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5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1. ETAPA 1

5.1.2. Caracterização dos CAPSij

O quadro 03, a seguir, traz informações a respeito dos CAPSij, abordando tempo de funcionamento, tipo de administração e número de prontuários ativos.

Quadro 03 – Caracterização do CAPSij

CAPSij Tempo de Funcionamento Tipo de Administração Número de Prontuários Ativos Pitangueira 10 anos SSCF 122 Manjericão 10 anos SSCF 188 Floresta 2 anos PMC 217 Ypê 4 anos PMC 106

Fonte: Elaborado pela autora, conforme pesquisa de campo realizada (2019).

Como se pode observar, os CAPSij Pitangueira e Manjericão são os com mais tempo de funcionamento, são também os dois CAPSij de administração indireta, sendo administrados pelo Serviço de Saúde Dr. Candido Ferreira (SSCF). Como já mencionado anteriormente, este vínculo entre o SSCF e a Prefeitura Municipal de Campinas (PMC) foi formalizado em 1990 a partir da Lei 6215 (CAMPINAS, 1990) a qual autorizava o poder executivo a firmar convênio com o, na época, Sanatório Dr. Cândido Ferreira. Em seu artigo segundo, a Lei prevê que “o convênio tem por objetivo a administração conjunta do Sanatório ‘Dr. Cândido Ferreira’ que passa a se integrar ao Sistema Municipal de Saúde e atender clientela universalizada” (CAMPINAS, 1990, p. única).

De acordo com Sartory (2011), este convênio instituiu um “regime de cogestão e cooperação mútua” (p.386) entre o SSCF e a PMC que garantia, por um lado, que os cuidados voltados à Saúde Mental e à RAPS estivessem cobertos pelo SSCF e, por outro lado, que o SSCF teria autonomia para gerenciar seus equipamentos e funcionários. Sartory (2011) explica, ainda, que o SSCF desde então se configura enquanto uma Associação Civil sem fins lucrativos que possui um caráter público não estatal, destinando-se a atender usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). O SSCF está, inclusive, sujeito aos mecanismos de controle social do SUS (SARTORY, 2011).

Queiroz e Delamuta (2011) apontam, em relação a este convênio, que o mesmo se mostra instável e depende de renegociações a cada novo governo municipal (QUEIROZ; DELAMUTA, 2011). Isto será melhor abordado na Etapa 2 neste estudo mas, por ora, cabe já

pontuar que nos últimos anos as relações entre o SSCF e a administração da PMC tornaram-se, cada vez, mais difíceis e, atualmente, o convenio do SSCF se assemelha aos contratos que a PMC tem para com as Organizações Sociais de Saúde (OSS).

As Organizações Sociais de Saúde surgiram no Brasil entre os anos de 1994 e 1995, após a Reforma do Estado, com o intuito de ser um modelo de administração pública baseado na união de estratégias entre o Estado e a sociedade, marcando a transição de atividades estatais para o chamado terceiro setor, assim, “emergem como nova modalidade voltada à função social de gestão e provisão de serviços de saúde, vinculadas ao modelo das parcerias público-privadas” (MORAIS et al., 2018, p.2).

Muylaert et al. (2015) destacam as complexidades dessa terceirização da área da saúde pelas OSS, chamando atenção, sobretudo, para os serviços no campo de atenção à saúde mental infantojuvenil. Os autores apontam como uma das principais dificuldades a precarização do trabalho, com falta de investimento e número reduzido de profissionais contratados, impactando diretamente o trabalho desses profissionais e o atendimento ofertado para os usuários. Os autores chamam atenção, ainda, para a menor dedicação e envolvimento de profissionais contratados pelas OSS devido às próprias relações de trabalho e também à instabilidade relacionada ao vínculo contratual (MUYLAERT et al., 2015).

Assim, cabe questionar os impactos do vínculo entre SSCF e PMC no tocante ao serviço ofertado para a população. Como se verá a seguir, os CAPSij gerenciados pelo SSCF possuem maior número e variedade de profissionais. Não se pode afirmar que esse fator influencie positiva ou negativamente na oferta de cuidados e tampouco esse foi um dos objetivos do presente estudo, porém, é possível refletir sobre os rebatimentos implicados nos diferentes tipos de gestão. A Etapa 2 deste estudo, realizada em um CAPSij administrado pelo SSCF poderá trazer maiores elementos para esta discussão.

Abaixo, serão apresentados mais alguns dados comparativos entre os CAPSij no que se refere à composição das equipes, número de usuários com TEA inseridos em cada serviço, entre outros.

Em relação ao número de prontuários ativos, como se pôde observar no Quadro 03, o CAPSij Floresta apresenta o maior número, embora seja o CAPSij com menor tempo de funcionamento. Uma hipótese para isso é que, quando foi inaugurado, este CAPSij localizava- se em uma região central e de fácil acesso para a população. Além disso, como veremos a seguir, este CAPSij não possui funcionários administrativos, fato que pode influenciar na organização e sistematização dos dados, criando dados errôneos, dificultando a baixa de usuários que já não frequentam mais o serviço, entre outros desdobramentos.

