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Caracterização do Paradigma Distributivo: As propostas de John Rawls, Ronald Dworkin e Amartya Sen

Neste capítulo procura caracterizar-se o paradigma distributivo. Para atingir esse objetivo, expõem-se as ideias fundamentais sobre justiça distributiva, defendidas por John Rawls, Ronald Dworkin e Amartya Sen, com especial realce para Rawls e para Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice, 1971), os verdadeiros “protagonistas desta história”. Na sequência de Rawls, Ronald Dworkin, autor de Virtude Soberana (Sovereign Virtue, 1998), raciocinando dentro das coordenadas do paradigma já estabelecido, repensou o conteúdo a distribuir e a estratégia de distribuição. Amartya Sen, discípulo e admirador de Rawls, mas também seu crítico, em A Ideia de Justiça (The Idea of Justice, 2009), afastou-se do mestre, apontou dificuldades, mas ainda se manteve fiel, no essencial, à ideia distributiva. Em relação a cada um destes autores, será ainda apresentada uma perspetiva crítica no sentido de evidenciar algumas inconsistências do seu pensamento. Na parte final do capítulo, enunciam-se em síntese os pressupostos da conceção distributiva de justiça e as consequências que esses pressupostos implicam; isto é, identifica-se o quadro concetual que suporta este paradigma, o qual será objeto de análise na Parte II.

A - John Rawls e a justiça como equidade

John Rawls (1921-2002), com a publicação de Uma Teoria da Justiça, estabeleceu um modelo de justiça distributiva que se tornou paradigmático: abordou o tema numa perspetiva nova; criou instrumentos concetuais que não mais puderam ser dispensados; e propôs uma metodologia verdadeiramente inovadora em questões de justiça. Esta foi, provavelmente, a chave para o sucesso que as suas propostas conheceram.

O objeto primário da justiça

Rawls deslocou o plano da justiça do indivíduo para a sociedade, partindo do reconhecimento de que é na existência da “sociedade” em concreto que o problema se coloca. Na ideia que expressa de sociedade, mantendo-se em consonância com o individualismo liberal clássico, define-a como uma associação de indivíduos que tem

por objetivo estabelecer relações de cooperação, mas também dirimir conflitos decorrentes de divergências quanto ao modo como devem ser distribuídos os benefícios e as obrigações da vida social:

“(…) uma sociedade é uma associação de pessoas, mais ou menos autossuficiente, as quais, nas suas relações, reconhecem certas regras de conduta como sendo vinculativas e, na sua maioria, agem de acordo com elas. (…) Estas regras especificam um sistema de cooperação concebido para fomentar o bem dos que nele participam. Assim, embora uma sociedade seja uma tentativa de cooperação que visa obter vantagens mútuas, ela é tipicamente marcada simultaneamente tanto por um conflito como por uma identidade de interesses.”33

Numa conceção de sociedade deste tipo, tende a enfatizar-se a liberdade individual e entendem-se os conflitos sociais como conflitos entre indivíduos, ignorando-se distinções de classe34.

É certo que Rawls falará repetidamente nos “mais desfavorecidos”, mas omite que os interesses em conflito na sociedade podem ser não apenas diferentes, mas também antagónicos, e podem ser interesses de classe e não simplesmente individuais. Ora, como refere Tony Judt, em Um Tratado Sobre os Nossos Atuais Descontentamentos, numa expressão simples, mas contundente: “os ricos não querem o mesmo que os pobres” (T. Judt, 2010: 161).

Na teorização de Rawls está sempre presente o primado da pessoa sobre o todo social, partindo-se do princípio de que as pessoas têm objetivos e fins díspares; são livres para fazerem escolhas e são responsáveis pelas suas escolhas, insistindo na ideia de que “a pluralidade de sujeitos, com distintos sistemas de objetivos, é uma característica essencial das sociedades humanas” (J. Rawls, 2001: 45).

