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PARTE I – Teoria para a prática

Capítulo 2 – Dimensão humana

2 Componente humana

2.2 D IMENSÃO HUMANA

2.2.2 Caraterísticas decorrentes do relacionamento do indivíduo

Para além das propriedades intrínsecas ao próprio indivíduo, e que constituem o seu “património” intelectual e físico, a definição de condição humana considera ainda outras particularidades, como refere Cochofel “o homem não é apenas um ser sensível e pensante, mas fundamentalmente um ser social, que fabrica objectos com que domina a natureza e que, dominando-a, se constrói a si próprio. Pois que, no decorrer desta luta incessante, o homem se organizou em formas económicas e sociais, se dividiu em classes e civilizações, se pautou por ideologias, religiões, morais e políticas, descobriu técnicas, criou ciências, filosofias e artes” (1980, p. 26).

Nesse sentido, depreende-se que o entendimento da condição humana extravasa a mera fisicalidade do corpo do indivíduo e contempla de igual forma outras considerações que de forma direta ou indireta se relacionam com o ser humano, sendo as ligações que o indivíduo estabelece nos mais variados domínios importantes para entender o alcance da dimensão humana.

O ser humano, como já verificado por Maslow (1954), tem caraterísticas que determinam a sociabilidade e a estima do indivíduo como estados pertencentes às necessidades humanas. Assim, os níveis que definem as diferentes relações

estabelecidas entre pares, como as familiares, de amizade e de intimidade, estão intima e consequentemente ligados com um outro patamar composto pelas diferentes formas de confiança pessoal como sejam a autorrealização, a confiança de realização, o respeito demonstrado e adquirido. Estes estados intermédios da “Hierarquia das necessidades” definida por Maslow ajudam a situar e compreender o contributo que as relações interpessoais têm na compreensão e definição da condição e da dimensão humana.

A sociabilidade, enquanto necessidade humana, é manifestação de défices individuais e coletivos que confirmam as necessidades humanas de inclusão, sedimentação e valorização das relações interpessoais (Costa, 2003). As teorias desenvolvidas por Maslow (1954), “Hierarquia das necessidades” e Schutz, “Teoria das necessidades interpessoais” (Costa, 2003) evidenciam o caráter recíproco existente entre as relações interpessoais e a criação de condições para a obtenção do equilíbrio e bem-estar pessoal e coletivo, tão necessários à saúde humana e para atingir a satisfação plena pela realização pessoal.

A capacidade de criar relações interpessoais enquanto caraterística humana assente em comportamentos denota também sentido de valor expresso no tipo e na forma como essas relações se definem. Predicados como fraternidade e solidariedade (Ribeiro, 1990), ou a nobreza presente no interesse e preocupação que possam ser demonstrados nos diversos tipos de relações existentes entre o indivíduo e o seu semelhante (Arasse, et al., 1997), são ilustrativos das consequências que o próprio relacionamento interpessoal gera no ser humano.

Verifica-se que é nesta perspetiva que as sociedades ao longo dos tempos se estruturam assumindo o ser humano como um ser marcadamente social que define, respeita e potencia vários tipos de relações que estabelece entre si nos mais variados domínios da vida quotidiana, desde as esferas intimas, familiares e sociais até ao domínio laboral.

Se as ligações estabelecidas entre indivíduos são importantes no domínio do quotidiano da vida humana, por consequência também o domínio laboral é afetado com o tipo de relações que se possam estabelecer entre indivíduos. Costa (2003) põe em evidência as relações interpessoais na definição dos relacionamentos estabelecidos na própria entidade laboral, identificando dois níveis distintos de relacionamento: o institucional, ou formal, reportando-se à estrutura organizacional da própria entidade que deriva de um conjunto de normas, procedimentos e processos de trabalho que são implementados ou adotados pela entidade, no sentido de conseguir tirar o melhor partido das condições dos recursos humanos, técnicos e materiais existentes, e que

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definem as relações inerentes e específicas da própria cultura da entidade laboral; o pessoal, ou informal, reportando-se às relações humanas que são efetuadas entre indivíduos no trato profissional que estabelecem dentro no desempenho das suas funções e nas relações de carater pessoal que também têm espaço no decorrer do trabalho.

O relacionamento interpessoal é então apontado como um dos fatores determinantes nos sucessos das entidades laborais na medida em que tem influência direta nas questões de produtividade pelo efeito influenciador e motivacional que pode provocar às pessoas que trabalham nas organizações, uma vez que a “produtividade de um grupo e sua eficiência estão estreitamente relacionadas não somente com a competência dos seus membros, mas sobretudo com a solidariedade das relações interpessoais” (Costa, 2003, p. 18).

