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3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS “MENORES” SERGIPANOS

3.3 A CIDADE DE MENORES: ORIGEM E FIM

3.3.1 A Casa das Meninas Santa Inês

Em uma entrevista concedida à Rádio Cultura, a Dra. Maria “Luiz” (sic) Cruz, Promotora de Justiça,127 em 06 de agosto de 1965, informou que o Juizado de Menores iria “dispor só e tão somente, porque irá ser mantido pelo Poder Público, da Casa das Meninas Santa Inês”128

para acolher meninas abandonadas.

Esta instituição havia acabado de ser edificada. Construída e mantida pelo Estado, com a participação da Secretaria de Justiça, a sua construção foi supervisionada pelo Juizado de Menores e concebida para “acolher a menor abandonada, sem lar e sem família, tendo condições para abrigar 120 menores.”129

Informou ainda que a direção do estabelecimento iria ser entregue à Congregação de Santa Terezinha e que, apesar do prédio já possuir todo o material para o seu funcionamento, ainda não havia sido inaugurada e que ela, a Dra. Maria “Luiz” (sic) Cruz, iria pedir ao governador do Estado para marcar uma data para a sua inauguração.

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Gazeta de Sergipe, de 18 de janeiro de 1964, Ano IX, nº 2315, p. 1– Hemeroteca da Biblioteca Epifânio Dória.

127 http://luizeduardocosta.blogspot.com.br/2011/12/maria-luiza-filha-de-acrisio.html 128

AGJ-AJU/5ª VP - Entrevista de 06/08/1965, Cx13-A3-MI, período 1973-1984. O nome da Promotora aparece escrito desta forma na entrevista: “Maria Luiz Cruz”.

Diante das declarações da Promotora de Justiça, vislumbrei que até agosto de 1965130 não havia estabelecimento oficial para o acolhimento de meninas abandonadas, órfãs, sem lar e sem família, posto que o Juizado de Menores iria dispor apenas da Casa de Santa Inês para o encaminhamento destas menores por ter sido construída e mantida pelo próprio Poder Público, no caso, o Estado de Sergipe. Antes da construção desta entidade, o Juizado de Menores se valia de outras instituições que, em geral, eram de origem religiosa, como: Orfanato São João Bosco, Casa Santa Zita e o Educandário Nossa Sra. das Graças (em Boquim/SE), tendo o Estado que pagar para manter as menores nestas entidades.

Em 29 de julho de 1953, o Juiz de Menores, Dr. Manoel Candido dos Santos Pereira, enviou um ofício s/nº a Rvma. Irmã Superiora do Orfanato São João Bosco encaminhando a menor Josefina131.

Estou encaminhando a V Revma. a menor [...], de pais falecidos, solicitando de V. R. a caridade de sua acolhida nesse benemerito orfanato, eis se tratar de uma creança sem amparo de quaisquer que pela mesma se desvele; achando-se portanto absolutamente carecente de ser recolhida por um estabelecimento especializado, qual o dirigido por V. Revma. Respeitosamente. Manoel Candido dos Santos Pereira. Juiz de Menores.132

Em outro oficio s/nº, datado de 11 de julho de 1952, o Juiz de Menores apresentou à Diretora da Casa Santa Zita, uma menor, Maria de Fátima133, então com oito anos de idade, “afim de ser internada nesse estabelecimento que tão relevantes serviços vem prestando à pobresa desamparada, ficando dita menor sujeita à jurisdição deste juízo.”134

A Casa Santa Zita, era uma Associação situada na Rua Propriá, nº 386, em Aracaju, cuja Diretora, em fevereiro de 1957, era Olivia Ramos de Andrade; Maria José Santos, a Secretaria e Maria Cícera Freire, a Tesoureira, conforme constava no ofício de nº 22, datado de 8 de fevereiro de 1957. Este documento não informava o destinatário, mas havia o timbre do Estado de Sergipe e do Juizado de Menores.135 Atualmente, neste local, funciona a Casa das Domésticas.

Em outro documento, um ofício s/nº e sem data, o Juiz de Menores encaminhou ao Diretor do Educandário Nossa Senhora das Graças, em Boquim/SE, um pequeno enxoval para uma menor ali internada. No pequeno enxoval continha seis camisolas e seis calças. Neste

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Segundo Bispo (2007, p. 107), a Casa das Meninas Santa Inês foi inaugurada em 1966.

131 Nome fictício em face do que dispõe o parágrafo único do art. 143 da Lei 8.069/90.

132 AGJ-AJU/5ª VP - Ofício s/nº, datado de 29/07/1953 - LOE de 1952-1953, Cx3-A3-MI, período: 1948-1957. 133

Nome fictício em face do que dispõe o parágrafo único do art. 143 da Lei 8.069/90.