Sobre a composição da equipe, os CAPSij de administração indireta apresentam um maior e mais variado número de profissionais quando comparado com os CAPSij de administração da Prefeitura. O quadro 04 traz um comparativo entre a composição das equipes dos quatro CAPSij.

Quadro 04 – Composição das equipes dos CAPSij por categoria profissional

Pitangueira Manjericão Floresta Ypê

Assistente Administrativo 1 1 0 0 Auxiliar de Enfermagem 4 2 5 6 Enfermeiro 2 2 2 1 Farmacêutico 1 1 0 0 Fonoaudiólogo 1 1 1 1 Médico Pediatra 1 1 0 1 Médico Psiquiatra 3 2 2 1 Monitor 1 3 0 0 Psicólogo 3 3 2 2 Terapeuta Ocupacional 2 2 2 1 Equipe de Limpeza 2 2 2 1 Vigia 1 0 0 0 Motorista 1 1 0 0 Gestor 1 1 1 1

Fonte: Elaborado pela autora, conforme pesquisa de campo realizada (2019).

Como já mencionado, os CAPSij de administração da Prefeitura não possuem assistentes administrativos. Esses CAPSij também não possuem farmacêutico, uma vez que a prefeitura mantém algumas farmácias centrais nas quais a população pode retirar a medicação.

Outra categoria profissional que não aparece nos CAPSij Prefeitura são os monitores, ou também denominados como educadores sociais. São cargos de nível médio, responsáveis pela oferta de oficinas, desenvolvimento de atividades de convivência, facilitação das atividades realizadas na ambiência, entre outros.

Em alguns CAPSij apareceram a figura do motorista e do vigia. O vigia tem por finalidade, principalmente, controlar o portão. O único CAPSij com vigia era o CAPSij Pitangueira o qual fica localizado em uma rua com intenso trafego de veículos, incluindo

ônibus. Assim, o vigia tinha por principal função evitar que as crianças saíssem para a rua desacompanhadas.

Como se verá na Etapa 2 deste estudo, o vigia também se envolvia em outras atividades tais como assembleias, grupo de música, ensaios para o carnaval e, assim como a equipe de limpeza, muitas vezes eram estes profissionais que primeiro conseguiam formar vínculo com alguns usuários. EsSe fato também foi pontuado por Ronchi e Avellar (2013) que, ao se debruçarem sobre a rotina de um CAPSij, perceberam que a vinculação de alguns usuários com o serviço se dava inicialmente através do vigia (RONCHI; AVELLAR, 2013). Do mesmo modo, o estudo de Fernandes e Matsukura (2016) revelou que os profissionais de apoio no CAPSij (motorista, vigia, equipe da limpeza) exercem importante função de cuidado e vínculo para com os usuários, não sendo algo exclusivo aos profissionais tecnicos que desenvolvem ações deretamente voltadas para os usuários (FERNANDES; MATSUKURA, 2016).

Todos os CAPSij contavam com psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, médico psiquiatra, enfermeiro e técnico de enfermagem. O CAPSij Ypê não tinha médico pediatra, mas os demais também contavam com esta categoria profissional.

A diversidade de categorias profissionais e a pluralidade de saberes compõem um cuidado amplo e abrangente que pode abarcar diferentes aspectos do sujeito e de sua família. A ideia do trabalho interdisciplinar enquanto eixo norteador das ações no CAPSij soma com a proposta de um cuidado horizontal que valoriza diferentes saberes, inclusive os saberes da cozinheira, do motorista, do vigia, da moça da limpeza, do usuário e de sua família. Esta interdisciplinaridade dialoga intimamente com as propostas do modelo de cuidado em Saúde Mental que entende que não é mais apenas o saber médico que conta.

A portaria 336 (BRASIL, 2002b) indica como equipe mínima para um CAPSij os seguintes profissionais: um médico psiquiatra ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental; um enfermeiro; cinco profissionais de nível superior entre as categorias: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico; e cinco profissionais de nível médio podendo ser técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão.

A não especificidade por determinados núcleos profissionais trazida na portaria pode, por um lado, deixar espaço para o caráter interdisciplinar da política de Saúde Mental, entendendo que todos os núcleos citados têm contribuições para oferecer à população atendida. Por outro lado, pode lançar a ideia de que o essencial, citado e nomeado, é o médico

e o enfermeiro, colocando novamente nestes profissionais a responsabilidade maior pelo saber e valorizando determinadas técnicas em detrimento de outras.

O documento “Saúde Mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial”, lançado pelo Ministério da Saúde em 2004, diz sobre a equipe de um CAPSij:

As equipes técnicas devem atuar sempre de forma interdisciplinar, permitindo um enfoque ampliado dos problemas, recomendando-se a participação de médicos com experiência no atendimento infantil, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistentes sociais, para formar uma equipe mínima de trabalho. A experiência de trabalho com famílias também deve fazer parte da formação da equipe (BRASIL, 2004,p. 23).

Este documento enfatiza um pouco mais o trabalho interdisciplinar e a composição, junto com o núcleo médico, de outros núcleos de saber.