• Nenhum resultado encontrado

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO | REVISÃO DA LITERATURA

2. A Evolução da Administração Pública

2.3. A perspetiva da New Public Management

2.3.1. Caracterização do Modelo

As linhas orientadoras da New Public Management foram decisivas para o desenho das políticas que consubstanciaram as reformas do setor público, na década de 90. Este novo paradigma estava orientado para as pessoas através da garantia de um governo eficiente, eficaz e responsável (Hood & Peters, 2004). Uma das principais ideias aportada pela nova gestão pública consistiu em dotar o setor público de uma gestão que proporcionasse maior eficiência dos seus custos para os governos (Ferlie et al., 1996).

Christopher Hood16 contribuiu decisivamente para a concetualização da nova gestão pública enquanto doutrina que tinha como objetivo modernizar o setor público e torná-lo mais eficiente (Hood, 1991). Em geral, a abordagem da nova gestão pública apresentou como pressupostos: a criação de dinâmicas de mercado colocando os cidadãos em primeiro lugar, a reorientação das organizações e dos serviços para competirem através de uma maior capacitação dos funcionários, da tomada de decisão descentralizada bem como da agilização dos processos de orçamentação e de dinamização da contratação (Breton, 1998; Denhardt & Denhardt, 2011).

Em certa medida, a aplicação destes princípios conduziu a mudanças na cultura da administração pública através da introdução de abordagens inovadoras na resolução de problemas, mais flexíveis e

15 Na base da sua projeção estiveram acontecimentos como a subida ao poder do partido conservador no Reino Unido (1979) e a eleição de

Reagan nos Estados Unidos da América (1981) (Araújo, 2000).

16

Christopher C. Hood professor e membro da All Souls College Oxford desde 2001, especialista no estudo do governo executivo, regulação e reforma do setor público. A sua investigação centrou-se nas mudanças de administração do governo central ao longo dos últimos 35 anos (financiados pelo Leverhulme Trust) e sobre política fiscal (financiados pelo Economic and Social Research Council).

22

empreendedoras levando a práticas modernas de gestão através da criação de agências (Pollitt, Talbot, Caulfield, & Smullen, 2004). A nova gestão pública substituiu a regra da orientação por processos e normas pela regra da orientação por resultados (Dunleavy, Margetts, Bastow, & Tinkler, 2006). Persistiram, contudo, alguns desafios críticos para a nova gestão pública, decorrentes da necessidade de discussão de resultados, fora do domínio convencional delimitado entre os estilos tradicionais e modernos de gestão pública. Um dos aspetos citados prende-se com o risco de clonagem inadequada e as questões “quasi-constitucionais” inerentes às competências essenciais dos órgãos do setor público (Dunleavy & Hood, 1994).

O setor público enfrentou uma pressão crescente para incorporar, na governação, os conceitos do setor privado tais como o empreendedorismo, a privatização, o enfoque no “cliente” bem como as técnicas de gestão derivadas do processo de produção. A New Public Management procurou agir sobre a implementação eficiente das políticas, o seu instrumental e a remoção de questões políticas substantivas da esfera administrativa (Box, 1999; Denhardt & Denhardt, 2011).

A nova gestão pública defendeu uma nova visão de gestores públicos equiparados a empresários, numa administração cada vez de menor dimensão e mais privatizada, que fosse capaz de emular não apenas as práticas, mas também os valores do negócio. Os defensores da nova gestão pública desenvolveram os seus argumentos, em grande parte, através do estabelecimento de contrastes com a “velha” administração (Denhardt & Denhardt, 2011).

A evolução do movimento da nova gestão pública aumentou a pressão sobre as burocracias estatais no sentido de ser criada uma maior atratividade para os cidadãos. Apesar destes serem os "donos" formais do Estado, este aspeto confinou-se a um mero simbolismo sem consequências práticas para a governação e para o relacionamento da administração pública com o cidadão no contexto da democracia representativa (Denhardt & Catlaw, 2015; Vigoda, 2002).

A aplicação de modelos do setor privado ao setor público tende, no entanto, a ser problemática na medida em que as sociedades modernas parecem ainda enfrentar uma atitude de grande passividade por parte dos cidadãos.

As implicações da avaliação da gestão do setor público e do comportamento dos gestores públicos condicionam o papel destes nos diferentes contextos gerando constrangimentos distintos sobre os seus comportamentos e as suas escolhas (Ring & Perry, 1985).

