• Nenhum resultado encontrado

CARTOGRAFIA ESCOLAR: ALFABETIZAÇÃO CARTOGRÁFICA E LEITURA

No documento O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA DO 6. (páginas 53-71)

A aprendizagem da dimensão espacial “[...] exige certo domínio de conceitos

e de referenciais espaciais para deslocamento e ambientação; e mais do que isso,

para que as pessoas tenham uma visão consciente e crítica de seu espaço social.”

(ALMEIDA; PASSINI, 2006, p. 10). Nessa conexão, a cartografia escolar constitui

uma área fundamental do ensino e da aprendizagem de Geografia na alfabetização

do educando, no sentido de ler e interpretar mapas e utilizá-los como “[...]

ferramentas para agir no espaço com autonomia.” (PASSINI, 2012, p. 15). Conforme

Lacoste (2005, p. 68), a leitura das configurações cartográficas é que possibilita o

entendimento estratégico da complexidade do espaço, fundamentada “[...] sobre a

observação das intersecções dos múltiplos conjuntos espaciais [...]” dos diferentes

fenômenos geográficos, nos âmbitos físico, econômico, político, social, ambiental,

cultural etc.

Por consequência, o fazer pedagógico aliado ao saber cartográfico

instrumentaliza a pesquisa, o conhecimento e a compreensão das estruturas

complexas do espaço geográfico, em suas especificidades territoriais e dinâmicas

inter-relacionais no mundo local e global, em constantes transformações.

Tradicionalmente os documentos cartográficos (plantas, cartas, mapas,

gráficos etc.) são um recurso-símbolo das práticas escolares de Geografia; e,

especificamente no caso dos mapas, aparecem como um meio indispensável nas

aulas de Geografia, balizando os processos de ensino e de aprendizagem dessa

disciplina curricular. Para tanto, os alunos precisam compreender a linguagem dos

mapas para além da mera função ilustrativa, via metodologias que lhes permitam ler

e interpretar o espaço geográfico quanto a diferentes contextos (OLIVEIRA, 1978;

ALMEIDA, 1994; 2006; PASSINI, 2006; 2012).

A cartografia escolar sob o foco da alfabetização cartográfica está presente

em documentos que compõem a política educacional brasileira – os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN) e o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) – os

quais enfocam a relevância desse conhecimento na Educação Geográfica. Nesse

sentido, os PCN expressam a importância da cartografia como fonte de informações

e de desenvolvimento de capacidades de leitura e representação do espaço. Dessa

maneira, por meio da linguagem cartográfica, o educando tem condições de “[...]

sintetizar informações, expressar conhecimentos, estudar situações, entre outras

coisas [...]”, referente à produção do espaço, em sua organização e distribuição

(BRASIL, 2001, p.118). Por sua vez, o PNLD (2013) faz referência à importância da

construção do conhecimento cartográfico no ensino fundamental, via coleções

didáticas de Geografia, que devem favorecer ao aluno “[...] a apropriação da

linguagem cartográfica para estabelecer correlações e desenvolver as habilidades

de representar e interpretar o mundo”. (BRASIL, 2013, p. 10). O mesmo documento

aponta falhas encontradas nas coleções de livros didáticos de Geografia quanto à

questão cartográfica, entre as quais se destacam: legendas incompletas; ausência e

equívoco de datas e de autoria nas ilustrações; relação inadequada de figuras – fora

do contexto da discussão; e localização imprecisa dos fenômenos geográficos,

especialmente relacionada às reduções de escalas do mapa, induzindo a erros de

localização (Ibid, p. 09-10).

O conhecimento da linguagem cartográfica, portanto, fundamenta a análise

espacial, bem como atende às necessidades cotidianas dos alunos, respondendo a

possíveis indagações: - como se orientar num determinado espaço? - qual a

localização de determinados elementos do espaço, cidade, país, região, lugar; -

como apresenta-se a organização de um determinado espaço geográfico, local,

regional? - quais os elementos presentes nas paisagens? - que relações podem ser

identificadas entre os elementos das paisagens analisadas? Estas são algumas,

entre outras questões.

