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Capítulo 2: Variabilidade da temperatura do ar na Península Antártica

2.1. Caracterização do clima na Península Antártica

A península Antártica, posicionada quase-longitudinalmente entre as latitudes 63° e 75°S (aproximadamente), é uma faixa de terra montanhosa com largura média de 70 km, composta por um platô interno com elevação média de 1500 m (Ferron, 1999) e representa cerca de 3,7 % da área do continente antártico (Figura 2.1). Funciona como uma barreira à circulação atmosférica regional, provocando marcada distinção climática de um lado e de outro.

No lado leste está o mar de Weddell, região climaticamente mais fria devido à drenagem constante do ar frio do interior continental antártico. O ar nos primeiros 500-1000 m é bastante estável em função do resfriamento provocado pela superfície da cobertura de gelo. Acima dele encontra-se uma camada de ar relativamente mais quente (cerca de 5-10 °C a mais no verão; 10-20 °C a mais no inverno). Os ventos persistentes de leste na região costeira empurram este ar frio contra a barreira montanhosa da península, que fica ali comprimido devido à forte inversão térmica (Schwerdtfeger 1975, 1984; Schwerdtfeger e Amaturo, 1979). A massa de ar frio não consegue ascender e, portanto deflete para norte/nordeste, paralelo à cordilheira, acompanhando o gradiente de pressão. Estes ventos, chamados ventos de barreira, promovem o transporte de grandes porções da banquisa para nordeste, abrindo canais que logo congelarão novamente (daí a grande produção de gelo marinho no mar de Weddell, um dos únicos setores da Antártica a preservar gelo plurianual). Mais ao norte, próximo à latitude 64 °S, a deriva do gelo sofre desvio para leste, pois não há mais a proteção das montanhas ante os ventos de oeste (Schwerdtfeger, 1975).

Figura 2. 1. Mapa da Península Antártica localizando as estações de pesquisas utilizadas neste estudo (pontos

em laranja). Imagem obtida pelo google earth.

O constante aporte de ar frio do continente e a conseqüente cobertura de gelo no mar de Weddell fazem com que a costa leste da Península Antártica apresente um clima pseudo-

continental (Aquino, 1999). O ar frio acumulado contra a montanha força a ascensão do ar

mais aquecido que está sobre ele, até que este ultrapasse a altura da barreira montanhosa. A alta pressão que ali se forma faz com que o ar aquecido flua para além da crista e desça a vertente oeste, originando ventos catabáticos do tipo föhn (Figura 2.2) (King e Turner, 1997). Nestas condições, as temperaturas na face leste podem ser até 10°C inferiores e a pressão atmosférica 5 mb superiores em relação à face oeste na mesma latitude (Schwerdtfeger, 1984).

Fluxos inerciais de ar frio são comuns no estreito de Bransfield. No extremo norte da Península Antártica, quando termina a barreira montanhosa, o ar transportado nos ventos de barreira depara-se com um novo ambiente onde o gradiente de pressão horizontal não lhe exerce nenhuma oposição, sendo muitas vezes inexistente. A parcela de ar pode então manter a sua identidade por mais algum tempo, sofrendo apenas um ajuste inercial do efeito Coriolis, que força a sua deflexão no sentido anti-horário (Figura 2.3) (Schwerdtfeger, 1984).

. Figura 2. 2. Desenvolvimento dos ventos de barreira (adaptado de King e Turner, 1997, p.282).

Na costa oeste os ventos são predominantemente de norte e nordeste, sendo a região mais temperada e úmida de toda a Antártica (Ferron et al., 2004), pois tais ventos trazem o ar relativamente quente e úmido do oceano Pacífico para o mar de Bellingshausen.

Figura 2. 3. Trajetórias dos fluxos inerciais originários dos ventos de barreira, ao ultrapassar o extremo norte da

Península Antártica. Velocidade inicial estimada em 20 m s-1. A trajetória a representa o fluxo de ar sem atrito; b e c representam trajetórias com atrito fraco e forte, respectivamente (adaptado de Schwerdtfeger, 1984, p.108).

O estudo de Carrasco et al. (1997) avaliou a atividade de vórtices ciclônicos de meso- escala no entorno da Península Antártica, no ano de 1991. Eles se formam e se desenvolvem sobre o setor sul do mar de Bellingshausen próximos à área costeira ou no limite da extensão do gelo marinho (King e Turner 1997), devido a insurgências de ar frio associadas a ciclones de escala sinótica. Este ar frio migra do interior do continente antártico em direção ao equador, cruzando sobre um ambiente mais quente e úmido que é o setor sudeste do oceano Pacífico. Fluxos de calor sensível e latente do oceano para a camada inferior da atmosfera podem induzir convecção na massa de ar frio, desenvolvendo ou fortalecendo perturbações

ciclônicas. Acompanhando as correntes oceânicas, estes sistemas avançam para nordeste em direção à passagem de Drake, levando condições de tempo severas ao extremo norte da Península Antártica.

O clima da Península Antártica é influenciado pela variação nas extensões médias de gelo marinho nos mares de Weddell e Bellingshausen (Figura 1.4). O gelo, por sua vez, tem sua formação influenciada diretamente pela ação dos ventos dominantes na região, ventos estes que têm padrões de circulação impostos pela presença da Península (Setzer e Hungria, 1994). Se no lado leste a advecção de sul/sudoeste (ventos de barreira – ar frio) contribui para a contínua formação de gelo marinho, no lado oeste vem ocorrendo justamente o contrário. Um incremento na advecção de norte/noroeste, trazendo ar mais aquecido durante o inverno, está sendo interpretado como um dos possíveis agentes responsáveis pela retração do gelo marinho no leste do mar de Bellingshausen (Schwerdtfeger, 1976; Jacobs e Comiso, 1993, 1997; King e Harangozo, 1998; Smith e Stammerjohn, 2001). Todos estes trabalhos afirmam que a extensão do gelo marinho a oeste da península Antártica possui forte correlação negativa com a temperatura do ar (i.e., extensão do gelo marinho aumenta enquanto a temperatura do ar diminui, e vice-versa), todavia os processos estariam acoplados e não se sabe qual agente seja indutor do outro. King (1994) atribui maior variabilidade interanual e tendência de aumento na temperatura média do ar para os meses de inverno, o que implica numa diminuição da amplitude térmica anual. Seu estudo reporta também uma tendência de retardo das anomalias de gelo marinho com relação a anomalias de temperatura do ar, o que sugere uma dependência da primeira variável com relação a segunda e não o contrário. Smith e Stammerjohn (2001) atestam que o gradiente norte-sul ao longo da Península, tanto do gelo marinho quanto da temperatura, é resultado de um balanço entre influências climáticas marítimas (norte) e continentais (sul). Uma maior variabilidade nos meses de inverno seria conseqüência disto, pois ela é atribuída à alta variabilidade interanual da cobertura de gelo marinho e o correspondente aumento na influência continental quando esta cobertura existe. Quando ela não existe (i.e., no verão), predomina a influência marítima e, portanto a variabilidade da temperatura é menor.

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