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Parte II Kola San Jon de Santo Antão – Cabo Verde

2.3. Caraterização da Festa de San Jon

As festas do Kola San Jon de Santo Antão são referidas por alguns autores cabo- verdianos, como exemplo de Hora di Bai (1962) de Manuel Ferreira, que menciona apenas o termo Kola. Breves referências às festas do Kola San Jon, também são feitas em publicações, no final do século XIX, de Ferrão (1898), Martins (1891) e Miguel (2010).

No que tange à origem do termo Kola, são evidentes as declarações na Revista Cabo Verde (1958), envolvendo intelectuais cabo-verdianos, como Baltazar Lopes, que investigou o significado do termo, referindo, exclusivamente, à dança, sensualidade e sexualidade. No entanto, posteriormente, Rodrigues (2010) defende que o termo significa “falar, dizer em voz alta” (idem), porque, durante as festas, as mulheres enquanto dançavam falavam, em voz alta, palavras improvisadas, ou cantavam, na sequência da respetiva intervenção social/ comunitária, dando vários exemplos de cantares e dizeres relacionados com o Kola San Jon (Rodrigues, 2010, p. 127).

No ato da dança do Kola San Jon, as coladeiras normalmente iniciam os movimentos da dança cantando versos improvisados. Poderá acontecer que este processo não seja facilmente percetível, devido ao som dos tambores. Os versos mais populares são os seguintes:

Oh Sébe! Oh Sébe! Oh Jon Kolá ne mim Pám podê Kolá ne bô.

Oh Sébe! Oh Sébe! Oh Jon Kolá Per riba Per bóche é ne d´bô conta. Oh Sébe! Oh Sébe!

Oh Jon Kolá ness pic Ness pic de M´ri d´Aninha2

2 Oh, Sabe!/ Oh, Sabe!/ Oh, João cola em mim/ Para que possa colar em ti./ Oh, Sabe!

Oh, Sabe! Oh, João cola na parte superior / A parte inferior não é da sua conta / Oh Sabe!/ Oh João cola nesse pico/ Nesse pico de Maria d´Aninha.

22 A compreensão do Kola San Jon enquanto um processo composto por vários momentos ou etapas, com diferentes graus de intensidade e euforia, que não são facilmente distinguíveis uns dos outros, constitui uma vantagem significativa. As palavras faladas ou cantadas, em voz alta, no início da dança do Kola San Jon e no decorrer do processo, transformam-se em gritos e são prova de uma transformação que acontece, onde a sensação de euforia e a persistência dos gritos coincidem.

De modo geral, não se sabe ao certo desde quando se festejam as festas de romarias no arquipélago de Cabo Verde, devido à inexistência de fontes escritas. Porém, acredita-se que o hábito de festejar os santos católicos tenha sido introduzido pelos portugueses, nos primórdios do povoamento do arquipélago, cuja divulgação e prática das festas, aliás, foi a justificação do colonialismo europeu - a “Cristianização”.

Segundo Brito (2006), esta é uma tradição que se alastrou na Europa, através do império romano e, depois, dos países europeus, passando para as colónias, no continente Africano e no Americano.

Contudo, Rodrigues (1997) dá-nos conta de romarias festejadas na Europa, na época medieval, como o San Servando, San Simon de Val de Prados, na Igreja de Vigo ou em Santiago de Compostela, ou ainda, como acontece nos nossos dias, de muitos outros como a Nossa Senhora de Fátima.

A mesma fonte diz-nos que é “interessante verificar que em todas as épocas

históricas houve sempre aqueles que iam em devoção cumprir as suas promessas, permanecendo junto dos altares, enquanto os mais velhos, e, os outros, os mais novos, iam essencialmente para se divertirem.” (Rodrigues,1997 p. 11). O que dá a entender que

numa festa de romaria não haja só o contexto religioso. Neste caso específico do Kola

San Jon, esta festividade não contempla só o religioso, a devoção a um santo católico,

como também o profano, ou seja, a realização de atividades festivas em comemoração, ao Santo Padroeiro.