Nesse sentido, ler e interpretar mapas, desde o ensino fundamental são

habilidades primordiais a serem desenvolvidas pelos educandos. Por isso, a

importância da Alfabetização Cartográfica, enquanto processo cognitivo que permite

ao aluno capacitar-se para a leitura e interpretação de mapas, por meio do

entendimento dos símbolos neles presentes – legenda, escala e orientação –, além

do desenvolvimento da habilidade de mapear, tendo como base a simbologia

cartográfica (SIMIELLI, 1986; PASSINI, 1994). Com efeito, o processo da

Alfabetização Cartográfica instrumenta o sujeito-aluno a:

[...] estudar, ler, descrever e analisar o mundo, o espaço geográfico local e

global [por meio de habilidades] como decodificar, interpretar, classificar,

registrar, comparar, localizar, situar, entre outras, que corroboram a

formação de uma consciência espacial-cidadã crítica e propositiva em

relação ao mundo. (NOGUEIRA; CARNEIRO, 2008/2009, p. 34).

Nessa linha de reflexões, as variadas formas de representações

cartográficas, aplicadas como intervenção didática em sala de aula, constituem “[...]

um instrumento valioso para o entendimento estratégico do espaço, sendo, portanto,

de suma importância que o cidadão seja alfabetizado para saber ler mapas e

gráficos com eficiência e utilizar essas ferramentas para agir no espaço com

autonomia.” (PASSINI, 2012, p.15).

A indagação que se coloca, a partir dessas colocações, é: - se o mapa

ocupa um lugar de destaque no ensino de Geografia, qual é o seu papel enquanto

instrumento de expressão e comunicação da linguagem cartográfica?

Para responder esta questão, podemos recorrer a alguns teóricos que, nas

últimas décadas, têm-se dedicado à produção acadêmica a respeito da importância

da Cartografia, como meio específico de desenvolvimento dos processos de ensino

e de aprendizagem escolar. Dentre os autores destacam-se: Oliveira (1978),

Paganelli (1982), Simielli (1986), Almeida (1994;), Passini (1989) e Martinelli

(2003).

Esses autores mostram que a Cartografia escolar é imprescindível à

compreensão das temáticas geográficas em todos os níveis de ensino, propiciando,

entre outros aspectos, a compreensão dos espaços vivenciados pelos alunos.

Entretanto, nas práticas pedagógicas, os mapas não têm sido aproveitados como

forma de expressão e comunicação no desenvolvimento pedagógico dos conteúdos

geográficos. Oliveira (2010, p.17) destaca a necessidade dos docentes repensarem

a utilização dos mapas em suas aulas, sem reduzi-lo a “[...] um recurso visual ou um

material didático empregado pelo professor de Geografia, [...], para ilustrar suas

exposições [...] quando necessitam trabalhar com o espaço geográfico”.

A linguagem cartográfica, como instrumento de expressão das

espacialidades geográficas, corrobora a construção do conhecimento nas aulas de

Geografia, permitindo aos educandos ler o mundo, dando geograficidade àquilo que

estão estudando, como: “[...] quando tem de reconhecer a localização do lugar, [...] a

distância entre lugares, [...] identificar as paisagens e fenômenos cartografados e

[atribuir] sentido ao que está escrito.” (CASTELAR, 2011, p.123). Dentre outros

objetivos, de acordo com Oliveira (2011, p.24), o mapa basicamente pode ser usado

em sala de aula para:

localizar lugares e aspectos naturais e culturais na superfície terrestre, tanto

em termos absolutos como relativos; mostrar e comparar as localizações;

mostrar tamanhos e formas de aspectos da Terra; encontrar distâncias e

direções entre lugares; mostrar elevações e escarpas; visualizar padrões e

áreas de distribuição; permitir inferência de dados representados; mostrar

fluxos, movimentos e difusões de pessoas, mercadorias e informações;

apresentar distribuição de eventos naturais e humanos que ocorrem na

Terra.