Acresce ainda que Rawls, pelo menos de modo implícito, entende a sociedade como um sistema fechado, isolado de outras sociedades, quando se lhe refere como uma

33 J. Rawls, 2001: 28.

34 Apesar de tudo, Rawls está longe de uma conceção individualista extremada como será, por exemplo, a

dos pensadores libertaristas, como Robert Nozick, ou de líderes politicos como Margaret Thatcher, segundo a qual “a sociedade é uma coisa que não existe, existem só indivíduos e famílias”; o que exacerba aquilo que poderíamos designar de “conceção atomística de sociedade”.

realidade autossuficiente; ainda pensa em termos de Estado-Nação e em sociedades separadas que hoje, com a globalização, sofreram uma erosão profunda. Os princípios de justiça que irá propor serão pensados no quadro desse tipo de sociedade. Assim, em síntese, pode dizer-se que em Rawls predomina:

− A ideia de sociedade como uma associação de pessoas;

− A ideia de pessoa como um indivíduo que existe por si, independentemente do próprio corpo social;

− A ideia de sociedade como um sistema fechado.

É num enquadramento deste tipo, que vai refletir, começando por estabelecer que “o objeto primário da justiça é a estrutura básica da sociedade” (Idem: 30). Vejamos como podemos entender esta expressão e que sentido têm os conceitos nela implicados:

(1) A “estrutura básica da sociedade” é a forma como a sociedade se encontra organizada, forma essa que depende das principais instituições que a constituem e do modo como estas se encontram conectadas.

(2) Uma “instituição” é uma prática social regida por “um sistema público de regras que determina funções e posições, por exemplo, os respetivos direitos e deveres, bem como poderes e imunidades” (idem: 30).

(3) As regras que regem as instituições são públicas, no sentido em que são conhecidas por todos, pois todos precisam ter a noção dos deveres a que são obrigados e dos direitos que podem exigir.

(4) As instituições que compõem a sociedade podem ser justas ou injustas e, por tal motivo, a estrutura básica é muito importante, pois “as suas consequências são profundas e estão presentes desde o início” (ibidem).

Segundo Rawls, “as instituições são justas quando não há discriminações arbitrárias na atribuição dos direitos e deveres básicos” (idem: 29). A justiça das instituições tem a ver com o modo como distribuem os benefícios sociais; essa distribuição não deve estar dependente de contingências da sorte, e o seu objetivo deve ser o de mitigar as vantagens que resultam dos talentos individuais e de outras situações favoráveis em que algumas pessoas se encontram (“lotaria da sorte”), sem nada terem feito para o merecer; se a estrutura básica da sociedade permitir a uns terem expectativas de vida e de bem-estar muito superiores às de outros, ela é injusta.

Fazem parte da estrutura básica: a constituição política, que define o sistema de governo e os seus órgãos; a estrutura económica, que pode ser capitalista ou socialista, reconhecendo, ou não, a propriedade privada e o mercado; e a estrutura social, compreendendo ou não a existência de classes, a instituição da “família” e outras instituições sociais, como o sistema de ensino, o sistema de saúde, etc.

A estrutura básica constitui assim um enquadramento económico, social, político e cultural no qual a vida das pessoas decorre, condicionando o que podem esperar, independentemente dos seus esforços ou talentos individuais.

Para percebermos melhor a influência que a estrutura básica exerce sobre a vida das pessoas, basta lembrarmos alguns exemplos históricos, como o das sociedades feudais da Idade Média, nas quais as expectativas dos camponeses eram muito diferentes das dos membros da nobreza; aqueles, independentemente das suas qualidades individuais, de empenho, de trabalho e mesmo de iniciativa, dificilmente poderiam esperar vir a tornar-se proprietários, já que a estrutura básica daquelas particulares sociedades não estava “desenhada” para permitir tal possibilidade. Algo equivalente acontece em sociedades profundamente sexistas, nas quais as mulheres, mesmo se talentosas e esforçadas, não terão oportunidade de fazer escolhas autónomas; ou em sociedades em que, embora informalmente, ainda subsiste o regime de castas. Estes exemplos permitem perceber que, em grande medida, as expectativas dos indivíduos - o que esperam em relação ao futuro - são condicionadas pela estrutura básica da sociedade, e se as expectativas forem reduzidas, as motivações para agir e modificar a situação também o serão e afetarão as suas iniciativas.

