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3. METODOLOGIA

3.2. CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS: OS GÊNEROS TEXTUAIS

Na presente pesquisa, foram empreendidas análises das construções apositivas em dois gêneros do domínio discursivo jornalístico: o editorial e o artigo de opinião. Apresentamos, neste capítulo, uma melhor caracterização desses dois gêneros porque partimos da hipótese de que suas especificidades sociocomunicativas relacionam-se com as construções apositivas empregadas nos textos.

Optamos por centrar nossas análises na perspectiva de gêneros discursivos, visto que, como parte integrante da estrutura comunicativa da sociedade, os gêneros textuais tornam-se importantes porque o seu estudo engloba uma análise da língua nos seus aspectos discursivos e enunciativos, e não somente em suas peculiaridades formais. Como bem esclarece Marcuschi (2003), o trabalho com gêneros segue uma concepção de língua como atividade social, cognitiva e histórica, e privilegia sua natureza funcional e interativa.

Diante do crescente interesse pelos gêneros, inúmeras têm sido as perspectivas teóricas para o tratamento dos gêneros textuais. Para esta pesquisa, elegemos as propostas da Linguística Textual, mais precisamente, os estudos de Luiz Antônio Marcuschi (2003, 2008), sob influência de Bakhtin (2000), Bronckart (2003) e Bazerman (2005).

Por serem produtos da atividade humana, os textos encontram-se articulados às necessidades, aos interesses e às condições de funcionamento das formações sociais no interior das quais são produzidos. Desta forma, sendo os contextos sociais diversos e evolutivos, foram elaborados, ao longo da história, diferentes modos de fazer texto ou, diferentes espécies de texto (BRONCKART, 2003, p. 72). Como informa Bronckart (2003), diante dessa diversidade das espécies de texto, surgiu, desde a Antiguidade Grega até a atualidade, uma preocupação com sua delimitação e nomeação, que se traduziu na elaboração de múltiplas classificações, centradas, na maioria das vezes, na noção de gênero de texto (ou gênero de discurso).

Na Antiguidade, segundo Bronckart (2003), a noção de gênero aplicava- se apenas aos textos com valor social ou literário reconhecido, como os gêneros épico, poético, lírico, etc. Entretanto, a partir dos estudos de Bakhtin, essa noção tem sido aplicada ao conjunto das produções verbais organizadas, tanto às formas

escritas (artigo científico, resumo, notícia, publicidade, etc.), quanto às orais (exposição, relato de acontecimentos vividos, conversação, etc.). A partir dessa concepção, no dizer de Bronckart (2003, p. 73), qualquer espécie de texto pode atualmente ser designada em termos de gênero. Portanto, todo exemplar de texto observável pode ser considerado como pertencente a um determinado gênero.

Nos termos bakhtinianos, todas as atividades humanas, por mais variadas que sejam, estão relacionadas ao uso da língua e, para Bakhtin (2000, p. 279), “a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”. De um modo geral, para essa teoria, os enunciados se baseiam em formas-padrão relativamente estáveis de estruturação. Tais formas constituem os gêneros, tipos relativamente estáveis de enunciados, marcados sócio-historicamente, visto que estão diretamente relacionados às diferentes situações sociais e culturais. Não se pode, de acordo com Bakhtin (2000), tratar os gêneros do discurso fora da sua realidade social e de sua relação com as atividades humanas.

Segundo Koch (2003, p. 54), em termos bakhtinianos, os gêneros podem ser assim caracterizados:

 são tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada esfera de troca: os gêneros possuem uma forma de composição, um plano composicional;

 além do plano composicional, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo estilo;

 trata-se de entidades escolhidas tendo em vista as esferas de necessidade temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor.

