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4 A GESTÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS MUNICÍPIOS

4.3 Terceiro momento: consolidação do SUAS (2012 – 2017)

4.3.1 Caracterização dos serviços e benefícios do SUAS geridos pelos municípios

A LOAS regula o processo de descentralização político-administrativa, ao estabelecer atribuições e competências nas três esferas de governo, no sentido da construção de elementos que ensejem a participação democrática, a partir da atuação integrada que materializa a proteção social com parâmetros de direitos e de cidadania.

Antes de adentrar a esfera da participação da gestão democrática e participativa, é importante destacar uma breve caracterização da gestão dos serviços e benefícios no âmbito do Estado, apresentando inclusive, de que forma tem evoluído a expansão dos serviços que são geridos pelos gestores na esfera municipal de acordo com as exigências postas pela Política na perspectiva do “aprimoramento da gestão”. Tal caracterização é pertinente, na medida em que nos aproxima do contexto da gestão de serviços e benefícios no Estado assim como das dificuldades que tais municípios enfrentam.

Uma primeira informação é sobre a situação de pobreza do Estado, tomado como referência para o planejamento de distribuição de Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), cujas informações contidas nas bases nacionais se apresentam como um importante instrumento que permite conhecer não só os serviços, mas os públicos a que se destinam, permitindo a inclusão das famílias nos diversos programas sociais do governo federal.

O acesso a essas informações pode ser proporcionado pela gestão estadual, sendo de fundamental importância para o desenvolvimento das intervenções pela esfera municipal junto aos usuários (atualização cadastral, gestão do IGD, trabalho social com as famílias do CadÚnico e PBF, conforme prevê as metas do Pacto de Aprimoramento da Gestão do SUAS). Além da possibilidade de efetivar capacitações, estudos sobre vulnerabilidades e riscos no território do estado, acesso a sistemas de informação, dentre outras, que permita o diálogo entre as diferentes esferas de governo

(Federal, Estadual e Municipal), de modo a contribuir efetivamente para que os municípios de pequeno, médio e grande porte possam materializar a gestão democrática e participativa da Política de Assistência Social.

De acordo com as informações contidas no Relatório de Informações Sociais da SAGI, o total de famílias inscritas no Cadastro Único, em maio de 2017, no Piauí, era de 688.687, sendo famílias com renda per capita familiar de até R$ 85,00 (461.105); famílias com renda per capita familiar entre R$ 85,01 e R$ 170,00 (54.781); famílias com renda per capita familiar entre R$ 170,01 e meio salário mínimo (102.161); famílias com renda per capita acima de meio salário mínimo (70.640) (MDSA, 2017).

As informações presentes no Cadastro devem ser analisadas para dar condições de sistematizar e organizar o planejamento dos serviços socioassistenciais. Um mecanismo previsto na NOB/SUAS para realizar essa ação é a vigilância socioassistencial, responsável que se constitui em uma função do SUAS que possibilita aos municípios a materialização da gestão democrática e participativa da Política de Assistência Social, sobretudo, quando essa informação é produzida a partir da gestão estadual com análises de contextos macros a nível de território e de famílias em vulnerabilidade e em risco no estado. As análises produzidas pelo setor podem ser utilizadas como parâmetro para definir os investimentos na cobertura de serviços, conforme as especificidades que se apresentam, inclusive com a participação dos usuários, trabalhadores e do controle social no planejamento e na gestão dos benefícios e serviços. Como destacado anterior, o Estado do Piauí não possui ainda um setor específico responsável pela Vigilância Socioassistencial, fato que vem dificultando o próprio planejamento e a oferta dos serviços.

As Normas Operacionais Básicas (2005, 2012) apresentam-se como instrumentos importantes que definem as responsabilidades da União, estados e municípios, no sentido da gestão democrática e participativa, constituindo-se como relevante elemento estruturante do SUAS. Diante disso, compreendemos que a esfera estadual tem um importante papel no que se refere ao aprimoramento e aprofundamento da Política de Assistência Social em âmbito municipal, a partir de uma articulação que perpassa, integralidade e racionalidade. Nesse sentido, a ação da esfera estadual deverá ser no sentido de fortalecer os municípios para que estes consigam somar esforços com vistas ao provimento da universalização dos direitos sociais (QUINONERO et al, 2013).