É porque se apercebe das consequências que decorrem inevitavelmente da estrutura básica da sociedade e do impacto que esta tem nas vidas das pessoas que Rawls faz dela o objeto primário da justiça, e conduz a reflexão no sentido de encontrar a forma justa de estabelecer os princípios que devem enquadrar as instituições sociais. Chega mesmo a afirmar que, se a estrutura básica for injusta e se as injustiças se mantiverem, as medidas propostas nada adiantarão porque se não se estiver atento, as injustiças ocorrerão, resultantes das contingências das mais diversas circunstâncias, naturais, sociais e históricas. Perante uma estrutura básica intrinsecamente injusta, a injustiça instala-se com a maior das facilidades, será encarada como normal e natural e tenderá a replicar-se. Também, se a estrutura básica não for justa, não parece legítimo

competências e de talentos. Por isso, o problema e a questão central será saber como é que a justiça se pode embeber na estrutura básica.

Fatores e diferenças individuais na origem da injustiça

Apesar de valorizar a estrutura básica da sociedade, a ponto de fazer dela o objeto primário da sua teoria, Rawls, ao refletir sobre a injustiça - manifesta na desigualdade existente relativamente à distribuição de rendimento e de riqueza - explica-a como resultante da interferência de diferentes tipos de fatores e de circunstâncias, com predomínio para as diferenças individuais:

“A distribuição existente de rendimento e riqueza é, digamos, o efeito cumulativo das distribuições anteriores de dons – isto é, dos talentos e capacidades naturais – desenvolvidos ou não, na medida em que a sua utilização foi favorecida ou desfavorecida ao longo do tempo pelas circunstâncias sociais e por contingências como a sorte ou o azar.”35

Como constatamos, em primeiro lugar, considera que as diferenças de rendimento e de riqueza resultam dos dons/capacidades diferentes dos indivíduos, na medida em que uns são mais inteligentes, mais trabalhadores, empreendedores, etc. do que outros. Esta será uma componente inata responsável pelas diferenças individuais, ligada supostamente a fatores genéticos e é apresentada como determinante. Em segundo lugar, as desigualdades também dependem do azar ou da sorte com que esses mesmos indivíduos utilizam os seus dons naturais. E dependem ainda do modo como a sociedade fornece ou não condições favoráveis a essa utilização; obviamente, num meio social estimulante, certas capacidades são desenvolvidas enquanto, em outro tipo de meio, vão com certeza estiolar.

Nesta explicação sobre a origem da injustiça, que é identificada com certo tipo de desigualdade, que decorre de circunstâncias arbitrárias e de contingências naturais que o indivíduo não controla, Rawls não se afasta da visão veiculada pelo pensamento liberal clássico, de Hobbes, Locke e Stuart Mill; estes filósofos também percebiam as desigualdades como resultantes de diferenças individuais no domínio das competências e da capacidade empreendedora, diferenças essas que, numa sociedade de mercado,

geravam naturalmente desigualdades de rendimento e riqueza. Repare-se que Rawls presume que as circunstâncias sociais têm alguma interferência, mas, no essencial, tudo repousa nos talentos e capacidades individuais, e estes dependem fundamentalmente da boa ou má sorte que cabe ao indivíduo. Deste modo, atribuiu as desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento a correspondentes desigualdades naturais de competências e a contingências também naturais ou a ocorrências acidentais, como é o caso do funcionamento social, omitindo outras hipóteses explicativas. Podemos desde já notar que, ao entender que a injustiça decorre de processos naturais (incontroláveis) ou de meros acidentes e contingências do acaso, Rawls não pressupõe intencionalidade na injustiça que, se fosse considerada intencional, em certo sentido, deixaria de decorrer de circunstâncias arbitrárias.

