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Relatos / Memórias

9.3 Carlos Zilio

Local da entrevista: Atelier do Artista, Laranjeiras– Rio de Janeiro, RJ Data da entrevista: 19 de janeiro de 2017

Nome do projeto: Arte Contemporânea e os Militares: As Artes Plásticas nos anos 1970 e a

implementação da Funarte (Dissertação de Mestrado)

Entrevistador: Aldones Nino Transcrição: Aldones Nino

Aldones Nino: Você lembra como tomou conhecimento da Funarte?

Carlos Zilio: Carta de amigos, telefone na época era caro e difícil, e celular não existia, então devo ter ficado sabendo por meio de amigos. Talvez o Ronaldo Brito, não sei, mas possivelmente. Então, não sei, um dia ouvi dizer de pessoas que vinham do Brasil, e eu estava dando inicio ao meu projeto de doutorado. Foi uma coisa que aconteceu por acaso, no seguinte sentido, não saí do Brasil para fazer doutorado, eu estava na França, estava lá para ficar um tempo maior, e precisava ter um visto de permanência, então me matriculei em uma universidade, circunstancialmente, como eu estava expondo na bienal de Paris, eu apliquei meu trabalho para o doutorado em artes plásticas, e acabei levando a sério. Ouvi dizer da Funarte, aí mandei um projeto que era meu projeto de pesquisa e soube que foi aprovado. Sabia que tinha alguns amigos meus, não direto, mas pessoas da minha geração trabalhavam lá, então mandei o meu projeto de pesquisa. Foi aprovado e tinha o problema de receber a bolsa, eu nem sei quanto tempo foi, acho que foi de um ano. A Funarte não tinha esse mecanismo, então se arrumou uma solução, digamos assim, jurídica possível, que foi, uma procuração para o meu pai. Ele recebia a bolsa em meu nome no Brasil e enviava para lá. Foi a solução legal que se encontrou, não sei exatamente o tempo desta bolsa. Minha pesquisa durou muito mais do que isso, mas além do auxílio que me trouxe, circunstancialmente, o que foi importante também foi que a Funarte depois publicou o livro. Transformei a tese em uma coisa mais publicável, retirando uma série de questões que só interessavam estritamente ao doutorado, foi isso.

AN: Você já estava consciente do processo de abertura política que se falava no Brasil? Acreditava?

CZ: Houve um problema na época, o Eduardo pode falar melhor, parece que quando deram a bolsa pra mim, e teve uma certa, aliás um duplo problema, um de ordem legal, que era esse do mecanismo de transferência para o exterior. O outro era porque essas instituições todas, todo o Ministério, tinha dentro dele um setor de inteligência do SNI, o MEC, a quem a Funarte estava vinculada e aliás funcionava onde é o Museu Nacional de Belas Artes, mas o MEC funcionava no antigo prédio. O setor de inteligência do MEC era ali, só atravessar a rua e estavam na Funarte. Evidentemente acompanhavam todos os organismos do MEC, e parece que houve uma certa cobrança interna, o MEC tinha dado a bolsa para um subversivo. Eu tive que me apresentar porque estavam atrás de mim para me prender, e eu tinha entrando oficialmente no país, estava com passaporte, mas rolou um mal estar. O que eu posso dizer? Se eu acreditava no projeto quando eu mandei? Eu sai do Brasil em 1976, e a Funarte é criada quando?

AN: O decreto é do final de 1975, mas começou a funcionar em 1976.