Além disso, o contexto de gestão da Política de Assistência Social no Piauí apresenta um cenário de vulnerabilidades, apontando para a necessidade de uma efetiva participação na gestão a fim de que o conjunto das ações possa impactar na realidade social, haja vista que é importante que a gestão estadual agregue em sua ação, o assessoramento técnico e o monitoramento aos municípios.

Cabe destacar a importância da gestão democrática e participativa nas diferentes esferas e níveis de gestão, visando à materialização do “[...] respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária”, a partir de um referencial técnico-operativo e de uma dimensão proativa junto às gestões municipais da Política de Assistência Social (NOB-SUAS, 2005).

No que se refere aos serviços socioassistenciais, o panorama da realidade do Estado do Piauí, no que compete à gestão dos serviços socioassistenciais e às contribuições da esfera estadual para o fortalecimento da gestão democrática e participativa do SUAS, em âmbito municipal, evidenciam a necessidade da construção e efetivação de instrumentos que sejam capazes de promover o fortalecimento do controle social, com a participação da sociedade civil, de usuários, de trabalhadores sociais, enfim, por meio de uma inter-relação ente as diferentes instâncias de gestão e de uma contínua e processual articulação com a sociedade civil (NOB-SUAS, 2005; QUINONERO et al., 2013).

Uma aproximação dessa realidade pode ser encontrada no Censo SUAS, instrumento de monitoramento dos serviços socioassistenciais. A consulta a essa base de dados, referente ao ano de 2017, mostra-nos a oferta dos seguintes serviços, com o cofinanciamento estadual: 269 CRAS em 224 municípios, 106 Equipes Volantes em 97 municípios, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos em 223 municípios e o Programa ACESSUAS Trabalho em 53 municípios no Piauí.

Quadro 10 – Gestão Estadual dos Serviços da Proteção Social Básica no Piauí – Ano 2017

SERVIÇOS DE PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA

Unidade/Serviço Município Meta Capacidade

real de atendimento Famílias Referenciadas Valor Repassado (R$) Centros de Referência de Assistência Social cofinanciados 224 município(s) 269 158. 300 791.500 1.899.600,00 Equipes Volantes cofinanciadas 106 97 - - 477.000,00 Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos 223 57.650 55.891 7.627.851,00 (trimestre) Programa ACESSUAS trabalho 53 53 - 19.887 3.422.930,00

Fonte: Relatórios de Informações Sociais (SAGI/ MDSA, 2017).

O referido contexto apresenta significativos desafios, tanto para a gestão estadual quanto para a municipal, no sentido da oferta dos serviços previstos para os equipamentos públicos, com a devida cobertura aos indivíduos e famílias vulneráveis. Isso porque tanto a gestão estadual quanto a municipal precisam incorporar as relações interinstitucionais e intermunicipais, com a formatação de protocolos e intercâmbios que possam favorecer a construção de práticas, saberes e fazeres, no sentido da democratização da Política de Assistência Social (NOB-SUAS, 2005; QUINONERO et al., 2013, p. 58).

Desse modo, é muito importante o investimento técnico no sentido de fortalecer as diretrizes da NOB/SUAS-2005, no que se refere ao planejamento das ações por meio de planos que detalhem as ações prioritárias e os focos das vulnerabilidades sociais nos territórios, de forma a dar

materialidade ao disposto na PNAS/2004, inclusive com o controle social dos respectivos Conselhos de Assistência Social.

Para Quinonero et al. (2013, p. 68), a “[...] NOB/SUAS-2012 completa um ciclo da normatização que, além de qualificar diretrizes organizativas da política, como a inclusão expressa da responsabilidade de cofinanciamento na primazia da responsabilidade do Estado”, apresenta também em seu bojo “[...] princípios éticos, vinculando o exercício profissional às normas, de forma a reafirmar a necessidade e importância da profissionalização da política”. Tudo isso evidencia um conjunto de responsabilidades e compromissos que precisam ser assumidos pelas três esferas (Federal, Estadual e Municipal) de forma equitativa.