Ademais, atribuir a injustiça sofrida pelas pessoas a infortúnios individuais conduz a considerar que a função da justiça é compensar as pessoas por esses infortúnios, como refere Richard Arneson:

“A teoria de justiça de que Rawls foi pioneiro explora uma ideia simples - a de que a preocupação da justiça distributiva é compensar os indivíduos pelo infortúnio. Algumas pessoas são abençoadas com boa sorte, algumas são amaldiçoadas com má sorte, e é responsabilidade da sociedade - de todos nós coletivamente considerados - alterar a distribuição dos bens e dos males que decorrem do jogo das lotarias que constituem a vida humana tal como a conhecemos.”36

As propostas de Rawls orientam-se no sentido aqui apontado quando preconiza que se aja sobre a estrutura básica e que se criem instituições justas, entendendo que “as instituições são justas quando não há discriminações arbitrárias na atribuição dos direitos e deveres básicos e quando as regras existentes estabelecem um equilíbrio adequado entre as diversas pretensões que concorrem na atribuição dos benefícios da vida em sociedade” (J. Rawls, 2001: 29). Mas, para as instituições serem justas, elas terão de ser enquadradas por princípios justos.

36 TL do inglês: “The theory of justice pioneered by John Rawls explores a simple idea - that the concern

of distributive justice is to compensate individuals for misfortune. Some people are blessed with good luck, some are cursed with bad luck, and it is the responsibility of society - all of us regarded collectively- to alter the distribution of goods and evils that arises from the jumble of lotteries that constitutes human life as we know it.” (R. Arneson, 2007: 80)

A escolha de princípios de justiça sob um véu de ignorância

Para escolher os princípios reguladores da estrutura básica, Rawls imagina um dispositivo artificial que designa de “posição original sob um véu de ignorância”. O propósito é criar as condições ideais nas quais devem ser debatidos e estabelecidos os princípios de justiça. Nessa situação, equivalente à do estado de natureza da teoria do contrato social, as partes não se propõem chegar a acordo sobre as regras básicas da organização política da sociedade, mas sobre os princípios de justiça que devem ser adotados:

“O (…) objetivo é apresentar uma conceção de justiça que generaliza e eleva a um nível superior a conhecida teoria do contrato social (…). Para o fazer, não vamos conceber o contrato original como aquele que permite a adesão a uma sociedade determinada ou que estabelece uma determinada forma de governo. A ideia condutora é antes a de que os princípios da justiça aplicáveis à estrutura básica formam o objeto do acordo original.”37

Na posição original, as pessoas - as partes contratantes - vão escolher sob um véu de ignorância, isto é, vão escolher desconhecendo as suas características individuais - atributos e talentos naturais -, bem como o seu estatuto social e a sua conceção particular de bem. Todavia, embora ignorem todas essas circunstâncias, pressupõe-se que têm conhecimentos gerais em relação ao funcionamento da sociedade, das pessoas e da economia, e que conhecem os critérios que podem permitir um funcionamento mais ou menos eficiente.

Considerando-se que a unanimidade do consenso não é bastante para tornar um contrato justo38, o véu de ignorância é a chave que obriga as pessoas a comportarem-se como seres racionais e a decidirem de forma imparcial, porque neutraliza “os efeitos de contingências específicas que levam os sujeitos a oporem-se uns aos outros e que os fazem cair na tentação de explorar as circunstâncias naturais e sociais em seu benefício” (idem: 121). Quer dizer, sob o véu de ignorância, as pessoas não têm como estabelecer

37 Idem: 33.

38 Diferentemente de Rawls, Ronald Dworkin, que referiremos ainda neste capítulo, parece aceitar que a

legitimidade do contrato depende apenas do acordo dos contratantes, esquecendo que, embora essa seja uma exigência formal, não é a única; para que o contrato seja justo, é preciso estar atento, entre outras coisas, ao poder negocial das partes, pois grandes assimetrias podem viciar os dados do “jogo”.

princípios que as favoreçam e lhes tragam vantagens porque ignoram quais seriam essas vantagens.

Rawls pressupõe ainda que os agentes envolvidos na situação original são “mutuamente desinteressados”, de certa maneira, saudavelmente egoístas, partindo do princípio de que cada pessoa está apenas preocupada em promover o seu bem-estar, e ninguém subordina os seus interesses aos dos outros. Mas como, a coberto do véu de ignorância, ninguém conhece o seu específico interesse, acaba por prevalecer o interesse individual geral, e os indivíduos acabarão por fazer a escolha que um sujeito universal faria. O véu de ignorância é a metáfora que coloca num outro patamar o imperativo categórico de Kant, ao exigir equivalente imparcialidade e objetividade.