A mesma autora, diante desses objetivos, conclui “[...] que o mapa não

deverá ser planejado para ser usado uma vez ou duas, como em geral acontece

com os cartazes, gravuras ou slides durante o período letivo, mas para ser usado

constantemente”. (Idem).

Com base no exposto, evidencia-se uma emergente necessidade de

mudança do uso do mapa no fazer geográfico, em sala de aula, “[...] como uma

forma de linguagem para trabalhar em diferentes escalas espaciais as

representações locais e globais do espaço geográfico” (BRASIL, 1998, p. 53). O que

se estará buscando é o desenvolvimento de um trabalho pedagógico com vistas a

um aprendizado pertinente em relação à apreensão da realidade espacial local e

global pelo aluno. Por conseguinte, é necessário que ele desenvolva tanto

habilidades de mapear a realidade quanto de ler realidades mapeadas, ou seja, “[...]

os alunos precisam ter [...] a oportunidade de ler mapas, de localizar fenômenos, de

fazer correlações entre fenômenos.” (CAVALCANTI, 1999, p.136). Essa prática deve

permitir análises e sínteses geográficas pelos sujeitos escolares, considerando-se as

colocações de Oliveira (2010, p.17):

Uma metodologia do mapa não pode se prender unicamente ao processo

perceptivo; também é preciso compreender e explicar o processo

representativo, ou seja, é necessário que o mapa, que é uma representação

espacial, seja abordado de um ângulo que se permita explicar a percepção

e a representação da realidade geográfica como parte de um conjunto

maior, que é o próprio pensamento do sujeito.

Esta concepção metodológica do uso de mapas é fundamental no ensino e

na aprendizagem de Geografia, pois enfoca os documentos cartográficos (cartas,

mapas e gráficos), como recursos de representação da realidade que permitem o

raciocínio geográfico, essencial para se entender estrategicamente o espaço – a

organização e produção espacial de um determinado lugar, região e/ou território. É

nesse rumo que o aluno converte-se num “[...] leitor consciente [...] do espaço e da

que se inquiete com a realidade que lê e vê.” (PASSINI, 2012, p.18). Dessa maneira,

o educando estará pensando o espaço de forma crítica, pois nesse processo de

inquietação, identificará problemas e levantará possíveis alternativas de soluções

para mudanças no espaço local, regional, nacional e/ou mundial. Nessa perspectiva,

a leitura dos mapas não se limita apenas em identificar os elementos neles

presentes, mas a entender a realidade e a dinamicidade do mundo, pois como

instrumentos de comunicação e investigação são valiosos “[...] na identificação dos

problemas; na investigação de suas relações de causas e associações de

ocorrências em outros espaços; na comunicação dos resultados, expondo na forma

de mapas e gráficos as possibilidades de mudanças". (PASSINI, 2012, p.18-19).

Nesse ponto é pertinente ressaltar que a leitura, a interpretação e

construção de um mapa não são atividades inatas; dependem do desenvolvimento

de processos cognitivos, por meio de um ensino que crie condições para os alunos

lerem mapas murais, atlas e mapas que estão nos livros didáticos e, ainda,

desenvolverem habilidades de construção de mapas. A leitura e interpretação das

informações dos mapas “[...] exigem o conhecimento tanto do conteúdo como da

forma, ou seja, os símbolos do mapa devem transmitir o significado espacial.”

(PASSINI, 2012, p. 27). Tal conhecimento demanda um processo de alfabetização

cartográfica desde os anos iniciais do ensino fundamental – de níveis elementares

de representação a níveis de maior abstração –, possibilitando ao aluno

desenvolver a leitura e a interpretação de mapas. Esse processo de alfabetização

envolve a formação do sujeito-aluno “[...] de produtor de mapas e gráficos a leitor

eficiente dessas representações [...]”, indo “[...] do conhecimento espontâneo ao

conhecimento sistematizado.” (Ibid, p. 44). Assim, a primeira lição de Cartografia