Pelo facto das consequências advindas das relações ocorrerem numa base alargada da vida humana, a componente de socialização implica o reconhecimento e partilha de padrões culturais de conduta por todos os seres que interagem entre si (Lages, 2010). Nesse domínio, Hall (1986) sublinha como as diferenças culturais interferem na forma de vivenciar os espaços e as distâncias de convivência das populações em diferentes culturas, correlacionando essa mesma diferença cultural com quatro níveis de distâncias – íntima; pessoal; social e pública – que o ser humano adota nas ligações que ocorrem entre si.

As quatro distâncias reconhecidas correspondem a quatro níveis de relacionamento humano e os respetivos distanciamentos que cada indivíduo define no estabelecimento de relações para com outras pessoas. Salvaguardando especificidades da própria personalidade, as distâncias que ocorrem aquando das ligações que se estabelecem entre indivíduos espelham o tipo de empatias existentes nessas mesmas relações entre indivíduos, consoante sejam pertencentes aos seus círculos de intimidade, familiaridade, companheirismo, ou inclusive de pessoas com as quais nunca se interagiu.

Deste modo, consoante o grau de proximidade, cumplicidade e empatia verificados nos relacionamentos humanos, assim correspondem distâncias físicas demarcadas pelos próprios indivíduos, no sentido de criar uma envolvência “confortável” que espelhe a proximidade e cumplicidade existente na ligação entre essas mesmas pessoas. Às distâncias mais curtas correspondem relações de maior intimidade (distância íntima), em que o espaço deixado entre as pessoas pode ser diminuto ou até mesmo verificar- se o contacto físico; distâncias intermédias para relações em que os seus intervenientes ainda se encontram dentro de um patamar de alcance possível

(distâncias pessoal e social); até distâncias cujo distanciamento é notório obrigando inclusive a algumas alterações sensoriais e esforço por parte dos indivíduos para conseguir estabelecer ligações entre si (distância pública). A estas subdivisões Hall acrescenta ainda em cada uma delas dois modos distintos: o próximo e o afastado.

Se a “proxémica” (Hall, 1986; Munari, 1993), ou o estudo das distâncias físicas, do espaço que o ser humano estabelece entre si aquando das relações interpessoais são importantes, também a componente das relações que o próprio indivíduo estabelece com o espaço / meio em que habita, se reveste de interesse para as relações humanas.

O habitat em que o ser humano vive revela-se como fator ambíguo, sinónimo de delimitações e motivações que desencadeiam a ação humana. O défice físico que o ser humano revela face às suas necessidades revela-se como força motriz capaz de induzir o ser humano a interagir com o meio em que habita, no sentido de o alterar e tornar mais consentâneo com as necessidades humanas, ou seja, mais habitável.

As relações que o ser humano estabelece com o seu meio são por isso indicadoras das caraterísticas humanas na medida em que, por um lado, evidenciam as necessidades de vária ordem que o indivíduo manifesta querer ver satisfeitas e, para tal, adequa o seu espaço envolvente a essas mesmas carências. Por outro lado, as alterações ao meio também evidenciam a capacidade operativa humana de interagir e alterar o seu habitat.

O meio é também cenário da vivência humana e das experiências do indivíduo para com o espaço em que habita através de “lugares vividos e densos de espessura significativa, de histórias, nomes, memórias e lendas, uma categoria de emoções, e nunca um espaço neutro que se pode comparar, vender ou alugar” (Jorge, 2003, p. 19), denunciando a cumplicidade gerada nas relações que o ser humano desenvolve para com o espaço em que habita, e como este fica impregnado de “vestígios” da presença e da ação humana.

A caraterística de mutação que a espécie humana impregna no espaço em que habita estende-se consequentemente aos elementos que o constituem, ou seja, as capacidades operativas de interação do ser humano estendem-se de igual forma ao domínio dos objetos.

A relação decorrente entre o ser humano e o espaço em que se move e habita, requer por vezes a necessidades de instrumentos que sirvam a intermediação entre o ser humano e o meio, permitindo uma melhor interação para com o espaço habitável. Os

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objetos funcionam assim como instrumentos que permitem melhorar e simplificar a integração do indivíduo no seu habitat.

