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4.3 Caracterização de germoplasma

4.3.1 Caracterização química

Os vegetais produzem uma grande variedade de compostos químicos, denominados de metabólitos secundários, que têm função, principalmente, de defesa contra predadores e patógenos. Existem três principais grupos de metabólitos secundários, de acordo com sua biossíntese: os terpenos, os compostos fenólicos e os compostos contendo nitrogênio (TAIZ e ZEIGER, 2004).

O estudo do metabolismo secundário possui diversas aplicações práticas, pois muitas destas substâncias são fisiologicamente ativas contra herbívoros ou patógenos. Vários terpenos são de importância para a agricultura por apresentarem ação inseticida como os piretróides, os limonóides e a azadiractina que é uma substância presente no nim indiano (Azadirachta indica). Dentre os alcalóides também estão incluídos metabólitos de importância agronômica, como a cafeína (Coffea arabica), a nicotina (Nicotiniana

tabacum) e a teobromina (Theobroma cacao) e de importância medicinal como a pilocarpina

(Pilocarpus spp).

Os metabólitos secundários são compostos caracterizados por enorme diversidade estrutural, mas com distribuição restrita a certos taxa. Tal diversidade química torna essas substâncias peças fundamentais no processo adaptativo e co-evolutivo dos vegetais, pois, o perfil fitoquímico de uma espécie e, inclusive, de indivíduos, pode ser influenciada pelo ambiente a ele associado (HARBORNE, 1997). O conhecimento da diversidade química pode contribuir para o estudo da variabilidade populacional e sazonal de metabólitos secundários e para a prospecção de substâncias bioativas.

Apesar do efeito ambiental sobre a produção de metabólitos secundários, o controle de sua biossíntese é realizado por genes que codificam enzimas específicas, responsáveis pela formação destes compostos e regulação das vias biossintéticas. Assim, o controle do metabolismo secundário depende da capacidade genética da planta em responder a estímulos internos ou externos e da existência desses estímulos no momento apropriado (VIEIRA, 2000).

Estudos com populações silvestres de plantas aromáticas e medicinais, relacionando composição química com a área de ocorrência desses vegetais, têm demonstrado que existe uma variação genética entre indivíduos de diferentes populações (SKOULA et al., 2000). Portanto, uma espécie encontrada em uma região não necessariamente produzirá os mesmos compostos que outra distante desta, ou talvez produza, porém em quantidades diferentes (VIEIRA, 2000).

Populações quimicamente distintas, dentro de uma mesma espécie, com ênfase nos metabólitos secundários majoritários foram definidas como raças químicas ou quimiotipos (HAY e SVOBODA, 1993). O termo quimiotipo deve ser aplicado somente nas plantas em que não se possa verificar distinção morfológica entre as populações analisadas. Se houver tais diferenças serão consideradas variedades botânicas e não quimiotipos (MARTINS, 1998).

Segundo Vieira (2002) a existência e reconhecimento de quimiotipos são fundamentais, também, quando se pensa na coleta de espécies nativas para estudos agronômicos em que se tenta avaliar e melhorar a capacidade destas de produzirem determinado constituinte químico. Considerando este aspecto, é fundamental que a conservação dos recursos genéticos de plantas nativas, tenha como base uma coleta de germoplasma que amostre os diferentes quimiotipos existentes, permitindo ao usuário deste material genético acesso a uma variabilidade maior.

Segundo Figueira (2000) o estudo da produção agrícola de espécies medicinais e aromáticas, deve primeiramente considerar a base genética em interação com o ambiente, a qual resulta no metabolismo do composto de interesse, assim como o grau de herdabilidade dos fatores genéticos que determinam a composição química.

Os esforços destinados ao conhecimento de metabólitos secundários e sua distribuição nas plantas precisam ser ampliados, de modo a minimizar as lacunas existentes entre estes dados e os morfológicos, por exemplo. Tal esforço pode levar a um maior entendimento da evolução desses metabólitos e também aumentar o número e a diversidade de caracteres a serem utilizados em estudos filogenéticos (SANTOS, 2000).

