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Cartografias culturais: tradição, fé e religiosidade

No documento Aspectos. histórico sociais. de Jaraguá (páginas 63-67)

Tendo em vista que adotamos os princípios da Etnografia para a coleta do material linguístico utilizado em nossa pesquisa (2008-2009), participamos parcialmente das festividades do grupo pesquisado. Em virtude de a maioria dos colaboradores desta pesquisa ser membro de algum grupo de folia é que priorizamos essa festa popular.

A Folia de Reis2 é um evento popular que transcende o âmbito

religioso e incorpora aspectos da cultura regional. Trata-se de uma ex- pressão do Brasil agrário, apresenta características próprias, expressas em coreografias, ritmos e canções. Embora haja incorporação de pecu-

2 A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, aprovada pela UNESCO em 17

de outubro de 2003, contempla a Folia de Reis como parte integrante desse patrimônio. Essa convenção reconhece a necessidade de conscientização, sobretudo das gerações mais novas, para a relevância da salvaguarda do patrimônio cultural e também enfatiza o respeito às comunidades, aos grupos e às pessoas envolvidas com tal patrimônio. (RECOMENDAÇÕES DE PARIS 32ª SESSÃO, 2003 [2009]). O Patrimônio Cultural Imaterial é transmitido oralmente de geração em geração. Constantemente é recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua intera- ção com a natureza e de sua história, gerando nas pessoas envolvidas um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo sobremaneira para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. (PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL, 2005 [2009]).

liaridades locais, os grupos preservam a crença e a devoção a São José, à Virgem Maria, e, principalmente, aos Três Reis Santos (Magos) e ao Menino Jesus. Sendo que nessa festa, objetiva-se comemorar, de forma jubilosa e regozijante o nascimento de Jesus Cristo. O enredo lembra a viagem que os três reis magos, Baltazar, Belchior e Gaspar, fizeram a Belém para encontrar e presentear o Menino Jesus. (Tremura, 2005).

Como legado histórico dos padres jesuítas do reino lusitano, a cidade de Jaraguá conserva, além da Folia de Reis, a Folia do Divino Espírito Santo e as Cavalhadas. Essas manifestações são enriquecidas com o conhecimento cultural da população jaraguense. Como já men- cionamos, há duas folias: a Folia de Santos Reis, que se realiza entre os dias 31 de dezembro a 06 de janeiro, em que o grupo de foliões faz o percurso, denominado giro, durante a noite, isto é, visita às casas que foram escolhidas previamente para receberem a folia; e a do Divino Espírito Santo ou Festa do Divino, que acontece no mês de maio, conhe- cida também como folia mineira. Nessa folia, os foliões e participantes fazem um percurso religioso durante o dia.

As apresentações das Cavalhadas ocorrem por ocasião da Folia do Divino, mais especificamente nos dois últimos dias de festa. No pe- ríodo da Folia de Reis, são apresentadas algumas danças como catira, lundum, esta última possivelmente se trata de uma homenagem ao ne- gro, e tapuia, em homenagem ao indígena. Porém, as danças do lundum e do tapuia estão sendo esquecidas, pois de acordo com os organizado- res/participantes dos eventos, a tradição cultural, no caso as danças, que durante anos vêm sendo passada de pai para filho, atualmente possuem pouco ou nenhum significado para as pessoas mais jovens.

Freitas (2003), fundamentada em Santos (2002), assevera que, na região jaraguense, essas festividades tradicionais tiveram origem na época da mineração, constituindo-se em uma forte herança do período

colonial. Assim, de acordo com as palavras da autora, “muitas das festas tradicionais, vivenciadas ainda hoje, que tiveram suas origens à época das minas, como a Festa do Divino Espírito Santo, as Cavalhadas, a Folia de Reis, dão sustentação às tradições, crenças e costumes locais.” (Freitas, 2003 p. 75).

A folia de Reis é bastante disseminada na região jaraguense, de modo que em cada povoado existe um grupo organizado disposto a manter a devoção e a tradição cultural e religiosa. São um total de doze grupos3 que, em consonância à linguagem dos foliões, denominam-se

galhos. No decorrer do ano, esses grupos se preparam para o evento religioso que tem duração de sete dias. Uma das principais missões é conseguir alimentos para todos os devotos, participantes e simpatizan- tes, durante os dias de festa. São momentos dedicados à fé e também à diversão. Os membros de cada grupo trabalham conjuntamente em prol da realização da folia que, segundo eles, consiste em missão sagrada, em questão de fé e devoção aos Três Reis Santos.

Conforme afirmamos anteriormente, o principal objetivo das fo- lias é homenagear o Menino Jesus, nascido em Belém de Judá. Os gru- pos de fiéis relembram e simulam a viagem realizada pelos três Reis Magos que foram visitar o rei dos judeus, oferecendo-lhe presentes va- liosos: ouro, incenso e mirra. Nesse sentido, celebram a fé, a caridade, a união, o amor, a paz, a partilha, a solidariedade e a humildade. Portanto, os cânticos estão voltados especificamente para esse tema e as orações são de agradecimentos e reflexões sobre a realidade dos participantes. São momentos de muita confraternização, união e emoção.

3 Folia do Saraiva, Folia do Córrego Grande, Folia da Vila Aparecida, Folia da Cachoeira, Folia da

Fazenda Bom Jesus, Folia de Arturlândia, Folia da Vila Santa Bárbara, Folia da Irmandade dos Três Reis, Folia da Paróquia Nossa Senhora da Penha, Folia da Fazenda Sucuri, Folia Os três Reis Santos e Grupo de Folia de Reis do Zé Carioca.

Um dos momentos mais emocionantes que pudemos presenciar foi o da escolha do responsável pela folia do próximo ano, o qual é denominado festeiro, na linguagem hierárquica da folia e, em seguida, o momento da entrega da bandeira. A bandeira, símbolo honorífico da Folia de Reis, fica em poder do festeiro durante todo ano. O festeiro é escolhido pelo embaixador que representa a autoridade máxima dentro do grupo. Vale ressaltar que é eleito um responsável geral, mas todo o grupo trabalha unido, de forma muito colaborativa.

No dia sete de janeiro, todos os grupos se reúnem para o encer- ramento coletivo da festa na cidade de Jaraguá. Essa iniciativa foi to- mada pelo atual padre da Paróquia Nossa Senhora da Penha, apoiado pela Secretaria de Cultura do Município. Nesse encontro, realiza-se a celebração de uma missa e, em seguida, cada grupo tem oportunidade de fazer uma apresentação de cantos sagrados, durante cinco minutos.

Após todas as apresentações, há o intervalo para o almoço, o qual é servido gratuitamente para todos os participantes e simpatizantes de uma das maiores festas religiosas e culturais do município. Em seguida, ocorrem as apresentações das danças. Atualmente, há a apresentação somente da catira. Além dessas festividades tradicionais de cunho reli- gioso, Jaraguá apresenta outras festas como o Carnaval de Rua, a Festa do Peão, ocasião da comemoração do aniversário da cidade, e a Feira da Indústria do Vestuário. A cidade é conhecida como a capital goiana da indústria de confecção do jeans.

No próximo tópico, apresentamos uma breve reflexão acerca da influência da cultura na língua, de modo específico, na fala de grupos e comunidades.

No documento Aspectos. histórico sociais. de Jaraguá (páginas 63-67)

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