23

A nova gestão pública foi igualmente definida como uma abordagem moderna para transformar grandes burocracias em burocracias, mais fragmentadas, num contexto de concorrência entre agências públicas, bem como entre organismos públicos e organizações privadas (Peters, 1987). Em comparação com outras teorias de gestão pública, a New Public Management teve como objetivo primordial a eficiência e os resultados, por meio da gestão especializada do orçamento público e de uma concorrência baseada na liderança e nos princípios económicos (Denhardt & Catlaw, 2015; Ferlie et al., 1996).

A privatização, a liberalização e a globalização intensificaram ainda mais o papel da nova gestão pública nas organizações. As tecnologias de ponta permitiram a comunicação imediata, a compartilha de dados e a transparência. A burocracia pública e do governo e os seus controlos diretos foram progressivamente desativados pela liberalização através da desregulamentação dos setores económicos bem como pela tendência de desregulação do licenciamento de distribuição e dos preços dos bens e serviços. Por sua vez, as privatizações marcaram a transição da propriedade pública para a propriedade privada que, nalguns casos, beneficiou a eficiência económica, a atração de investimento e, consequentemente, o desenvolvimento social (Denhardt & Catlaw, 2015).

Finalmente, a globalização abriu oportunidades sem precedentes para o livre comércio em escala global e praticamente converteu o mundo num mercado amplamente referido como uma "aldeia global" (Chang, 2007). Estas tendências mudaram significativamente o paradigma da administração pública, que passou a ser considerada mais como um facilitador e provedor de várias funções regulando os processos públicos através das funções e das políticas de vários departamentos e agências (Pollitt & Bouckaert, 2003).

Do ponto de vista crítico, são apontadas à New Public Management duas importantes falhas: a concentração em processos intraorganizacionais num tempo em que a realidade da prestação de serviços públicos é interorganizacional e o facto de ser baseada numa teoria de gestão derivada do setor industrial, menorizando a importância dos serviços públicos enquanto “serviços” (Osborne, Radnor & Nasi, 2013).

Como pontos centrais que caracterizam a New Public Management, salienta-se:

a) Um aumento de autonomia na decisão para os gestores públicos

Na origem do incremento de autonomia para os cargos de gestão encontra-se a já referida dicotomia entre o poder administrativo e o político. De acordo com esta teoria, os gestores devem gerir as suas

24

organizações mediante objetivos previamente definidos, pelas diversas políticas públicas, devendo igualmente estar dotados dos instrumentos necessários à persecução das mesmas (Kettl, 2005; Osborne & Gaebler, 1993; Peters, 2010).

Foi promovida uma maior abertura, de forma descentralizada, para a gestão profissional, que ganhou uma maior autonomia e, em simultâneo, foi exigido um maior grau de responsabilização pelos seus atos (Barzeley, 2001; Coyle, 2003; Osborne & Gaebler, 1993). Esta perspetiva gestionária permitiu um incremento de eficiência e de eficácia para o setor público, já que primava pelo desenvolvimento da competência e das capacidades de uma gestão profissional (Behn, 1999; Morales et al., 2012; Rocha, 2001).

De acordo com a literatura, os modelos de gestão que proporcionam uma adequada autonomia e ferramentas inovadoras aos seus gestores têm melhores resultados na utilização, no racionamento dos recursos, na satisfação dos profissionais e nos resultados operacionais em termos de eficiência e de eficácia (Bach & Kessler, 2007; Walsh, 1995).

b) A agencificação do aparelho administrativo

O processo de agencificação foi entendido como a "transformação de organismos da administração direta do Estado em institutos públicos ou outras entidades com autonomia administrativa e financeira, ou a criação ab initio dessas entidades teoricamente mais eficazes e libertas dos condicionalismos e pressões do poder político" (Carvalho, 2007, p.5). Na base desta organização esteve a ideia de promover a separação de funções entre a administração central e a periférica (Araújo, 2013; Behn, 1999; Pollitt, Talbot, Caulfield & Smullen, 2004).

c) Implementação de mecanismos do tipo-mercado

A atribuição de uma maior autonomia para os gestores, a promoção da eficiência e do desempenho das organizações, a privatização, a contratação e a subcontratação de serviços culminou com uma perspetiva direcionada para os mercados que fomentou igualmente uma perspetiva de competitividade com o setor público (Lodge & Gill, 2011).

d) A função do Estado enquanto agente regulador

O movimento de desburocratização, entendido como o corte com o modelo burocrático, promoveu formas de gestão típicas do setor privado com concessões e contratação de serviços conduzindo a uma

25

alteração no papel do Estado enquanto prestador de serviços públicos. Este facto não constituiu um afastamento do Estado das suas funções sociais, ficando estas funções a cargo de entidades, públicas empresariais ou privadas, contratadas com a responsabilidade de executarem estas funções de um modo eficiente e eficaz (Simões, 2004a).