CZ: Quando eu sai daqui não tinha uma presença da Funarte, ela foi acontecendo mais em 1977. Eu fiquei preso até julho de 1972, é sobretudo a partir de 1973, que eu volto a me vincular, mais diretamente, com meus amigos artistas, meu meio o qual eu tinha deixado. Então é de 1973-76, nós começamos (nós geração), começamos a desenvolver alguns projetos que tinham haver com a política da arte, como a revista Malasartes, a área experimental do MAM, que aliás agora está sendo reapresentada, a exposição que apresentei lá em 1976. Enfim, foram conquistas político-culturais, como era a Funarte de uma certa maneira, não nos mesmos moldes, mas eram iniciativas articuladas de grupos, dentro de instituições públicas como a revista, ou particulares como o MAM - a única insituição que lidava com arte contemporânea na época. Não tinha CCBB, Paço, Caixa Cultural, MAR, então era uma coisa muito reduzida a algumas poucas galerias e o MAM, que era uma instituição forte. Essas nossas iniciativas demonstram que concretamente, havia um campo político possível, certamente. Eu acho que dificilmente antes desse período de 1973, eu não sei exatamente, entrando o Geisel né?

AN: Sim, ele assume em 1974.

CZ: Então ainda era o Médici, que não era um período que traga boas recordações pessoais ou políticas, eu fico espantando de saber que era o Médici, porque eu tenho a impressão que a Malasartes é de 1974, mas de qualquer maneira, as reuniões, a aproximação das pessoas começaram em 1973. O que demonstra uma coisa fundamental, que era possível fazer

reuniões já nessa época. Depois, até 1976, foram desenvolvidas algumas atividades político- culturais, isso no plano da ação, mas no meu plano pessoal, a coisa era mais complicada, tinha saído da cadeia, tinha essa convivência social e profissional com esses amigos artistas, políticos, etc. Tinha também os meus amigos que ficaram presos comigo, convivi, mas havia um sentimento de instabilidade, de ameaça. Ao mesmo tempo me dou conta hoje em dia, que nesse meio tempo ocorreram coisas que eu não tinha conhecimento. Por exemplo, que grande parte da esquerda, chamada Armada, tinha se esfacelado. A organização a qual eu pertenci tinha sido dizimada. Por exemplo, eu não sabia que tinha a Guerrilha do Araguaia, ninguém sabia, era uma coisa mantida sigilosamente, digo isso, pois denota que o aparelho da repressão estava não só em pé, como também muito atuante. Um dos motivos que me fez sair do Brasil, é que eu comecei a ser ostensivamente seguido em 1976, por razões que eu nunca vou saber, mas certamente tem relação com essa manutenção muito clara do aparelho de repressão atuante, possivelmente digo, por razões que nunca vou saber, pois certamente não foi por causa da Malasartes, nem por causa do MAM, da luta em torno da área experimental, nem das exposições públicas que eu fiz. Minha primeira individual foi em 1974, na Galeria do Buarque de Holanda e do Bittencourt, uma galeria que acolhia a nova geração, então certamente não foi por isso, possivelmente por meus vínculos com ex amigos, ex companheiros, da atuação política. Possivelmente essa rede de amizades estava sendo vigiada, vigiada paranoicamente por eles, que podiam achar que ali tinha ainda alguma atuação política, coisa que não tinha. Mas era um clima de muita instabilidade.

AN: Quando você viajou a Malasartes já tinha acabado? O que levou ao seu fim?

CZ: Tinha acabado sim. A Malasartes, curiosamente deu certo, do ponto de vista comercial, porque ela veio ocupar um terreno absolutamente deserto, botamos uma rede básica de distribuição que pegava as principais livrarias do Rio e de São Paulo, as principais bancas de revistas que eram mais ou menos conhecidas, pela diversidade e pela qualidade. Nós montamos uma rede básica de distribuição boa, começamos, inclusive a remeter para outros estados, e a revista começou a se pagar. Não dava lucro, mas não dava prejuízo, tinha alguns anúncios que nós conseguimos, por contatos pessoais. Nosso trabalho não era cobrado, quem fazia a programação visual era o Waltércio e minha esposa que era designer, trabalho voluntário. Não tinha custo a revista, a não ser a própria impressão, e a revista começou a se pagar, dar certo. Mas ai começou a haver um certo dissenso interno no grupo, em torno do projeto mais a longo prazo da revista, começou haver inclusive demandas externas, e quererem a oferta de encampar a revista, em torno destas solicitações. O grupo não se