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Caracterização psicológica e análise das diferenças de género, número de tratamentos de PMA realizados e duração da infertilidade para as variáveis

Parte B Estudo Empírico

VI. D ISCUSSÃO DOS R ESULTADOS

2. Caracterização psicológica e análise das diferenças de género, número de tratamentos de PMA realizados e duração da infertilidade para as variáveis

psicológicas em estudo

A infertilidade é, na maior parte das vezes, um acontecimento inesperado e imprevisível, vivenciado como uma crise biopsicossocial (Burns & Covington, 2000; Cook, 1987; Mahajan et al., 2009), por envolver implicações biológicas, emocionais, físicas, relacionais, sociais, laborais, financeiras e psicológicas (Domar et al., 1993; Meanning, 1980; Perkins, 2006, Slade et al., 2007). Mais concretamente, a condição de infertilidade está associada a respostas emocionais como a depressão, a ansiedade, perda 38

da identidade social e da perceção de sujeito saudável, isolamento social, dificuldades de relacionamento conjugal e sexual, baixa autoestima, falta de auto-confiança, angústia, tristeza, insegurança, medo, desesperança em relação à concretização do sonho de maternidade/paternidade. Estes são especialmente severos, quanto maior a perceção de que um filho biológico é essencial para alcançar a felicidade e a realização pessoal (Abbey et al., 1991; Cousineau e Domar, 2007; Dhont, et al., 2011; Greil, 1997; Faramarzi, 2008; Paul et al., 2010; Schmid & Sherrod, 2004 in Drosdzol & Skrzypulec, 2009; Valentine, 1986). Globalmente, a percentagem de problemas psicológicos em casais inférteis situa-se entre os 25 e os 60% (Seibel & Taymor, 1982).

2.1. Diferenças de género

As mulheres tendem a encarar a experiência de infertilidade como uma crise especialmente devastadora (Greil, 1997), revelando maior sofrimento psicológico do que os seus companheiros, independentemente do fator de infertilidade (Abbey et al., 1991; Berg & Wilson, 1991; Daniluk, 1988; Domar, et al., 1992; Link et al., 1986, in Burns & Covington, 2000; Lund et al., 2009; Wright et al., 1991; Wischmann et al., 2001, 2009). Na investigação levado a cabo por Noorbala e seus col. (2008), os autores verificaram que numa amostra de 638 casais inférteis, 48% das mulheres, e apenas 23,8% dos homens, manifestavam depressão. Os resultados do presente estudo são concordantes aos obtidos por Noorbala e col., encontrando-se diferenças estatisticamente significativas entre géneros para todos os fatores de depressão e globalmente (t(208.0)= 4.246, p=0.000),

tendo as mulheres evidenciado maiores níveis de sintomatologia depressiva (M(BDI-II total)=9,17; DP(BDI-II total)=9,18), comparativamente aos homens (M(BDI-II total)=4,91; DP(BDI-II total)=6,02). No entanto, apesar das diferenças, os níveis de sintomatologia depressiva para

a maioria da população em estudo são mínimos (86%), tendo em conta os pontos de corte do Inventário de Depressão de Beck-II (Beck et al., 1996), tanto no género masculino (93,2%) como feminino (74,4%), contrariando a investigação que sugere que as mulheres inférteis são mais suscetíveis de experienciar níveis elevados de sintomatologia depressiva (Domar et al., 1992). De salientar, contudo que há mais mulheres com depressão moderada (n=16) do que ligeira (n=12), e que a frequência desta (13,2%) é significativamente maior do que nos homens (1,7%).

Alguns autores procuraram encontrar explicações para estas diferenças, revelando que apesar de bastante difundida a ideia de infertilidade enquanto "doença conjugal", muita da atenção é ainda direcionada para a mulher, relegando-se por vezes o sofrimento masculino (Perkins, 2006; Agostini et al., 2010). Isto leva muitas vezes a que os homens, consciente ou inconscientemente, camuflem os seus sentimentos negativos (Abbey et al., 1991; Malik & Coulson, 2008), durante todo o processo, podendo justificar em parte os resultados obtidos no BDI-II, e principalmente os resultados mais baixos para o fator afetivo (M=0.82; DP=1.57) da depressão, comparativamente com o fator cognitivo (M=1.50; DP=2.39) e somático (M=2.59; DP=2.86). Ao desconsiderar os seus receios e sentimentos, a comunicação, a coesão e o suporte podem sair abalados, aumentando o risco de isolamento (Matos & Pereira, 2005), daí a menor satisfação com o apoio da família e amigos, obtidos por parte dos homens da amostra em relação às mulheres, como veremos mais adiante. De salientar ainda que apesar da maioria não reportar níveis elevados de sintomatologia depressiva, é possível que a condição de infertilidade tenha um impacto negativo em outras áreas significativas das suas vidas que não são avaliadas pelos instrumentos utilizados neste estudo.