Neste contexto, ao Estado caberia a supervisão e a regulação da atividade de modo a salvaguardar o cumprimento das necessidades dos cidadãos, enquanto clientes do serviço público, com a devida qualidade, e ainda assegurar a transparência e a responsabilidade (accountability) dos gestores (Carvalho, 2007; Majone, 1997; Mozzicafreddo, 2001). Para Bilhim (2014), na base desta mudança de papéis do Estado estaria a ineficiência associada ao seu domínio enquanto financiador e prestador do serviço público.

e) Implementação da avaliação de desempenho nos serviços públicos

Neste novo papel do Estado, face à autonomia concedida aos gestores e à necessidade de serem avaliadas as organizações e os respetivos funcionários em função dos objetivos definidos, emergiram as questões da accountability, da eficiência17

e da eficácia18

nas contas públicas, pelo que na nova perspetiva da New Public Management se tornaram imperativos os sistemas de avaliação de desempenho (Bumgarner, 2009; Hood, 1991).

f) Implementação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na Administração Pública

O desenvolvimento da New Public Management incentivou o valor reconhecido às tecnologias de informação e de comunicação no processo de modernização da administração pública através do seu papel na avaliação e na comunicação entre as organizações, os indivíduos e o Estado (Monteiro, 2010; Pitschas, 2001). Para além desta função, as tecnologias de informação e de comunicação constituem-se como um instrumento crítico para dotar os organismos públicos de uma maior eficiência e controlo nas suas ações, permitindo uma aceleração de processos e um aumento da credibilidade e da transparência no desenvolvimento do seu papel enquanto prestadores de um adequado serviço público (Bertot, Jaeger & Grimes, 2012; Gibson, 2006; Pitschas, 2006).

Em forma de resumo, o quadro seguinte apresenta e caracteriza os pontos centrais da NPM:

17 "A eficiência busca uma máquina administrativa menos dispendiosa e mais produtiva" (Carvalho, 2007, p.5). 18

26

Quadro 2.3 - Pontos centrais da perspetiva New Public Management

Maior Autonomia de Decisão

Dirigida aos gestores públicos.

Associada a uma crescente flexibilidade nos instrumentos de gestão.

Aplicada nomeadamente na gestão financeira e na gestão de recursos humanos. Avaliação do

Desempenho

Em função dos resultados / prossecução de objetivos. De acordo com objetivos previamente definidos Dirigida aos serviços e aos recursos humanos. Agencificação do

Aparelho Administrativo

Com o objetivo de libertar os organismos dos condicionalismos e pressões associadas ao poder político. Substituição dos organismos da administração direta do Estado em institutos públicos.

Transformação de outros organismos públicos em entidades com autonomia administrativa e financeira. Qualidade nos Serviços

Públicos

Cidadãos e agentes económicos vistos como clientes.

Organização da prestação do serviço público em função das necessidades dos cidadãos. Processos e procedimentos realizados ao encontro da satisfação dos cidadãos. Promoção da Eficiência Implementação de uma máquina administrativa mais produtiva e menos dispendiosa.

Promoção da Eficácia Tem como objetivo a avaliação do grau de realização das metas traçadas. Privatização de Serviços

Públicos

Transferência de empresas ou de bens públicos para entidades privadas.

Introdução de mecanismos de tipo de mercado (contratualização, subcontratualização). Estado mais Regulador e

menos interventivo

Estado menos interventivo de modo a não condicionar a atividade económica.

Promoção de atividades de regulação de modo a garantir o cumprimento dos desígnios legais por parte dos prestadores públicos e privados.

TIC Enquanto instrumento para coordenar e ajustar o novo funcionamento da administração pública. Promoção da transparência e da responsabilização na demonstração de resultados. Fonte: Carvalho (2008); Pollitt, Talbot, Caulfield, & Smullen (2004)

Documentos relacionados