inicia-se com a observação, pelo educando, dos elementos do espaço vivido e

selecionado (casas, indústria, consultório, comércio etc.) e estabelecendo categorias

dos diferentes usos do solo e respectivas codificações – os alunos construindo seus

próprios símbolos, “[...] trabalhando do significado para o código.” (Ibid, p. 46). Com

base nessa codificação (legenda), o aluno refletirá sobre como a informação pode

ser comunicada para melhor visualização das diferenças de uso do solo. Para que

ele passe dessa fase da leitura em nível elementar, de pontos isolados, para

leituras de nível intermediário e de maior avanço, é preciso que agrupe os elementos

por semelhanças – percebendo o que predomina no espaço a ser representado – e

pensando como classificá-los, para efeito de generalização e síntese, ou seja, a “[...]

percepção de conjunto das relações presentes no espaço [...]” – gerando o mapa

(Ibid, p. 50). Conforme Passini (2012, p. 30), pode-se, portanto, considerar três

níveis de leitura no processo de alfabetização cartográfica: “A leitura inicial,

considerada de nível elementar, é de pontos isolados. Em nível intermediário, o

sujeito pode perceber agrupamentos e, em nível avançado, elabora a síntese,

passando a ter uma visão de conjunto.”

Nesse sentido Simielli (2011, p. 95) afirma que

[...] existem diferentes mapas para diferentes usuários. [...] Um aluno de 4ª

série não tem o mesmo potencial de leitura que um aluno do ensino médio,

consequentemente, lerá muito menos informações do que um aluno do

ensino médio. [...] Considerando-se o fato de que o ideal é trabalhar com

diferentes mapas para diferentes usuários, principalmente nas várias faixas

etárias, proponho para o ensino fundamental, com alunos de 1ª a 4ª séries,

trabalhar basicamente com a alfabetização cartográfica, pois este é o

momento em que o aluno tem que iniciar-se nos elementos da

representação gráfica para que possa posteriormente trabalhar com a

representação cartográfica. [...] Na 5ª e 6ª séries, o aluno ainda vai trabalhar

com a alfabetização cartográfica e eventualmente na 6ª série ele já terá

condições de estar trabalhando com análise/ localização e a correlação.

A habilidade de utilização da linguagem cartográfica, portanto, deverá ser

desenvolvida de forma progressiva e constante, desde os anos iniciais, via

alfabetização cartográfica. As representações espaciais que integram a

comunicação visual distinguem-se das demais formas de comunicação por

constituírem uma linguagem específica, isto é, formada por um sistema de símbolos

e significados peculiares. É necessário que o educando entenda os símbolos que

constituem o “alfabeto cartográfico”, a fim de compreender os documentos

cartográficos, no que eles representam. Tal orientação exige que o aluno desenvolva

“[...] habilidades de elaborar e ler mapas e gráficos de forma eficaz: codificar e

decodificar os símbolos, extrair a informação e interpretar a espacialidade ou a

ordem dos elementos representados para entender sua Geografia.”(PASSINI, 2012,

p. 24).

Para tanto, é necessário que os alunos apreendam os conteúdos dos mapas

representados por um sistema de signos: coordenadas, escala, projeção, legenda,

símbolos e orientação. É, por conseguinte, “[...] uma representação complexa que

necessita ser decodificada, ou seja, dar significado aos significantes.” (PASSINI,

2012, p. 39). Tal decodificação deverá ter presente a construção progressiva das

relações espaciais, isto é, considerando-se os níveis de ensino; desta maneira,

conforme Almeida; Passsini (2006, p. 26), “A psicogênese da noção de espaço

passa por níveis próprios da evolução geral da criança na construção do

conhecimento: do vivido ao percebido e deste ao concebido”.