Para além do sofrimento psicológico, a infertilidade causa a muitos casais, sérios constrangimentos no relacionamento interpessoal (Cunha et al., 2008; Domar et al., 1993; Greil, 1997), e o adequado ajustamento nesta fase é determinado não só pela história prévia do sujeito, como também por toda uma vivência conjugal e familiar (Faria, 2001; Karimzadeh, et al., 2006). Um dos grandes desafios dos indivíduos que enfrentam esta problemática é precisamente aprenderem a gerir a sua condição de infertilidade, e as exigências dos tratamentos, nas suas interações sociais com o parceiro, a família, os amigos e os colegas de trabalho (Peterson, et al., 2008; Schmit, 2009; Tjørnhøj-Thomsen, 1999 in Lund et al., 2009). Em contraste com a investigação realizada por Lund e col. (2009), no presente estudo, os níveis de satisfação com o apoio social, avaliados através da Escala Multidimensional de Apoio Social Percebido (EMASP) revelam, para a população em geral, valores mais elevados para a sub-escala apoio da figura significativa (M=5,50; DP=0,80), seguindo-se a satisfação com o apoio da família (M= 4,95; DP=1,09) e por último o apoio dos amigos (M=4,49; DP= 1,23). Segundo Schmit (2006) e Holter (2006) a maioria dos casais não têm dificuldade em partilhar com os seus parceiros, os seus sentimentos e preocupações acerca da infertilidade e dos tratamentos (in Schmit, 2009), principalmente quando o desejo de ter um filho e o envolvimento nos tratamentos é compartilhado.

Vários autores mencionam que também se encontram diferenças de género em relação à perceção da disponibilidade de apoio social (Berg & Wilson, 1991; Boivin, 2003; Slade et al., 2007). Muitas mulheres entendem a sua incapacidade de conceber como tendo reflexo direto na sua identidade e autoimagem, e para evitar este sofrimento optam pelo isolamento social (Cunha et al., 2008), de forma a esconder o seu problema, de modo a evitar a vergonha, a pena e os conselhos indesejados. Contudo, comparando homens e mulheres, relativamente à satisfação com o apoio social, os resultados do presente estudo aproximam-se dos obtidos por Agostini e seus col. (2010), indicando que o género masculino relata consistentemente pior perceção de apoio social (t(236)= 1.884,

p=0.031). Quando exploradas em quais das dimensões se encontram essas diferenças, foi possível constatar que as mulheres revelam uma melhor perceção com o apoio da família (t(236)= 2.332, p=0.011) e dos amigos (t(236)=2.443, p= 0.008), do que os homens.

Segundo Delgado (2007), os homens mais do que as mulheres, evitam falar abertamente sobre a condição de infertilidade, por considerarem um assunto privado e porque acreditam que ninguém pode compreender a extensão do seu sofrimento. Contudo, de acordo com o autor, os que partilham o seu problema, ainda que o façam apenas com as pessoas mais chegadas, referem a importância do apoio social para lidar com a situação. Quanto à dimensão apoio do parceiro, as diferenças entre ambos os géneros não são significativas. De facto, segundo Cousineau e Domar (2007) a falta de aceitação (real ou perceciona) e/ou apoio inadequado é sobretudo proveniente das suas famílias e/ou amigos.

De acordo com os resultados obtidos na análise das diferenças entre os géneros para as variáveis psicológicas em estudo, foi possível verificar que a hipótese (H1) as mulheres evidenciam maiores níveis de depressão e satisfação com o apoio social do que os homens, foi confirmada.