Se por um lado os objetos se verificam como pertinentes enquanto intermediários e facilitadores entre as relações estabelecidas entre homem-meio, por outro, a própria relação que se estabelece entre o homem e os artefactos é, por si só, motivo de manifestação humana (Fry, 2012). O ser humano, enquanto responsável e definidor das propriedades que pretende imprimir aos objetos, estabelece relações de reciprocidade para com os artefactos, influenciando-os, na medida em que determina as suas propriedades e lhes imprime as caraterísticas de ação e de comportamentos necessárias ao seu desempenho, para que melhor o ajude a integrar no meio e/ou a suprir as suas necessidades. No sentido inverso, o homem é influenciado pelos objetos, uma vez que a existência e caraterísticas destes determinam e situam os comportamentos e ação humanos através do seu uso. Segundo Meyer e Mattedi (2006), o processo de simbiose é referenciado como um método de “coconstrução” existente entre estas duas entidades, homem e objeto, em que a existência do objeto não se restringe à sua materialização e ao seu caráter pragmático, mas inclusive nos efeitos que provoca ao seu utilizador através do resultado desencadeado pelo seu uso.

A integração dos objetos nos ambientes humanos é também argumento das relações que o ser humano estabelece externamente face aos contextos sociais. Estes são responsáveis diretos pela quantidade e pelas caraterísticas das ações que ocorrem no seio das sociedades e, por consequência, na definição dos objetos que compõem o quotidiano da vida humana. Nesta perspetiva, sociedades mais desenvolvidas correspondem a maior número e maior complexidade das ações, com implicações diretas na definição dos objetos que permitem a integração do ser humano nesses mesmos contextos sociais, verificando-se correspondência inversa nas sociedades menos desenvolvidas.

Consegue-se observar nos contextos sociais 3 tipos de sociedades ao longo da história da humanidade, que definiram formas distintas de relacionamento entre o objeto e o ser humano: A sociedade que antecede o advento industrial, ou pré-industrial; a sociedade industrial e a sociedade pós-industrial (Roboredo, 2005).

Antes do processo industrial, a relação entre o ser humano e os objetos manifestava- se, não só pelas necessidades que determinavam a razão da existência dos objetos, mas também pela proximidade física e empática proveniente dos processos de produção caraterísticos da época, centrados na manufatura, em que o papel do homem produtor / artesão era decisivo no modo de pensar e conformar os objetos, usando ferramentas e técnicas que dominava, transmitindo-lhes conhecimentos e técnicas

próprios que tornavam cada peça única. Pela escassez de objetos que era caraterística da época, o estatuto social que lhes era atribuído socialmente era elevado, ou seja, a propriedade destes remetia os seus proprietários para um estatuto social de superioridade.

Com a emergência do advento industrial, a relação entre o homem e o objeto transfere maior enfase para a relação entre o homem utilizador e o objeto. A produção, agora sustentada pelos processos mecanizados e produzida segundo novos conceitos de escala em série e de “massificado”, distancia o operário dos objetos produzidos, não se verificando as empatias que os processos de produção manual implicavam na execução dos objetos. Paralelamente o processo de pensar os objetos também se afasta da relação homem-objeto, pois a sua conceção não implica como anteriormente a proximidade física para com o objeto idealizado, centrando-se agora em especialistas na conceção de novos produtos, como o caso dos designers, mas que não são nem os executantes dos objetos, nem os beneficiadores do uso dos mesmos, passando a ser os responsáveis pela articulação dos aspetos do desenho, com as premissas do utilizador e as capacidades da produção.

A importância social que o objeto adquire na época industrial é de menor importância do que registado anteriormente, na medida em que a sua massificação e democratização, banalizam o seu ato de posse, verificando-se que esta é uma época de transição entre a insuficiência e a opulência dos objetos.

Nas sociedades pós-industriais, mantendo-se a produção baseada em processos mecanizados cada vez mais sofisticados, a produção destes é realizada de modo excedentário (Conners e Petersen, 2007; Guggenheim, 2006), verificando-se a banalização do ato de propriedade dos objetos e dando continuidade à tendência de desvalorização social dos mesmos. A importância das relações estabelecidas entre o ser humano e o objeto remete mais para os processos de consequência da existência dos objetos, em que se enfatiza mais a consequência do seu uso, do que propriamente a sua fisicalidade. Nesta perspetiva, o objeto é relegado para o papel de instrumento, enquanto meio que permite obter um fim, em que muitas vezes se valoriza mais a ação ou o serviço decorrente do seu uso do que propriamente o objeto em si (Roboredo, 2005).

