• Nenhum resultado encontrado

A política que orienta os Serviços Residenciais Terapêuticos prevê que este dispositivo realize uma articulação entre os diferentes pontos da rede no qual está inserido (BRASIL, 2004). Assim, aos trabalhadores do SRT cabe realizar articulações não só entre os serviços de saúde do município, mas também mobilizar diferentes recursos e apoio de órgãos públicos, privados, individuais e coletivos a fim de dar suporte para o retorno à vida social de seus moradores.

A partir da portaria nº 106/2000 o Ministério da saúde prevê a vinculação dos SRT à um serviço de referência, podendo ser um CAPS, serviço ambulatorial especializado em Saúde mental ou uma equipe de Saúde da Família com apoio matricial (BRASIL, 2004). Não havendo a necessidade de profissionais de nível superior vinculados diretamente no serviço.

No caso do SRT de Alegrete existe uma equipe responsável pelos cuidados, que acompanha os moradores 24 horas, que é formada por 8 trabalhadores, divididos geralmente em 2 por turno, com a função de auxiliar nas atividades diárias dos moradores, e o serviço de referência é o CAPSII do município. Além disso, os moradores tem acesso a diferentes serviços da rede ofertada pelo município, como: pronto socorro, unidades básicas de saúde, Centro de Referência de Assistência Social/CRAS, educação, jurídico, entre outros, articulando uma rede de cuidados corresponsável pela ressocialização dos moradores do SRT.

Dos 8 trabalhadores do SRT de Alegrete 6 participaram da pesquisa, uma vez que, um não se enquadrava nos critérios de inclusão da pesquisa (estagiário, iniciou a trabalhar durante o processo de coleta) e um não aceitou participar da pesquisa, por motivos pessoais. Dessa forma os entrevistados compunham uma amostra descrita no quadro a seguir:

68

Tabela 2 – Caracterização dos trabalhadores quanto a formação, lotação e tempo de trabalho no SRT – Alegrete/RS – maio de 2010.

Trabalhador Formação Lotação Tempo de SRT*

Entrevistado1 Ensino Médio Acompanhante Terapêutico 6 anos

Entrevistado2 Especialista Coordenação do SRT 2 anos

Entrevistado3 Ensino Médio Cuidador 7 meses

Entrevistado4 Ensino Médio Acompanhante Terapêutico 6 anos

Entrevistado5 Ensino Médio Cuidador 2 anos

Entrevistado6 Ensino Médio Vigia Noturno 4 anos Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da pesquisa REDESUL (2011) *

O tempo de trabalho do SRT é referente ao período da coleta de dados.

No SRT de Alegrete não há profissionais da área da saúde, uma vez que o sujeito com especialização é da área da educação, sendo a assistência de saúde é realizada pelos profissionais do CAPSII, os quais fazem visitas periódicas ao serviço para acompanhamento dos moradores sempre que necessário. Os trabalhadores do SRT são responsáveis pelo acompanhamento dos moradores nas atividades de vida diária, estimulando os moradores a retomar suas vidas tanto nas coisas mais simples, como arrumar a casa, até as mais complexas, que envolvem a tomada de decisões importantes para a vida dos moradores.

O SRT de Alegrete tem uma especificidade, uma vez que o terreno destinado ao serviço é dividido entre o residencial terapêutico e moradas assistidas. O residencial é uma casa ampla que ocupa a frente do terreno, enquanto as moradas assistidas são seis casas que ocupam os fundos. Essas casas são habitadas por um morador, ou um casal de moradores com maior nível de autonomia, e que exigem menor acompanhamento por parte dos trabalhadores. Já a residência é habitada por 12 moradores, com diferentes níveis de autonomia, exigindo uma atenção maior por parte dos profissionais, os quais em geral, trabalham em duplas por turno.

Os profissionais do SRT estão inseridos num espaço de constantes contradições, na medida em que este é um serviço, que não pode perder as características de ser uma casa. A assistência organizada na casa pode ser tanto o suporte necessário para reconstrução da vida, quanto um modo de manter a dependência e a rigidez institucional (WEYLER, 2006). Assim, na tensão dessas contradições, se organizam os processos de trabalho, os quais devem ser pautados na qualidade das relações que se estabelecem no dia a dia, bem como o poder de decisão que é dado ao morador para gerenciar sua vida.

Obviamente, cada um dos trabalhadores é diferente e lida com essas tensões de forma diferente do outro. Contudo, o fato de serem cuidadores, sem uma formação específica na área da saúde, mostra-se um importante recurso para que não se reproduza, dentro do espaço da casa, rotinas de lógica institucional, uma vez que, ao não operar com um saber específico, abre-se a possibilidade de novas relações em todos os cenários da vida social que o SRT propõe.

O desafio está em exercer o papel de cuidador sem reforçar atitudes de tutela total, o que muitas vezes pode ser tarefa difícil, uma vez que existe um movimento social marcante de tutelar o sujeito em sofrimento psíquico, seja com práticas de infantilização, de permissividade ou de não responsabilização que o cuidador pode apresentar.

Observa-se que no SRT de Alegrete, mesmo sendo um lugar onde os trabalhadores são comprometidos com o processo de reapropriação dos espaços pelos moradores, ainda observam-se práticas tutelares por parte de alguns trabalhadores. Há algumas regras impostas aos moradores, como os horários para comer, o acesso limitado à cozinha e restrições ao uso do dinheiro, que poderiam ser repensadas a fim de promover um maior empoderamento aos moradores.

O empoderamento neste trabalho é entendido como “um conjunto de estratégias de fortalecimento do poder, da autonomia e da auto-organização dos usuários [...] nos planos pessoal, interpessoal, grupal, institucional, e na sociedade em geral” (VASCONCELOS, 2007, p.3). Acredita-se que esse conceito dá suporte à parte do processo de fortalecimento do poder, da participação e da organização dos moradores na reapropriação dos espaços na sociedade, uma vez que auxilia a lidar com excessos de poder, ainda presentes nos serviços substitutivos, pelo ritmo lento

70

característico dos processos de transformações sociais, como no caso da reforma psiquiátrica.

Ao caracterizar os sujeitos e os contextos os quais eles estão inseridos pretende-se admitir a posição de que os processos de trabalho transformam a realidade daquele espaço através das relações que aqueles trabalhadores assumem com relação ao objeto, aos instrumentos e à finalidade de seu trabalho. Assim, ao assumir posturas conservadoras e manicomiais, mesmo inseridos em serviços substitutivos, trabalhadores e moradores não produzirão transformações significativas na forma de atenção ao sujeito em sofrimento psíquico. Ao contrário, ao adotar posturas dialógicas em espaços abertos de discussão e estímulo ao empoderamento e à autonomia, permitirá que o trabalhador, através de seu trabalho, seja capaz de contribuir para transformar a realidade no qual ele e o morador estão inseridos.