No que tange à Proteção Social Especial de Média Complexidade, o Censo SUAS 2017 apresentou o seguinte panorama: 75 Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) em 48 municípios; 06 equipes do Serviço Especializado de Abordagem Social em 02 municípios; 09 municípios ofertam o Serviço Especializado de Acompanhamento de Medidas Socioeducativas; 02 municípios possuem Centros Referência Especializados para População de Rua; 01 município possui Centro Dia de Referência para Pessoa com Deficiência; e 22 municípios piauienses executam as Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

Quadro 11 – Gestão da Proteção Social Especial de Média Complexidade do Estado do Piauí–

Ano 2017

Gestão da Proteção Social Especial de Média Complexidade

Unidade/Serviço Meta Município Capacidade real de

atendimento Valor Repassado (R$)

Centro de Referência

Especializado de Assistência Social (CREAS)

75 48 2.700 366.200,00

Serviço Especializado de

Abordagem Social (Equipes) 06 02 - 30.000,00

Serviço Especializado de Acompanhamento de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade

9 9 360 adolescentes

em 18 grupos 39.600,00

Centro de Referência

Especializado para População de Rua – Centro Pop

02 02 300 36.000,00

Centro(s) Dia de Referência para

Pessoa com Deficiência 01 01 30 40.000,00

Ações Estratégicas do Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil - 22 - 123.400,00

Ações de habilitação e reabilitação

para pessoa com deficiência - 34 - 69.753,00

Fonte: Relatórios de Informações Sociais (SAGI/ MDSA, 2017).

A efetivação desses serviços pressupõe que a gestão na esfera estadual fomente as discussões e capacitações assim como o fortalecimento da esfera municipal para que esta, por sua vez, possa pautar as suas ações a partir das articulações intermunicipais e interinstitucionais, visando fortalecer os sistemas de defesa de direitos humanos, bem como dos conselhos, com o incentivo à participação dos diversos segmentos e grupos sociais (crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, negros, público LGBT, dentre outros), bem como dos segmentos de trabalhadores no enfrentamento das violências, trabalho infantil, uso de drogas, situação de rua, dentre outros (NOB-SUAS, 2005; QUINONERO et al., 2013, p. 59).

No que se refere à Proteção Social Especial de Alta Complexidade objetiva assegurar a proteção integral a indivíduos e famílias em situação de risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados, por meio da oferta de Serviço de Acolhimento Institucional; Serviço de Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora e Serviço de Proteção em situações de Calamidades Públicas e de Emergências (BRASIL, 2009).

Cabe destacar que a oferta desses serviços em âmbito municipal ou regional, com competências de municípios e estados, respectivamente, deverá atender aos princípios organizativos que tem como base a territorialização e a ênfase na primazia da convivência familiar e comunitária. A gestão democrática e participativa nesse contexto precisa ser incentivada pela gestão estadual, visando assegurar o controle social e ampliação da participação popular na gestão da oferta dos referidos serviços (NOB-SUAS, 2005; QUINONERO et al., 2013).

Quadro 12 - Gestão da Proteção Social Especial de Alta Complexidade no Piauí – Ano 2017

Gestão da Proteção Social Especial de Alta Complexidade no Piauí

SERVIÇO META MUNICÍPIO

Capacidade real de atendimento FAMÍLIAS REFERECIADAS VALOR REPASSADO (R$) Serviço de Acolhimento Institucional para outros públicos (mulheres e idosos) 01 01 100 100 9.000,00 Serviço de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes 04 180 330 90.000,00 Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias 02 02 75 125 16.500,00

Na oferta dos serviços de acolhimento institucional, a atuação da esfera estadual e as contribuições para o fortalecimento da gestão em âmbito municipal deverão ser no sentido de favorecer a garantia da excepcionalidade do afastamento do convívio familiar. Desse modo, deve contribuir com assessoramento técnico aos municípios, buscando promover esforços para a manutenção do convívio na família, notadamente quando se tratar de crianças e adolescentes, cuja medida de caráter excepcional deverá ocorrer somente quando a situação ensejar risco à integridade física e psíquica do usuário.

Além disso, tais serviços integram o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a partir de uma inter-relação com a rede socioassistencial e com o Sistema de Garantia de Direitos, em decorrência do princípio da incompletude institucional, considerando que uma única instituição não poderá prestar serviços aos usuários que não são de sua competência. Exemplo disso é o fato de que os adultos acolhidos necessitam dos serviços de Saúde, de Educação, Emprego e Renda, entre outros, devendo-se favorecer o acesso e o respectivo atendimento.

