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2. O FORMATO NARRATIVO DAS SÉRIES TELEVISIVAS DA HBO

3.1 A Literatura fantástica traduzida para as telas

3.1.1 Caracterizando as adaptações fantásticas

Dando continuidade à discussão sobre adaptações e no sentido de buscar uma definição, Fechine e Figueirôa (2009) apontam traços específicos que as particularizam com relação a seu texto de partida. Para os autores, esse processo “Designa, a rigor, a passagem de um texto reconhecido por uma determinada substância da expressão, num outro caracterizado pela convergência de substâncias da expressão, diferente daquelas que deram forma ao arranjo original” (FECHINE e FIGUERÔA, 2009, p.4).

A autora Linda Hutcheon, similarmente, também trata das questões de adaptação como um processo instituidor de diferenças e que culmina na produção de um texto que, ao ser transportado para outra mídia, torna-se outro, transforma-se. Ao definir o que é adaptação, essa autora explica que:

Como um fenômeno formal, a adaptação é uma combinação da tradução e, normalmente, destilação de uma obra adaptada. Assim como não há nada parecido com uma tradução literal, não pode existir uma adaptação literal. A transposição para uma outra mídia (ou mesmo dentro de uma mesma mídia) sempre implica

mudança; sempre vai haver tanto ganhos quanto perdas29 (HUTCHEON, 2003, p. 40, tradução nossa).

Adaptação, portanto, apesar de estar associada à obra de referência, é considerada uma nova obra, pois implica mudanças. Além disso, quando os leitores ou espectadores já apresentam um conhecimento prévio da obra de partida e a ela têm acesso, o ato de interpretar acaba significando, por si só, mais transformações: trata-se de uma questão do aspecto físico de recepção dessas obras, em variadas mídias, a ser tratado mais à frente.

Sabe-se que a literatura fantástica explora um gênero antigo que carrega consigo uma facilidade de se adaptar a novos conceitos literários e artísticos. Escrita principalmente no formato de ficção, nos dias de hoje torna-se bastante consumida quando assume a forma de séries de TV. Séries de aventuras e de fantasia atraem, especialmente, leitores mais jovens, mas não se restringem a eles, sendo consumidas por consideráveis parcelas de leitores adultos. Na visão de Heller (2014), sua abordagem mágica, povoada de dragões, magos, criaturas estranhas e mundos secundários constituem a fórmula que mantém fiéis leitores e espectadores do gênero, ansiosos por novas aventuras e diferentes realidades.

Hunter (2007), ao traçar um panorama da produção cinematográfica que explora a fantasia, afirma que desde o final da década de 1970, esse gênero é dominante no conjunto de superproduções hollywoodianas e aponta, como exemplos de grandes sucessos, as obras Star Wars30 (1977-), de Lucas et al., Harry Potter (2001-2011), de Columbus et al., As Crônicas

de Nárnia (2005-2010), de Adamson et al., a trilogia de O Senhor dos Anéis (2001-2003), de

Peter Jackson e O Hobbit (2012-2014) também de Jackson. Essas obras atraem enormes públicos internacionais, especialmente adolescentes e jovens adultos. Além disso, encorajam a imersão desses fãs em seus universos expandidos, apresentam avanços contínuos da concepção de efeitos visuais e são geralmente produzidos de forma a gerar sequências, spin- offs31 e outros produtos comercialmente lucrativos (HUNTER, 2007, p. 154).

O autor chama ainda atenção para o caso particular de Star Wars (1977) e

Contatos Imediatos do Terceiro Grau (SPIELBERG, 1977), filmes que inspiraram e

29Do original: “As a formal phenomenon, adaptation is a combination of translation and usually distillation of

the adapted work. Just as there is no such thing as a literal translation, there can be no literal adaptation. Transposition to another medium (or even within the same one) always means change: there are always going to

be both gains and losses”.

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Essa é uma obra especial, pois os filmes que constituem o universo dessa saga (trata-se de uma franquia) continuam a ser produzidos (o episódio 7 da saga, Star Wars VII: o despertar da força, foi lançado no final de 2015 e, no ano seguinte, foi lançada Rogue One: uma história Star Wars). O episódio 8, Star Wars VIII: os últimos Jedis, está previsto para estrear no final de 2017.

