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As cartas de Lewis Carroll são cartas?

No documento 4 OS ALUNOS E AS CARTAS: UMA CONCLUSÃO (páginas 59-62)

4 OS ALUNOS E AS CARTAS: UMA CONCLUSÃO

4.4 As cartas de Lewis Carroll são cartas?

Uma vez que as crianças diziam que escreviam cartas em diferentes suportes, com diferentes objetivos e a estrutura geral que levantavam parecia apontar apenas para a presença de um remetente, um destinatário e algo a dizer, de forma pessoal, foram selecionadas sete cartas de Lewis Carroll para verificar se eram reconhecidas como tal (FIGURAS 51 (a) e (b), 52 a 56).

As cartas receberam um título: “TEXTO...” (1 a 7) e foi apresentada uma tradução menos elaborada, pois o objetivo era levantar se a estrutura física era determinante no reconhecimento. Duas cartas (apresentadas como texto 6, um trecho de “carta tremida”, e texto 7, a carta labirinto já apresentada no capítulo 1) permaneceram sem tradução também por essa razão e porque as crianças conheciam suficientemente a língua inglesa para conseguirem reconhecer os vocativos e as despedidas. Por outro lado, para verificar se o conteúdo (o assunto) era importante, a tradução só precisava manter uma idéia geral do mesmo. Quanto aos elementos restantes da forma, foram mantidos, exceto o fato de que, nas entrevistas gerais, as cartas foram impressas em papel reciclado e grampeadas umas às outras, o que lhes deu a aparência de que não eram verdadeiras, eram

“parte de uma história” (disse Helena, 12 anos, 7º ano) ou tinham sido inventadas pela pesquisadora só para saber se eles, alunos, conseguiriam saber o que era importante numa carta (como informou Artur, 10 anos, 5º ano).

Embora a entrevistadora tivesse dito que seu trabalho era uma pesquisa que fazia para um curso na faculdade, o fato dela atuar na escola como observadora das aulas, levantando o que está sendo aprendido e como, o que, segundo as crianças, define o trabalho de uma supervisora, muitos alunos não quiseram indicar porque consideravam um texto carta e outro não, pois não acreditavam que não seriam avaliados por sua resposta; outros simplesmente não indicaram nenhum texto, dizendo que não sabiam o que era carta ou não, que não queriam que seus dados fossem apresentados aos professores de Língua Portuguesa.

Figura 51 (a) – carta traduzida a partir de texto em inglês (COHEN, 1979, p. 260-261)23

23 Este é o texto registrado por Cohen:

My dearest Gertrude,

You will be sorry, and surprised, and puzzled, to hear what a queer illness I have had ever since you went. I sent for the Doctor, and said “Give me some medicine, for I’m tired.” He said “Nonsense and stuff! You don’t want medicine: go to bed!” I said “No: it isn’t the sort of tiredness that wants bed. I’m tired in the face.” He looked a little grave, and said “Oh, it’s your nose that’s tired: a person often talks too much when he thinks he nose a great deal.” I said “No: it isn’t the nose. Perhaps it’s the hair.”

Then he looked rather graver and said “Now I understand: you’ve been playing too many hairs on the piano-forte.” “No, indeed I haven’t!” I said, “and it isn’t exactly the hair: it’s more about the nose and chin.” Then he looked a good deal graver and said “Have you been walking much on your chin lately?”

I said “No.” “Well!” he said, “it puzzles me very much. Do you think that it’s in the lips?” “Of course!” I said, “that’s exactly what it is!” Then he looked very grave indeed, and said “I think you must have

Você ficará admirada, e surpresa, e intrigada ao ouvir que terrível doença me atingiu assim que você partiu. Chamei o médico e falei:

“Dê-me algum remédio porque estou cansado.”

Ele falou:

“Isso é sem sentido, uma besteira! Você não precisa de remédio: vá para a cama!”

Eu repliquei:

“Não, esse não é o tipo de cansaço que precisa de cama. Estou cansado no rosto.”

Ele pareceu um pouco sério e comentou:

“Oh, é seu nariz que está cansado; há quem diga que isso acontece quando alguém mete o nariz onde não é chamado.”

Eu disse:

”Não, não é o nariz. Talvez seja essa área.”

Então ele pareceu-me ainda mais sério e falou:

“Agora entendo: você tem tocado algumas árias muito devagar.”

“Não, realmente não tenho feito isso!” - eu exclamei, - “e não é exatamente essa área, é mais entre o nariz e o queixo.”

Então ele me pareceu ainda mais sério e perguntou:

”Você tem andado muito com o queixo ultimamente?”

Eu disse:

”Não.”

“Bem,” - ele falou - “isso me intriga muito. Você acha que é algo em seus lábios?”

“Claro!”- eu respondi - “é exatamente isso!”

Então ele pareceu realmente sério e disse:

“Penso que você deve ter dado muitos beijos.”

Figura 51 (b) – carta traduzida a partir de um texto em inglês (COHEN, 1979, p. 269-261)24

24 “Well,” I said, “I did give one kiss to a baby-child, a little friend of mine.” “Think again,” he said, “are you sure it was only one?” I thought again, and said “Perhaps it was eleven times.” Then the Doctor said “You must not give her any more till your lips are quite rested again.” “But what am I to do?” I said, “because, you see, I owe her a hundred and eight-two more.” Then he looked so grave that the tears ran down his cheeks, and he said “You may send them to her in a box.” Then I remembered a little box that I once bought at Dover and thought I would some day give it to some little girl or other.

So I have packed them all in it very carefully: tell me if they come safe, or if any are lost on the way.

If I had thought of it while you were here, I would have measured you against my door, where I have Xie’s height marked, and other little friends. Please tell me your exact height (without your shoes), and I will mark it now.

I hope you’re rested after the eight pictures I did of you.

Your mos loving friend, Lewis Carroll

“Bem” - eu falei - “dei um beijo em uma menininha, uma amiguinha minha.”

“Pense bem” - ele replicou - “tem certeza de que foi apenas um?”

Pensei bem e disse:

“Talvez tenham sido umas onze vezes.”

Então o médico recomendou:

“Você não deve dar mais nenhum beijo nela até seus lábios terem descansado novamente.”

“Mas o que vou fazer?” - eu perguntei, - “porque, veja, eu devo a ela cento e oitenta e dois beijos ainda.”

Então ele ficou tão sério que as lágrimas começaram a rolar por suas bochechas e ele disse:

“Você pode enviá-los a ela em uma caixa.”

Então me lembrei de uma caixinha que comprei certa vez em Dover pensando em dá-la um dia a uma ou outra garotinha. Então pus todos os beijos dentro dela com muito cuidado. Escreva-me se eles chegaram inteirinhos ou se algum se perdeu pelo caminho.

Se eu tivesse pensado sobre isso enquanto você estava aqui, teria medido você em frente à porta onde a altura de Alexandra está marcada e a de outras amiguinhas. Por favor, diga qual é sua exata altura (sem seus sapatos) e eu marcarei lá.

Espero que você esteja descansada depois das oito fotografias que tirei de você.

Seu mais afetuoso amigo, Lewis Carroll

Figura 52 – carta traduzida a partir de texto em inglês (COHEN, 1979, p.160).25

25 O texto em inglês pode ser lido na página 137, FIGURA 43. É a primeira carta dos gatos.

TEXTO 2

No documento 4 OS ALUNOS E AS CARTAS: UMA CONCLUSÃO (páginas 59-62)

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