134 AGJ-AJU/5ª VP - Ofício s/nº, datado de 11/07/1952 - LOE de 1952-1953, Cx3-A3-MI, período: 1948-1957. 135 AGJ-AJU/5ª VP - Ofício nº 22, datado de 08/02/1957 – LOE de 1957, Cx3-A3-MI, período: 1948-1957.

mesmo ofício, o Juiz de Menores solicitou ao Diretor que lhe informasse sobre a situação da menor, “mensalmente, do seu estado de saude e comportamento, bem como seu aproveitamento nesse educandário,”136 reiterando o que já havia solicitado em ofício pretérito. Neste documento, pude verificar uma preocupação pessoal do Juiz de Menores com a menor internada. Penso que o enxoval encaminhado ao Educandário foi uma iniciativa pessoal, posto não haver menção de sua origem. Outra preocupação da autoridade judicial foi com o aproveitamento da menor no Educandário, ou seja, com a sua educação. O Juiz também quis saber sobre a saúde da criança. Observei que o ofício não fazia menção à idade da menina, o que era muito comum nos documentos oficiais, referindo-se às crianças e adolescentes usando seus respectivos nomes, ou simplesmente usando o termo “menor”.

Retomando a entrevista com a Promotora pública, Dra. Maria “Luiz” (sic) Cruz, relatou que contava apenas com a ajuda de um estabelecimento de ensino particular, mas somente porque o Diretor era um amigo seu. Nos orfanatos e demais entidades, também eram contempladas a questão do “ensino”, principalmente quando o assunto era o ensino de meninas. Saliento que existiam instituições que tinham característica mistas de orfanato e escola, como era o caso do Educandário Nossa Sra. das Graças, em Boquim/SE, onde havia o regime de internato para as meninas, as quais permaneciam na entidade em tempo integral, sendo acolhidas e educadas.

E as meninas delinquentes, para onde eram encaminhadas?137 Alguns documentos indicaram que as mesmas ficavam custodiadas em repartições da Secretaria de Segurança Pública, aguardando determinação judicial. No Ofício s/nº, datado de 04 de dezembro de 1952, dirigido ao Secretário de Segurança Pública de Sergipe, o Juiz de Menores determinou que lhe fosse apresentada a menor, Gildete,138 “que se encontra nessa repartição a ordem e disposição deste Juízo.”139 Desta forma, não havendo instituição específica para recebê-las, os indícios me levaram a crer que as meninas eram custodiadas em repartições públicas, como: o próprio prédio da Secretaria de Segurança Pública, delegacias, e até mesmo o Juizado de Menores, onde permaneciam à disposição das autoridades.

Vale ressaltar que o Colégio Santa Inês, abordado por Bonifácio (2011) em sua dissertação de Mestrado, situava-se em São Paulo. A sua pesquisa tratou da educação católica ministrada para meninas órfãs e pobres de Aracaju, sendo o Oratório Festivo São João Bosco a instituição que analisou. Este orfanato tinha o fim de acolher, instruir e educar as meninas,

136 AGJ-AJU/5ª VP - Ofício s/nº e sem data - LOE de 1952-1953, Cx3-A3-MI, período: 1948-1957. 137

Vide p. 134 e 135.

138 Nome fictício em face do que dispõe o parágrafo único do art. 143 da Lei 8.069/90.

direcionando-as para o ensino da catequese e valores morais. Era uma instituição “confessional, católica e filantrópica [...] criada em 16 de agosto de 1914, em homenagem a Dom Bosco, seu protetor.” (BONIFÁCIO, 2011, p. 2). A instituição era administrada pelas Filhas de Maria Auxiliadora e pela Congregação Ministras dos Enfermos de São Camilo.

O aludido Colégio Santa Inês, de São Paulo, foi referenciado como modelo dos Colégios Salesianos e que foi seguido pelo Oratório São João Bosco. “O Colégio Santa Inês oferecia ensino para meninas e moças da elite paulista e das classes pobres.” (BONIFÁCIO, 2011, p. 93). Em Sergipe, a autora ainda citou o Colégio Nossa Sra. das Graças, o Oratório Festivo Nossa Sra. Auxiliadora e o Colégio Nossa Sra. de Lourdes, os quais seguiam o mesmo perfil, ressalvando que neste último tinha, em anexo, a Escola Nosso Senhor do Bom Conselho “para filhos de operários e empregadas domésticas.” (BONIFÁCIO, 2011, p. 100).

Ao analisar as nuances que originaram a CMGV, bem como as que levaram a sua extinção, recebendo a Casa das Meninas Santa Inês os menores que lá eram custodiados e assumindo a nova fase que as autoridades estavam implementando para lidar com os meninos delinquentes, “incluindo-os” na sociedade, trazendo-os para serem acolhidos dentro da própria cidade, Aracaju, passei a me questionar quanto ao tratamento dispensado aos “menores” de 18 a 21 anos de idade, posto que foram contemplados tanto pelo Código de Menores de 1927 quanto pelo Código Penal (1940), estando este ainda em vigor. Já o CM/1927 foi revogado pelo CM/1979 que, por sua vez foi revogado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).