Assim, de acordo com PIAGET (1972, p. 31-34; PIAGET; INHELDER, 1993,

p. 46; 51), a representação do espaço pela criança passa por estágios diferenciados

de compreensão, de maneira gradativa e cumulativa:

- o estágio sensório-motor (de 0 a 2 anos), corresponde ao período em que tem

início a coordenação de movimentos em ações concretas e relações de ordem – “[...]

relações causais, inicialmente ligadas à própria ação, e, em seguida,

progressivamente objetivadas e espacializadas em vínculo com a construção do

objeto, do espaço e do tempo.” Gradativamente, manifesta-se na criança a

diferenciação entre objetos e o próprio corpo, na construção da conservação ou

permanência de objetos sólidos; observa-se que depois da criança descobrir o

próprio corpo, ela passa a perceber o espaço exterior e, pouco a pouco, vai

ampliando sua percepção;

- o estágio pré-operatório (2 aos 7 ou 8 anos), é a etapa em que são produzidas as

imagens mentais pelas crianças – marcada pela formação da função simbólica ou

semiótica – permitindo representar os objetos ou acontecimentos por meio de

símbolos ou sinais diferenciados (jogo simbólico, imitação, desenho, a própria

linguagem etc.); é, pois, uma fase em que as percepções e os movimentos

caracterizam-se pela relação entre o significante (imagem ou símbolo) e o

significado (conceito transmitido). A criança é capaz de agir não apenas sobre os

objetos reais e concretos, mas com os espaços representados, tendo a possibilidade de

compreensão dos símbolos – a legenda na leitura e interpretação de mapas.

- o estágio operatório concreto (7-8 aos 11 anos), é o momento em que a criança

desenvolve operações, como reuniões e dissociações de classes, encadeamento de

relações, síntese das inclusões de classes e de ordem serial, englobando números,

divisões espaciais e deslocamentos ordenados; no entanto, essas múltiplas

operações são ainda limitadas, incidem apenas sobre os objetos e não sobre

abstrações (hipóteses anunciadas verbalmente) e procedem por aproximação – por

isso, são chamadas de operações iniciais “concretas”. Nesse período, são

construídas pelas crianças as relações espaciais topológicas, tanto no plano

perceptivo quanto representativo (relações de ordem, vizinhança, de inclusão e

exclusão, de interioridade e exterioridade) – noções importantes para a localização

geográfica;

- e o estágio das operações formais (11-12 anos em diante) é o momento da

conquista do raciocínio como tal, que não incide apenas sobre objetos ou realidades

diretamente representáveis, mas também sobre hipóteses e abstrações conceituais

– é a formação de operações denominadas “proporcionais”, que comportam uma

combinatória que se aplica conjuntamente aos objetos de conhecimento, tanto

fatores físicos quanto ideias e proporções, que se manifestam de forma reversível (a

inversão, para as classes; e a reciprocidade, para as relações). Ao desenvolver

operações proporcionais, as crianças têm condições de estabelecer relações

espaciais projetivas (noções de lateralidade, anterioridade e profundidade) e

euclidianas (medidas métricas, proporcionalidade e coordenadas), o que lhes

permite a apreensão de conceitos de escala, de coordenadas geográficas, de

orientação geográfica na leitura e interpretação de mapas e de atlas. No entanto,

observa-se, conforme Passini (1998, p. 40), que as relações projetivas já começam

a aparecer no estágio operatório e, por isso, a autora enfoca um estágio

intermediário do operatório para o formal. A criança, ao libertar-se do egocentrismo

espacial (uso do próprio corpo como referência para a localização dos objetos),

passa a situar os objetos por referência a outros elementos: ela realiza a

coordenação de diferentes pontos de vista, descentrando espaços e construindo as

relações projetivas, com possibilidades de ler e compreender a orientação

geográfica nos mapas.

Nesse contexto psicogenético, fundam-se as implicações da evolução da

criança quanto à apreensão da noção de espaço e do desenvolvimento da

Alfabetização Cartográfica. Assim, nos anos iniciais da escolarização, parte-se do

espaço vivido – experienciado fisicamente pelo aluno – ao espaço percebido, que

vai além da experienciação física: o educando, por exemplo, lembra do percurso de

sua casa; e, em anos posteriores, passa-se do espaço percebido ao concebido,

quando o aluno consegue estabelecer relações entre elementos apenas pela

representação.