Nesta linha de pensamento, faz sentido compreender a romaria da seguinte forma: deslocação de pessoas, normalmente devotos, a um lugar considerado sagrado ou então aonde, por motivos administrativos, se festeja o santo padroeiro daquela região que, por norma, dá nome à freguesia. Nestas festas de romarias, em Cabo Verde, o sagrado sempre se misturou com o profano, dada a sua essência cosmológica e ao mesmo tempo

23 mitológica (Rodrigues, 1997, p. 43). Na festa de São João Baptista está evidenciado este mesmo espírito. Para além das atividades religiosas (procissão, peregrinações e missa) em memória do Santo, há também um mito popular e atividades profanas que são identicamente subjacentes à festa. Assim, torna-se difícil separar o profano do religioso e delimitar a fronteira de um e do outro.

Na verdade, a riqueza das romarias, poderá residir na mistura do sagrado e do profano, naquilo que é considerado religioso e também mitológico. Ao que parece as características apresentadas atualmente por estas festas não são as mesmas de antigamente. A título de exemplo, uma parte considerável da população afirmam que as festas de romarias nasceram não só do encontro de diferentes culturas num meio marcado pela insularidade, pela rigidez do meio e pela escassez de água e de recursos naturais, mas também em condições de escravatura, de dominação, de imposição e de repressão cultural, ou seja, nasceram com o intuito de criar meios para desafiar essas adversidades.

Por outro lado, é defendido, também, que do contacto do homem branco com a mulher negra, devido à dificuldade da mulher branca se instalar nas ilhas, resultou o nascimento do mulato, com características físicas próprias, bem como uma cultura própria, nascendo assim um processo de mestiçagem marcado pela forma como ocorreu a ocupação dos espaços e pelo povoamento das ilhas.

Portanto, encontra-se nas ilhas de Sotavento, que foram as primeiras a serem povoadas, mais influências da cultura africana do que nas ilhas de Barlavento, as últimas a serem povoadas. Um dos grandes exemplos deste facto é a própria miscigenação do povo, mais em Barlavento do que em Sotavento, principalmente, nas ilhas de Santiago e Maio, e a língua crioula, com mais influências das línguas africanas nas ilhas do Sul do que nas do Norte. Por esta razão, na cultura cabo-verdiana, é fácil deparar com aspetos nos quais a europeia se revela predominante todavia, outras vezes, a africana prevalece.

Em suma, há uma mestiçagem em todas as expressões culturais e artísticas: na música, na dança, nas artes plásticas, na escultura, na arquitetura e nas letras, adquirindo características próprias de ilha para ilha. Este facto explica-se, muitas vezes, pela forma como se deu o povoamento das ilhas de Cabo Verde, primeiro nas ilhas de Santiago e Fogo, depois nas restantes ilhas, exceto na de Santa Luzia. Neste sentido, Rodrigues (1997, p. 17) explica muito bem sobre este fenómeno social, ao alegar o seguinte:

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É assim que os elementos deixados nos primórdios da colonização se vêm juntar a outros, portugueses, tardios. E é dessa maneira que se vão encontrar várias manifestações populares em épocas diferentes, mescladas de gestos e atitudes de sabor afro-cabo-verdiano. Cada ilha mostrará elementos diferentes consoante a entrada destes elementos tardios e devido também à filtragem feita ao longo dos anos, ao passarem de uma ilha para outra, dos mais velhos para os mais novos - habitantes das recém - colonizadas ilhas.

Desta feita, fica caracterizada a origem e os meandros do Kola San Jon, em Cabo Verde, onde, de uma ilha para outra, denotam-se diferenças e influências mais ou menos possante, fruto da mestiçagem que caracterizou o povoamento do arquipélago, ao longo dos séculos e em destintas épocas.

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