Marcuschi (2008, p. 155) admite, com Bakhtin (2000), que os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas. O linguista explica que os gêneros textuais são os textos que encontramos diariamente e que “apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas”. Assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto, de acordo Marcuschi (2008, p. 154), também é impossível se comunicar verbalmente a

não ser por algum gênero, visto que toda manifestação verbal se dá sempre por meio de textos pertencentes a algum gênero.

Numa perspectiva cujo enfoque é a melhor coordenação dos atos de fala entre locutor e ouvinte, Bazerman (2005) identifica os gêneros textuais como formas de comunicação reconhecíveis e auto-reforçadoras. Para o autor, “se percebemos que um certo tipo de enunciado ou texto funciona bem numa situação e pode ser compreendido de uma certa maneira, quando nos encontrarmos numa situação similar, a tendência é falar ou escrever alguma coisa também similar” (BAZERMAN, 2005, p. 29). Dessa forma, se o locutor segue padrões comunicativos com os quais os interlocutores estão familiarizados, eles podem reconhecer mais facilmente o que está sendo dito. Na teoria de Bazerman (2005), se seguidas essas formas padronizadas e reconhecíveis, elas se reforçam mutuamente e emergem como gêneros.

Mas, apesar de apresentarem alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, conforme ressalta Marcuschi (2003, p. 19), os gêneros não são modelos estanques, nem mesmo estruturas rígidas. Caracterizam-se, segundo o autor, como eventos textuais altamente maleáveis e dinâmicos.

Assim como Marcuschi (2003), Bronckart (2003) também defende o caráter não rígido dos gêneros textuais, argumentando que, ao longo do tempo, alguns gêneros tendem a desaparecer (por exemplo, a narração épica) e, às vezes, reaparecer sob formas parcialmente diferentes; alguns gêneros modificam-se, enquanto novos gêneros aparecem (o folheto publicitário, por exemplo). Sob essa ótica, os gêneros estão em constante movimento e essa mobilidade explica o fato de que as fronteiras entre os gêneros não podem ser sempre claramente estabelecidas (por exemplo, o problema das fronteiras entre o romance e a novela) e o fato de que algumas novas espécies de textos podem não ter recebido um nome específico, em termo de gêneros. A esse respeito, o autor argumenta que

A organização dos gêneros apresenta-se, para os usuários de uma língua, na forma de uma nebulosa, que comporta pequenas ilhas mais ou menos estabilizadas (gêneros que são claramente definidos e rotulados) e conjuntos de textos com contornos vagos e em intersecção parcial (gêneros para os quais as definições e os critérios de classificação ainda são móveis e/ou divergentes) (BRONCKART, 2003, p. 74).

Corroborando a afirmação de Bronckart, acima mencionada, Marcuschi (2008, p. 159) acrescenta que, por serem entidades sócio-históricas e variáveis, não há como fazer uma lista fechada dos gêneros textuais, o que dificulta ainda mais a classificação.

Os gêneros textuais, no dizer de Marcuschi (2003, p. 20), caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas particularidades linguísticas e estruturais. O autor ressalta que tais entidades são de difícil definição formal, devendo ser caracterizadas por seus aspectos sociocomunicativos e funcionais. Entretanto, Marcuschi (2003) enfatiza que isso não significa um desprezo pela forma, dado que, não poucas vezes, as formas determinam o gênero, assim como o suporte e o ambiente em que o texto aparece.

Conforme resume Marcuschi (2008), os gêneros textuais são entidades: (a) dinâmicas, (b) históricas, (c) sociais, (d) situadas, (e) comunicativas, (f) orientadas para fins específicos, (g) ligadas a determinadas comunidades discursivas, (h) ligadas a domínios discursivos, (i) recorrentes e (j) estabilizadas em formatos mais ou menos claros. Dessa maneira, os gêneros devem ser considerados como formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas na linguagem. São entidades dinâmicas, cujos limites e demarcação, muitas vezes, se tornam fluidos.

3.3. O DOMÍNIO DISCURSIVO JORNALÍSTICO: OS GÊNEROS EDITORIAL E