Dessa maneira, entende-se que, “[...] é desde criança que se inicia o

processo de construção, aprendizado e domínio do espaço. Sendo que o mesmo se

efetiva através do prosseguimento de etapas, [...] em conformidade com o progredir

do seu desenvolvimento mental como um todo.” (MARTINELLI, 2012, p.53). Assim

nos anos iniciais, é fundamental que o docente valorize o estudo do espaço concreto

do aluno, o mais próximo dele – o espaço da sala de aula, da escola, do bairro –

para depois trabalhar com os espaços mais amplos, como município, estado, país

etc. Para isso, os sujeitos em escolarização precisam desenvolver uma sequência

de procedimentos metodológicos espaciais:

Há um longo caminho a ser percorrido para a construção da noção de

espaço, que se inicia pela ação da criança e culmina com a operação

mental. As relações espaciais permitem a construção e a representação de

três tipos: relações topológicas, projetivas e euclidianas [...]. (PAGANELLI

apud CALLAI, 2003, p. 69).

Com efeito, as primeiras relações espaciais estabelecidas pelas crianças

são as relações topológicas, ou seja, relações espaciais que se dão no espaço

próximo (sem considerar distâncias, medidas e ângulos), desenvolvendo “[...]

referenciais elementares como: perto/longe, dentro/fora, em cima/embaixo, ao lado,

na frente/atrás. [...] ainda relações de vizinhança, de ordem espacial, de inclusão e

de continuidade” (MARTINELLI, 2012, p. 54). Ainda que as relações espaciais

topológicas elementares não sejam referenciais precisos de localização, são base

para o trabalho escolar sobre o espaço geográfico e cartográfico; pois, é a partir

dessas relações que são desenvolvidas várias noções:

[...] a localização geográfica constrói-se à medida que o sujeito se torna

capaz de estabelecer relações de vizinhança (o que está ao lado),

separação (fronteira), ordem (o que vem antes e depois), envolvimento (o

espaço que está em torno) e continuidade (a que recorte do espaço a área

considerada corresponde), entre os elementos a serem localizados.

(ALMEIDA; PASSINI, 2006, p. 33).

Portanto, as relações topológicas são fundamentos para as relações

espaciais mais complexas, isto é, para as relações espaciais projetivas e

euclidianas. Na medida em que o aluno consegue “[...] conceber a posição dos

elementos em espaços mais amplos, [...] utiliza estruturas de relações espaciais que

vão além das topológicas elementares.” (Idem, p. 37). Nesse momento,

configuram-se as relações espaciais projetivas e o educando passa a conconfiguram-servar a posição dos

objetos e altera seu ponto de vista – sua perspectiva ou direção: “As noções

fundamentais que envolvem as relações projetivas são: direita e esquerda, frente e

atrás, em cima e em embaixo e ao lado de.” (CASTROGIOVANNI, 2002, p.19).

Igualmente, no plano das relações espaciais euclidianas, a criança situa os objetos

uns em relação aos outros, englobando o lugar do objeto e seu deslocamento numa

mesma estrutura. Neste caso, a organização espacial da criança ou adolescente tem

perspectiva e coordenadas, de forma que é capaz de orientar-se e localizar-se

usando referenciais abstratos (medidas métricas, proporcionalidade e coordenadas).

As relações espaciais euclidianas, que desenvolvem-se conjuntamente com a

concepção espacial projetiva, “[...] são representadas pelas relações que têm como

base a noção de distância e permitem situar os objetos uns em relação aos outros,

considerando um sistema fixo de referência” (CASTROGIOVANNI, 2002, p.20).

Desta forma, salienta-se que:

Enquanto o espaço projetivo se limita a coordenar as diferentes

perspectivas de um objeto e se acomoda às suas variações aparentes, o

espaço euclidiano coordena os próprios objetos entre si e em relação a um

quadro de conjuntos ou sistemas de referência estável que exige como

ponto de partida a conservação das superfícies e das distâncias.

No documento O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA DO 6. (páginas 53-71)