Resumindo, na posição original, os princípios são escolhidos numa situação de igualdade: todos ignoram as suas circunstâncias particulares, todos podem apresentar propostas, todos têm direito de intervir – a escolha parte de uma situação de equidade que é garante da sua justiça. Nessa situação, as pessoas são “obrigadas” a fazer uma escolha racional e imparcial; desse modo, é o processo de escolha dos princípios de justiça que os torna justos. Quem escolhe não sabe se vai ser um trabalhador braçal ou um empresário bem-sucedido, negro ou branco, rico ou pobre, muito ou pouco dotado intelectualmente, etc. etc. por isso, como está na ignorância de todos esses aspetos particulares, tenderá a escolher princípios que não o prejudiquem nem contrariem os seus interesses, seja qual for a circunstância. Este aspeto reveste-se de extrema importância, pois que, por exemplo, se alguém soubesse à partida que seria rico, poderia achar racional escolher/aprovar um princípio de justiça de acordo com o qual seria injusto obrigar os ricos a pagarem impostos para “subsidiarem” os pobres e para financiarem medidas de natureza social.

Rawls considera que a sua teoria de justiça - justiça como equidade - é um tipo de justiça processual pura39 porque as condições estipuladas para que os princípios sejam escolhidos - o processo - têm como consequência que não sejam aceites coisas

39 Há justiça processual pura quando não dispomos de um critério independente que permita avaliar se o

resultado é justo porque a justiça do resultado depende apenas do processo; por exemplo, num jogo de póquer, o resultado será justo seja ele qual for, ganhe quem ganhar, se as regras forem seguidas, se não houver batota, se não se mudarem as regras a meio do jogo, seguir o processo garante que o resultado seja justo. A justiça como equidade é deste último tipo: é justiça processual pura.

que se revelem injustas, quer dizer, o processo determina o produto; a pessoa escolhe em tal condição que não tem qualquer meio de escolher um princípio que a beneficie especificamente, porque não sabe que tipo de pessoa é; também se presume que ninguém - um agente racional - vai escolher um princípio, sabendo que há uma hipótese de vir a ser prejudicado; desse modo garante-se neutralidade e imparcialidade – este é um aspeto fulcral que Rawls não se cansa de reiterar.

Dado o processo encontrado para decidir sobre os princípios de justiça, pode concluir-se que se está perante uma teoria contratualista; todavia, como acima referido, trata-se de um contrato original porque, diferentemente do contrato social, tal como em termos clássicos foi entendido, os contratantes não se obrigam a obedecer às leis do Estado, mas antes pretendem chegar a acordo sobre princípios de justiça. Por outro lado, a natureza contratualista da teoria permite definir que “a base da justiça é aquilo em que os homens consentem” (idem: 45) e, desse modo, leva Rawls a defender a independência e a anterioridade do justo em relação ao bem, considerando que a “prioridade do conceito de justo sobre o de bem constitui uma das características centrais da teoria da justiça como equidade” (idem: 47). O “justo” transforma-se assim numa questão humana, subtraindo-se ao veredito das religiões (sobrenaturais) e das construções metafísicas (especulativas); passa a ser entendido como o resultado de um acordo humano obtido sob certas condições, porque os princípios de justiça “são os que seriam aceites por pessoas livres e racionais, colocadas numa situação inicial de igualdade e interessadas em prosseguir os seus próprios objetivos, para definir os termos fundamentais da sua associação” (idem: 33).

Enquanto nas teorias teleológicas, tipo utilitarismo, o bem é considerado como independente do justo, e este é definido como aquilo que maximiza o bem, Rawls procura escapar ao relativismo inerente às conceções de bem, considerando que primeiro é preciso determinar o que é justo e só depois definir o bem (que será agir em conformidade com os princípios escolhidos como justos). Esta posição presume que é mais fácil as pessoas concordarem sobre o que é o justo do que sobre o que é o bem porque a justificação dos princípios de justiça reside num acordo quanto às escolhas preferíveis e esse acordo é alcançado sob um véu de ignorância, isto é, numa situação de

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