O desenvolvimento da autonomia dos sujeitos envolvidos, com um trabalho em rede, por meio de articulações setoriais e intersetoriais, inclusive com a participação do controle social, tem se tornado um desafio para a gestão municipal, que também admite a necessidade de capacitação para implementação das diretrizes da política.

Nessa direção, os gestores entrevistados afirmam que:

Para tomar as decisões, é necessário que o gestor também tenha esse olhar do conhecimento da política, porque o que identificamos hoje é que existe um histórico da Assistência Social. Nós estamos em processo de consolidação, mas esse processo também vivência muitos entraves que dizem respeito à forma como essa política foi construída, os ranços que ainda enfrentamos pela história da caridade, do assistencialismo e da falta de profissionalismo. Esse gestor, para que ele seja orientado dentro dos arcabouços, das diretrizes e dos marcos legais que existem na política, ele precisa conhecer. Não é só a questão da equipe técnica, ela é preponderante porque está na execução do serviço. Mas é o gestor que vai gerir, é o gestor que vai dar as orientações maiores. Isso ainda temos muito o que avançar. (GESTORA 1).

O conhecimento e apropriação do conhecimento por gestores de uma política que foi construída a base do imediato constitui-se em um avanço de natureza significativa, sobretudo pelo volume de serviços e, com eles, da estrutura burocrática que precisará ser acionada e gerida para que sejam efetivados. No entanto, também se questiona: não seria essa a maneira do gestor incorporar o “discurso da competência”? Mas a que competência nos referimos? E, para que e para quem efetivamente ela serve?

Sobre esse aspecto, Chauí (2011, p. 153) afirma que a informação constitui-se “[...] na condição social mais premente da democracia”, e que, por isso, faz-se necessário analisar o tipo de informação, de que forma vem sendo passada e, efetivamente, se é capaz de dar visibilidade a desigualdade social. É nesse contexto que ganha força, na sociedade burguesa, o discurso da competência que obscurece o argumento liberal das desigualdades naturais para transferi-las para a esfera do saber, criando de um lado os detentores do saber e, de outro, os despossuídos, estes últimos seriam objeto de manipulação pelos primeiros.

Assim, se de um lado temos as diretrizes para organização e oferta de serviços regulamentados na perspectiva do direito, de outro, os próprios limites postos pelo Estado Neoliberal têm limitado a implementação dos serviços do SUAS, os quais estão regulamentados. Por outro lado, por vezes, tais gestores são responsabilizados pela não oferta dos serviços, seja pela própria população, que exige o atendimento da sua demanda reprimida, seja pelas demais esferas de gestão que estabelece o cumprimento de metas a serem alcançadas, sob pena de terem reduzidas e/ou suspensas suas ofertas de serviços. Assim, no cotidiano da gestão, a tendência é adaptar as normativas às condições que o município oferece, mesmo que se reconheça a sua precariedade. Como podemos observar na fala a seguir:

Não houve muitas mudanças de acordo com a resolução do que vem, quando vem a meta, por exemplo, a questão do CRAS, tivemos uma coisa que a gente ainda não conseguiu, nessa pactuação, nessas metas de pactuação, foi separar no CRAS uma sala para o coordenador dentro das estruturas pedidas. O coordenador do CRAS fica junto com o rapaz do Bolsa Família, a gente até fez um projeto, chamou um engenheiro, foi feito um projeto arquitetônico para fazer uma alteração, mas não tivemos recursos para isso. (GESTORA 1).

Cabe destacar que a dimensão da primazia da responsabilidade do Estado disposto na NOB- SUAS (2005, 2012), apresenta-se de forma efetiva na condução da Política de Assistência Social nessa área de proteção, devendo os serviços ser ofertados a partir de princípios organizativos pautados na gestão democrática e participativa, visto que os riscos e violações perpassam uma relação com a sociedade/território. No entanto, essa oferta acaba limitada pelas condições de financiamento da Política.

A partir dos elementos postos, vamos tratar agora da gestão da Política de Assistência social nos municípios piauienses.

5 A COMPREENSÃO DA GESTÃO DO SUAS PELOS GESTORES NOS MUNICÍPIOS