Os marcadores químicos podem ser utilizados na separação de acessos porém, com limitado sucesso, uma vez que esses constituintes são afetados por fatores bióticos, como herbivoria e doenças, e por fatores abióticos, como luz, temperatura e estádio de desenvolvimento. Sem dúvida, o uso de marcadores moleculares permitiu melhor

discriminação, uma vez que não são influenciados pela idade da planta ou pelo meio ambiente (VIEIRA et al., 2001; VIEIRA e AGOSTINI-COSTA, 2007).

A caracterização química pode ser considerada como uma estratégia para o uso e a conservação de recursos genéticos vegetais de importância medicinal. Assim, esse tipo de caracterização é um recurso importante para estabelecer e intensificar o uso de bancos de germoplasma de plantas medicinais.

4.3.1.1 Fitoecdisteróides

Terpenos ou terpenóides constituem o maior grupo de metabólitos secundários e derivam-se da união de unidades pentacarbonadas que apresentam um esqueleto ramificado de isopentano. Os elementos estruturais básicos dos terpenos são algumas vezes chamados de unidades isoprênicas, pois os terpenos, quando submetidos a altas temperaturas, podem se decompor em isoprenos. Assim, todos os terpenos são, ocasionalmente, referidos como isoprenóides (TAIZ e ZEIGER, 2004).

Os terpenos são classificados pelo número das unidades pentacarbonadas. Os monoterpenos possuem 10 carbonos em duas unidades C5 (ex.: mentol,

linalol); os terpenos com três unidades C5 são os sesquiterpenos (ex.: ácido abscísico), já os

diterpenos apresentam quatro unidades C5 (ex.: ácido giberélico). Os maiores terpenos incluem

triterpenos com 30 carbonos (ex.:sitosterol), tetraterpenos com 40 carbonos (ex.: carotenóides) e politerpenóides com [C5]n carbonos, onde n > 8 (ex.: borracha) (VIEIRA e AGOSTINI-

COSTA, 2007; TAIZ e ZEIGER, 2004).

Os terpenos são biossintetisados a partir de duas vias metabólicas. Na primeira rota, a do ácido mevalônico, é formado o isopentenil difosfato (IPP), a unidade ativa básica na formação dos terpenos. Os monoterpenos são formados a partir do geranil difosfato (GPP), molécula de 10 carbonos. O GPP ao se ligar à molécula a uma molécula de IPP, forma um composto de 15 carbonos, o farnesil difosfato (FPP), precursor da maioria dos sesquiterpenos. A adição de mais uma molécula de IPP produz o geranilgeranil difosfato (GGPP), precursor dos diterpenos. Finalmente, FPP e GGPP podem dimerizar para formar triterpenos (C30), esteróides (C27) e tetraterpenos (C40), respectivamente (TAIZ e ZEIGER,

Atualmente, considera-se que o IPP também possa ser formado a partir de outra via metabólica, a do metileritritrol fosfato (MEP) (TAIZ e ZAIGER, 2004), que ocorre nos cloroplastos e outros plastídeos (LICHTENTHALER et al., 1997; LICHTENTHALER, 1999; McCASKILL e CROTEAU, 1999; ROHMER, 2003).

A reação que une duas unidades de farnesil difosfato (FPP) é catalisada pela esqualeno sintase (EC 2.5.1.21), formando o esqualeno, o precursor da maioria dos esteróides. O esqualeno é então seletivamente epoxidado para formar 2,3-oxidoesqualeno, o qual sofre ciclização. Esta seqüência é catalisada por pelo menos duas enzimas: esqualeno epoxidase (EC 1.14.99.7) e a cicloartenol sintase (EC 5.4.99.8) as quais catalisam reações em que ocorre rearranjo do epoxiesqualeno para formar o precursor dos ecdisteróides, o cicloartenol (LEE et al., 2004; MANN, 1994).

Os ecdisteróides são hormônios esteroidais responsáveis pela ecdise e estão envolvidos nos processos de metamorfose e de reprodução nos artrópodes. Espécies vegetais também sintetizam ecdisteróides (fitoecdisteróides) e estudos apontam para a função de proteção contra insetos fitófagos e nematóides do solo (MELÉ et al., 1992; SLÁMA et al., 1993; SORIANO et al., 2004). A 20-hidroxiecdisona (20E) (Figura 1) foi identificada a partir de artrópodes e atualmente é considerado o principal ecdisteróide biologicamente ativo em vários invertebrados (DINAN, 2001).