31 Termo em Língua Inglesa utilizado para designar produções artísticas, especialmente filmes e séries, que

impulsionaram a continuidade de produções fantásticas, por terem sido histórias originais (HUNTER, 2007, p. 154). Entretanto, os filmes e séries de fantasia produzidos atualmente são, em sua grande maioria, resultantes de romances já publicados, filmes já existentes, quadrinhos, jogos e outros. Isso significa que já têm um público previamente estabelecido.

O processo de tradução dessas obras fantásticas para as telas, então, exige a realização de trabalhos em larga escala, produções secundárias, que vão além da adaptação do livro de partida para o cinema ou a televisão. Exemplos disso são os lançamentos de quadrinhos, jogos, CDs com trilha sonora, sequências, spin-offs, remakes32, jogos de tabuleiro, action figures33, vestuário, entre outros, que não apenas ampliam o alcance dessas adaptações, como acabam por influenciar a forma das próprias obras de partida.

A partir dessa reflexão, entende-se que as adaptações de fantasia não estão, de maneira nenhuma, relacionadas a conceitos de fidelidade, de uma releitura limitada e controlada de uma obra literária original, o que seria, por si só, prática impossível. Trata-se, na verdade, de uma expansão desses originais, principalmente através de outras mídias.

Cartmell e Whelehan (1999, p. 28) explicam que não se deve haver preocupação a respeito de maior ou menor fidelidade de uma adaptação à obra de referência, pois isso implicaria a existência de um único significado para essa obra; pelo contrário, deve-se produzir e consumir adaptações tendo em vista múltiplas possibilidades de significados.

Assim, a contínua atividade de escrita desse gênero, sua adaptabilidade e seu público entusiasta atuam como fatores de consolidação de um construto narrativo da fantasia contemporânea através de inumeráveis mídias, ou seja, no meio transmidiático. Não estando restrita somente à forma literária, está apta a alcançar maiores audiências, através do cinema, dos quadrinhos ou dos videogames. Como reforça Heller:

A fantasia é o reino do insólito, do desconhecido e do estranho, embora possa ser encontrada em todas as casas com adolescentes que gostam de ler livros. A fantasia é cheia de denotações surpreendentes, mas todos nós nos familiarizamos com elas, uma vez que suas imagens visuais e produtos reais são encontrados em todo o mundo. A fantasia nos oferece lugares nunca antes visitados por nenhum homem, lugares que não podemos visitar fora da nossa mente, como o acampamento de Aslan, em Nárnia, ou o Bogo Matassalai dos Minimoys, que é supostamente encontrado pelo avô de Arthur, Archibald Suchot, na África. Mas muitos jovens de todo o mundo têm visto esses lugares e podem descrevê-los da mesma forma em diferentes idiomas, depois de ver um único filme. A fantasia nos apresenta a criaturas que nunca encontramos e que provavelmente nunca veremos em nossa vida real, exceto pelas ilustrações de livros, quadrinhos e filmes. Assim, criaturas como Thimbletack, a fada de sexo masculino que vive nas paredes do Spiderwick Estate,

32 Trata-se da realização de novas produções ou “regravações” de obras já lançadas, principalmente na área do

cinema e da televisão.

33 Bonecos de plástico confeccionados a partir de personagens de livros, filmes, séries, novelas ou videogames, e

ou Feiticeira Branca, que congelou Nárnia, não são mais um mistério; elas se tornam familiares e totalmente visíveis através das artes gráficas, adaptações de mídia e filmes e cultura populares34 (HELLER, 2014, p. 173, tradução nossa).

Pode-se compreender, então, que as adaptações funcionam como interpretações de um mesmo enredo, mas realizadas a partir de diferentes mídias. Entretanto, o emprego de múltiplas plataformas midiáticas para explorar um mesmo universo, utilizando em cada meio uma característica distinta ou mesmo recorrendo à construção de um novo enredo são características das narrativas transmidiáticas, a serem discutidas a seguir.

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