A relação estabelecida entre os objetos e o ser humano é também forma utilizada por alguns autores para classificar os objetos, tendo como referência os diferentes modos de interação que se verificam entre o objeto e o ser humano.

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Centrada na disponibilidade do objeto face ao indivíduo, são possíveis de identificar várias relações possíveis que determinam a classificação dos objetos: consumo, uso individual, uso coletivo e uso indireto (Löbach, 2001; Roboredo, 2005).

Os objetos de consumo (figura 3) são determinados pela ação decorrente do desempenho dos objetos e cuja interação para com o ser humano se baseia no consumo das propriedades energéticas e/ou materiais inerentes ao próprio objeto. Estão neste domínio objetos como a borracha (lápis, esferográfica, …), as velas, ou outros, cuja apropriação do objeto implica ações de desgaste do material ou de consumo energético dos mesmos.

Figura 3 – Objetos de consumo. Objetos que sofrem desgaste pelo seu uso.

Os objetos de uso são determinados pelo resultado da relação entre os objetos e os utilizadores, tirando partido da interação entre as particularidades do ser humano e as propriedades dos objetos e cuja função permite ao homem suprir os seus défices físicos e satisfazer as suas necessidades. Nesse sentido, a interação desencadeada pela articulação indivíduo-objeto incide na apropriação da forma e dos materiais do objeto pelo utilizador, não se restringindo apenas ao consumo material dos objetos.

No âmbito dos objetos de uso, a que Lobäch (2001, p. 46) refere como sendo “a verdadeira tarefa do designer industrial”, este segmenta esta tipologia de objetos segundo três formas de uso: o individual, o coletivo e o de uso indireto.

Ao objeto de uso individual (figura 4) correspondem produtos para usufruto de um único utilizador, em que se verifica uma grande relação de proximidade física no desempenho das funções entre ambos, desencadeando por vezes processos de cumplicidade em que o objeto pode elevar-se a um estatuto em que o próprio traduza para o utilizador valores nos quais este se reveja e identifique. Estas relações de reciprocidade e de cumplicidade, que por vezes se evidenciam entre objeto e utilizador, podem ocorrer de forma tão intensa pode tornar o objeto icónico, ou seja, em que por vezes se torne num processo difícil de dissociar ambos. Integram-se neste âmbito objetos de uso individual como os relógios de pulso, óculos, talheres, telemóveis, ou outros que restrinjam o seu uso a um só utilizador.

Figura 4 – Relógio. Objeto de uso individual.

Ao objeto de uso coletivo correspondem produtos em que o modo de uso possa ser partilhado por vários utilizadores em pequeno número. A partilha deste tipo de objetos responsabiliza cada utilizador a que respeite a noção do “todo”, em que as condições, necessidades e desejos dos restantes utilizadores devem ser acatadas.

Dada a transversalidade de desempenho necessária na partilha do objeto, as relações que se estabelecem entre este e os utilizadores não se verificam de forma tão intensa como nos objetos de uso individual, uma vez que deve estar equidistante na sua disponibilidade para todos os que usufruem do seu desempenho. No entanto, quando o objeto contempla na sua conceção e forma de uso a possibilidade de se adequar aos diferentes utilizadores, observa-se a existência de uma maior ligação e cumplicidade que se tornam igualmente fortes. Incluem-se neste domínio de objetos de uso coletivo

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eletrodomésticos, bancos de transportes públicos, mobiliário, entre outros, que resultem do modo de uso comum entre vários utilizadores.

A relação de distanciamento que certos objetos mantêm para com o seu utilizador, seja em situações onde este se encontre dissimulado ou até oculto, ou ainda em situações onde se verifique a necessidade de existir um outro objeto que sirva de mediador entre ambos, determina a designação de objetos de uso indireto (figura 5). Nestes casos, as razões de ordem pragmática do objeto sobrepõem-se a razões de índole humana, uma vez que é o desempenho do mesmo que define a pertinência e mais-valia associadas à valorização do objeto, daí o distanciamento que a própria essencialidade do objeto impõe.

Figura 5 – Objetos de uso indireto. Objetos em que a função consiste em servir de meio entre a ação desenvolvida pelo ser humano e a ações desencadeadas pelo seu uso.

Fazem parte deste domínio de como os volantes dos automóveis, os ratos de computador, interruptores de parede, entre outros, e que fazem a mediação entre o ser humano e o uso de outros objetos, ou rolamentos, filtros de motores, entre outros, que não geram interação com o utilizador do objeto, a não ser em situações de manutenção ou da sua substituição.

Capítulo 3 – Objeto e Dimensão

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