso, a maioria das famílias estudadas apresentou histórico de violência intrafamiliar transgeracional (os responsáveis também foram vítimas de violência doméstica).

A violência se reproduz a partir de um ciclo (Walker, 1979), podendo-se pressupor que assumir as responsabilidades familiares, socioeconômicas e educativas de um filho, sozinha, torna-se um fator de maior vulnerabilidade, principalmente quando associada ao histórico de violência doméstica vivenciado por essas genitoras. Neste contexto, verifica-se que o risco para a reprodução do ciclo de violência pode-se repetir.

As famílias monoparentais sofrem um impacto mais severo de inúmeros fatores de risco e a mulher, na maioria das vezes chefiando famílias monoparentais está exposta a mais situações de estresse (American Psychological Association, 2003). Entretanto, é

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fundamental ressaltar que o simples fato de viver em famílias monoparentais não implica necessariamente no surgimento de situações de risco. As dificuldades socioeconômicas, a responsabilidade pela educação e cuidado com os filhos em conjunto a uma rede de apoio ineficaz (ausência de suportes externos) podem ser indicativos de maior exposição a fatores de risco como o aumento de situações de violência (Gallo e Williams, 2005).

Quanto à caracterização da violência doméstica verificou-se que a maioria das crianças e adolescentes deste estudo sofreu pelo menos dois ou mais tipos diferentes concomitantemente. Desta forma, é importante ressaltar que na maioria das vezes uma criança ou adolescente não sofre um único episódio ou tipo de violência. Os diferentes tipos ocorrem associados (Bazon, 2008), e a violência psicológica está presente na maioria dos casos.

Um estudo de revisão bibliográfica mundial aponta associação entre a violência psicológica vivenciada na infância e juventude com problemas de saúde mental, principalmente como um sinalizador de futuros impactos na vida adulta destes sujeitos. A violência psicológica muitas vezes não é percebida e para que seja compreendida é necessário que saia da invisibilidade, pois se trata de um fator extremamente grave e preocupante em relação aos quadros psicopatológicos (Abranches e Assis, 2011).

O grupo de profissionais analisou que quando a violência doméstica caracteriza-se principalmente como a negligência/abandono ou violência psicológica, mesmo que associada a outros tipos de violência as consequências emocionais são

“...devastadoras”. Ou seja, a ausência de figuras que protejam e possibilitem um suporte emocional durante o processo de desenvolvimento psicoafetivo da criança causam muitos prejuízos.

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Na negligência, por conta do abandono total de cuidados, o que ocorre é a ausência de uma pessoa (a mãe ou um cuidador) que exerça a função de figura significativa em relação ao bebê ou a criança através de um envolvimento afetivo total, por um determinado período, necessário para promover o suporte emocional que possibilita para este indivíduo um desenvolvimento saudável (Winnicott, 1994; Winnicott, 2002; Rutter, 1987; Werner, 1989).

Em relação à violência sexual sofrida na infância/adolescência, pode-se analisar a partir da experiência das profissionais do Serviço Especializado, que esta, no momento seguinte ao episódio desperta um grande sofrimento emocional e um sentimento de desamparo, sendo fundamental para a criança/adolescente que a mãe ou um cuidador exerça sua função protetiva. A função desta figura significativa é fundamental para que a criança/adolescente que sofreu algum trauma possa retomar a capacidade de se envolver emocionalmente a partir de uma relação de proteção, como ocorreu nos primeiros estágios da vida do bebê, onde sua mãe era capaz de protegê-lo (Bowlby, 1990; Winnicott, 2002; Zenah, 1997).

Em relação à violência física, apesar de o grupo apontar que em alguns momentos a violência psicológica e a negligência podem ser “mais devastadoras”, principalmente quanto à questão do afeto, pode-se analisar que a esta também causa transtornos mentais extremamente graves (Afifi et al., 2012).

2. PREVALÊNCIA DE TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS INFANTO JUVENIS