2.2. Número de tratamentos realizados

O insucesso na ocorrência de gravidez após os tratamentos, numa fase em que tantas expectativas estão depositadas, contribui para um aumento dos índices depressivos, tanto no género masculino como feminino (Berghuis & Stanton, 2002; Hammarberg, et al., 2001; Lok et al., 2002, in Ramezanzadeh, et al. 2004). De facto, vários estudos demonstram uma relação inversa entre o ajustamento emocional e o número de

tratamentos sem sucesso, ou seja, níveis de depressão mais elevados estão associados à realização de tratamentos de PMA consecutivos, e por isso, a situações de perda repetidas, e sentimento de impotência crescente (Agostini, et al., 2010; Berg & Wilson, 1991; Beutel et al., 1999, in Wischmann, et al., 2009; Domar et al., 2000 in Peterson, 2006; Daniluk, Braverman, Leiblum in Paul, et al., 2010; Perkins, 2006). Parece, portanto, que os sintomas depressivos são uma possível consequência de tratamentos falhados, e que quanto maior a taxa de insucesso terapêutico, maior a severidade da sintomatologia. Alguns estudos consideram mesmo que a depressão pode ser um fator de risco ao sucesso do tratamento (Williams et al., 2007 in Lund, et al., 2009).

Através das análises correlacionais realizadas não foi possível verificar a existência de qualquer associação (r < 0.10) entre o número de tratamentos de PMA realizados pelos participantes e os níveis de sintomatologia depressiva. Assim, e apesar de se verificar um aumento progressivo na severidade da depressão entre o grupo que não realizou qualquer tratamento (M= 6.46; DP= 7.12); os sujeitos que realizaram tratamentos de PMA pela primeira vez (M= 7.17; DP= 7.74) e os que já foram submetidos a mais do que um tratamento de PMA (M= 7.85; DP=9.25), as diferenças entre estes não são estatisticamente significativas (F(2,227)= 0.824, p=0.440).

De facto os autores que se têm debruçado sobre o estudo da incidência do impacto psicológico durante o processo de tratamento, têm encontrado, por vezes, resultados contrários, que podem ajudar a entender os dados obtidos nesta investigação. Berg (1988 in Fassino, et al., 2002) e Koropatnik (1993, in Burns & Covington, 2000) referem que a passagem do tempo, associada à expectativa do fim dos tratamentos, parece influenciar de forma positiva respostas mais ajustadas à vivência desta crise. Para Woods e col. (1991) as mulheres que se empenham ativamente na procura de informação e tomam decisões relativamente aos tratamentos, tendem a evidenciar níveis baixos de sintomatologia depressiva, assim como a atrair mais suporte social do que aquelas que assumem uma postura mais passiva perante as circunstâncias. A literatura também têm apontado que existem diferenças no ajustamento emocional relativamente ao momento do tratamento, ou seja, há uma aumento dos níveis de depressão, nos mesmos indivíduos, entre o pré e o pós tratamento, estejam estes a realizar tratamentos pela primeira vez ou de forma repetida. (Lund et al.,2009; Verhaak, et al. 2005). Lund e col (2009) salientam ainda que os níveis de depressão são tanto maiores quanto maior o desejo de paternidade biológica.

Os procedimentos terapêuticos frequentes representam assim fontes imprevistas de constrangimento psicológico para a maioria dos casais, que com a escalada em busca do tão desejado filho, são confrontados com técnicas cada vez mais invasivas, que consumem tempo, dinheiro e exaltam o sofrimento físico e psicológico (Lemmens et al., 2004; Schmidt, 2005). Os casais veem-se assim pressionados a gerir estas fontes adicionais de stress, nas suas interações sociais com a família, amigos, colegas e com o parceiro. Este desafio é por vezes difícil, e a satisfação, o suporte e a comunicação dentro do casal, e em torno das suas redes sociais são afetados, justificando muitas vezes o isolamento (Fekkes, et al., 2003; Schwarzer & Knoll, 2007). Relativamente aos resultados obtidos para o apoio social tendo em conta o número de tratamentos, verifica- se, tal como para a variável depressão, que não existe correlação entre estas variáveis. Assim, também não se verifica diferenças estatisticamente significativas nos três grupos (não fez tratamentos, tratamento primeira vez, e tratamentos repetidos) quanto à satisfação com o apoio social para qualquer das dimensões, apoio do parceiro, apoio da família e apoio dos amigos.

De pontuar que sobretudo o apoio conjugal tem sido apontado como a principal a fonte de apoio social durante a fase de tratamento (Laffont & Edelmann, 1994). Neste sentido, elevados níveis de satisfação com o apoio do(a) parceiro(a) podem funcionar como fatores protetores contra as respostas emocionais negativas inerentes ao insucesso dos tratamentos.