A síntese de fitoecdisteróides em células vegetais in vitro foi registrada pela primeira vez em Achyranthes sp.(HIKINO et al., 1971) e desde então a cultura de tecidos tem contribuído com os estudos visando o entendimento da rota metabólica desses compostos. Diferentemente dos insetos, as plantas são capazes de produzir fitoecdisteróides a partir do ácido mevalônico. Contribuição importante também para a compreensão da via de biossíntese dessas substâncias foi conduzida por Reixach et al. (1996) que utilizaram

Polypodium vulgare cultivada in vitro e demonstraram que o mevalonato e o colesterol

Me Me Me Me Me OH O OH HO HO HO HO H H H S R R S R R R R S R

Figura 1. Estrutura química da 20-hidroxiecdisona (20E) (Fonte: SciFinder Scholar – CAS

5289-74-7). Ribeirão Preto, SP, 2008.

Grebenok et al. (1994) trabalhando com Spinacea oleracea (espinafre) demonstraram que os ecdisteróides polifosforilados e os conjugados estão envolvidos na regulação da biossíntese. Em um outro estudo com a mesma espécie foi demonstrado que a hidroxilação da ecdisona no carbono 20 para formar a 20E é catalisada pela enzima ecdisona- 20-monoxigenase (EC. 1.14.99.22) em uma reação dependente do citocromo P450 que ocorre predominantemente na fração microssomal (GREBENOK et al., 1996).

Dinan (2001) considera necessária mais ênfase na elucidação da rota biossintética dos fitoecdisteróides diante do potencial desses compostos. A modificação nos seus perfis e nos níveis encontrados nos vegetais por engenharia genética é possível e está relacionada ao conhecimento das vias metabólicas e da sua regulação.

Em certos vegetais já foi observado que a síntese de fitoecdisteróides é aumentada em resposta ao ataque por insetos, danos mecânicos, herbivoria e também pela presença do jasmonato (DINAN, 2001). Para Harborne (1998) é relevante o estudo sobre a ocorrência de ecdisteróides em animais e em plantas para o entendimento evolutivo desses seres e de sua capacidade adaptativa. A atividade biológica dessas substâncias e sua função ecológica na interação química entre vegetais e insetos evidenciam a sua importância (VANEK et al., 1990).

Os nematóides também pertencem ao clado Ecdysozoa, portanto, é provável que possuam regulação hormonal semelhante à dos insetos para a ecdise (AGUINALDO et al., 1997 apud SORIANO et al., 2004). Estudos comprovaram que os ecdisteróides possuem atividade biológica em nematóides (NELSON e RIDDLE, 1984), assim, os fitoecdisteróides desempenham um importante papel de defesa também contra os nematóides (SORIANO et al., 2004).

Soriano et al. (2004) inocularam três espécies de nematóides em

Spinacea oleracea e verificaram que Pratylenchus neglectus, Heterodera schachtii e Meloidogyne javanica induziram a biossíntese de 20-hidroxiecdisona (20E). Foram verificados

vários efeitos do fitoecdisteróide sobre os parasitas: ecdise anormal, a imobilidade, a redução quanto a invasão, a diminuição do desenvolvimento e a morte dos nematóides expostos diretamente à 20E. Além disso, foi constatada a capacidade de síntese de novo de 20E nas plantas não inoculadas, mas expostas à aplicação de metil jasmonato (MJ). O ecdisteróide 20E foi o principal composto induzido por metil jasmonato que afetou os nematóides avaliados. Os autores consideraram que o conhecimento dos níveis de fitoecdisteróides em plantas economicamente importantes pode ser útil no controle de populações de nematóides.

Nas últimas três décadas foi descrita a estrutura de mais de 200 tipos de fitoecdisteróides em centenas de espécies vegetais. A possibilidade do uso desses compostos no controle de pragas agrícolas, na biologia de insetos transmissores de doenças e em estudos farmacológicos tem atraído a atenção de vários pesquisadores. Ainda não está claro o papel biológico da extensiva variedade dessas substâncias, mas, numerosos análogos estruturais fornecem um excelente recurso para as investigações sobre a atividade fisiológica e bioquímica. A continuidade das pesquisas sobre a distribuição desses metabólitos nos vegetais pode contribuir com uma possível implicação quimiotaxonomica e ecológica (DINAN, 2001).

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