Assim, e uma vez que os resultados não revelaram diferenças estatisticamente significativas, a hipótese (H2) os sujeitos que são submetidos a tratamentos de PMA de forma repetida, evidenciam maiores níveis de sintomatologia depressiva e menor satisfação com o apoio social, não pode ser confirmada. Estes dados corroboram os resultados contraditórios apresentados na literatura, e referenciados anteriormente.

2.3. Duração da Infertilidade

O menor ou maior ajustamento à condição de infertilidade é influenciado não só pelo número de tratamentos sem sucesso, como também pelo período de duração do problema. Mais uma vez os estudos sobre esta temática têm sido inconsistentes. Enquanto a maior parte demonstra que a há uma intensificação dos sintomas de depressão, quanto mais extensos os períodos de infertilidade (Berg & Wilson, 1991; Lee,

et al. 2001), outros revelam não existir relação entre a duração de infertilidade e a depressão ou outros fatores psicológicos (Hunt et al. 1997, in Ramezanzadeh, et al., 2004). Um outro estudo demonstrou que as mulheres a quem o diagnóstico lhe tinha sido atribuído há aproximadamente 2-3anos, apresentavam maiores níveis de depressão, comparativamente com aquelas que tinham o problema há menos de 1ano ou há mais de 6anos (Domar, et al., 1992). Ramezanzadeh e col. (2004) acrescentam que durante os primeiros 3 anos a infertilidade é acompanhada por sinais de ansiedade, depressão, perda de autoestima, impotência e desajustes relacionais, sendo estes mais comuns entre os 4-6 anos, atingindo patamares mais graves em mulheres cuja infertilidade se arrasta há mais de 7-9 anos. Perkins (2006) explica que quanto mais prolongada no tempo for a condição de infertilidade, as mulheres que mantém o desejo de conceber um filho biológico, têm uma certa urgência em solucionar o problema, tendo em conta o seu período fértil "limitado", o que se traduz num aumento da severidade do impacto psicológico subjacente. Isto resulta muitas vezes num envolvimento"compulsivo" em mais e mais tratamentos, sem tomada de consciência do impacto deste percurso sobre elas, o seu parceiro e o relacionamento conjugal.

De acordo com a literatura referida e a hipótese (H3) espera-se que a um período mais extenso de duração da infertilidade esteja associado um grau de severidade de sintomatologia depressiva maior, e menor satisfação com o apoio social percebido, verifica-se apenas diferenças nos sujeitos com um período de duração da infertilidade entre 48 e 17meses (M=4.67; DP=1.09), e nos participantes cujo problema de fertilidade se prolonga por um período maior ou igual a 6 anos (M=4.69; DP=1,17), comparativamente com os sujeitos com diagnóstico de infertilidade menor ou igual a 2 anos (M= 5.27; DP=0.97) na dimensão apoio da família (F(3, 221)=3.312; p= 0.014). Estes

resultados sugerem que os sujeitos da amostra com diagnóstico de infertilidade há mais de 4 anos, percecionam o apoio da família como menos satisfatório do que os sujeitos com duração da infertilidade inferior ou igual a 2 anos. Estes resultados podem ser explicados em parte pelo facto de que com o diagnóstico de infertilidade, e consequente duração do problema, não só o casal sofre por não ver concretizado o seu desejo, como também a família, que se confronta com o adiar do sonho de serem avós, tios, padrinhos, exercendo mais pressão sobre o casal. Os amigos próximos tendem a manter-se apoiantes, e a relação com o parceiro, sai muitas vezes fortalecida, pela união em torno do desejo comum de paternidade. A inexistência de diferenças significativas entre o período de duração de infertilidade e a depressão e apoio social em geral, pode ter sido limitado pela

construção das categorias de duração (24meses; 25 a 47meses; 48 a 71meses e 72meses). Devido à ambiguidade nos resultados apontados na literatura, os critérios de construção acabaram por ser sobretudo a equivalência de sujeitos para cada condição e amplitude e intervalos semelhantes entre as categorias. De pontuar ainda que os sujeitos que demonstram características positivas como o otimismo, o altruísmo, a esperança, a criatividade (Yunes, 2003), e que têm uma relação satisfatória com o conjugue e com a rede social (Domar et al., 1992), revelam um ajustamento mais adequado, o que pode explicar os resultados obtidos e os níveis mínimos de sintomatologia depressiva observados na população em estudo.