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O caso do Brasil como exemplo do diálogo normativo com o Direito Internacional

CAPÍTULO 2 DIÁLOGO ENTRE O DIREITO CONSTITUCIONAL E O DIREITO

2.5. O caso do Brasil como exemplo do diálogo normativo com o Direito Internacional

Como já mencionado anteriormente, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, estabelece a possibilidade e parâmetros para que os tratados internacionais de direitos humanos sejam recepcionados com status de norma constitucional (art. 5º, §§ 2º e 3º). Esta previsão constitucional é muito importante do ponto de vista do diálogo normativo interno- internacional206.

Além disso, a Constituição brasileira também dispõe de uma série de direitos fundamentais, os quais não constituem rol taxativo, conforme determinado pela própria

206

- O assunto abordado neste item é resultado do relatório por nós apresentado em setembro 2015, na FDUL, para a conclusão da disciplina de Direito Internacional dos Direitos Humanos, com o título O Direito Internacional da

constituição, já que ela não exclui outros direitos decorrentes de princípios ou de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

É exatamente nesse contexto de abertura à normativa internacional que foi promulgada a emenda constitucional nº 45 no ano de 2004, de extrema relevância no âmbito do diálogo com o Direito Internacional, porquanto apresenta disposições acerca da recepção de tratados internacionais de direitos humanos.

A famigerada Emenda Constitucional n. 45 acrescentou ao art. 5º, da CF o parágrafo 3º por meio do qual os tratados e convenções internacionais de direitos humanos podem ser adotados com status de norma constitucional, desde que aprovados em cada casa do Congresso Nacional em dois turnos e por três quintos dos votos da totalidade de membros de cada casa207.

Apesar de a matéria já estar pacificada, houve muitas controvérsias doutrinárias sobre a natureza desses tratados internacionais quando incorporados ao ordenamento jurídico interno, especialmente se tais tratados integrariam o bloco de constitucionalidade ou se teriam natureza de leis infraconstitucionais.

Ora, a toda evidência, o texto constitucional é muito claro no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos, se recepcionados nos termos da Constituição, deverão ser tratados com status de emenda constitucional, integrando, portanto, o bloco de constitucionalidade. E tal entendimento também está em consonância com os princípios e valores que nortearam a elaboração da Constituição de 1988, bem como com a própria ideia e necessidade da emenda constitucional nº 45208.

207

- CRFB: Art. 5º, § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

208

- Nesse sentido é o posicionamento de um dos expoentes brasileiros do Direito Internacional Público, ANTONIO

AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, em Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos (Volume I). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p. 123.

Há outras controvérsias, como por exemplo, sobre os tratados promulgados antes da Emenda 45 de que forma eles seriam recepcionados. Contudo, também nos parece que essa discussão é desnecessária, porquanto o § 2º, do artigo 5º da Constituição209 é claro no sentido de que a Constituição não excluir outros direitos decorrentes de princípios ou tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário. Portanto, a Emenda Constitucional 45/2004 apenas efetivou o que já fora disposto no § 2º, do artigo 5º210.

Independente das discussões doutrinárias, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o tema por ocasião de julgamento sobre a prisão civil de depositário infiel afirmou, e fazendo menção ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7º), destacou a natureza destes tratados sobre direitos humanos e seu status na ordem jurídica brasileira, logo abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. Ou seja: o STF, reconhecendo a determinação da EC n. 45/2004 declarou o PIDCP e a Convenção americana como normas de caráter supralegal211 dentro do direito brasileiro.

209- CRFB, Art. 5º“§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do

regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

210- J

OSÉ CARLOS FRANCISCO esclarece que os tratados internacionais de direitos humanos promulgados antes da EC 45/2004 também devem ser recepcionados com status de emenda constitucional: Bloco de

Constitucionalidade e recepção dos tratados internacionais. In: LENZA, Pedro. (Org). Reforma do Judiciário.

São Paulo: Ed. Método, 2005. p. 100. CELSO LAFEr entende que os tratados promulgados antes ou depois da EC nº 45/2004 devem ser tratados com hierarquia de norma constitucional, por terem sido recepcionados pelo artigo 5º, § 2º da CRFB (A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações

internacionais. São Paulo: Ed. Manole, 2005, p. 14).

211

- STF, RE349703/RS-Rio Grande do Sul, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Julgamento em 3 de dezembro de 2008. Ementa: PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE

DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão.

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+E+349 703%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+349703%2EACMS%2E%29&base=baseAco rdaos&url=http://tinyurl.com/b7evufv. Consultado em 12 de janeiro de 2015.

Portanto, de forma definitiva, o direito interno do país permite a adoção de normas internacionais que passarão a integrar o bloco de constitucionalidade, desde que provenientes de instrumentos voltados à proteção dos Direitos Humanos.

A nosso ver, o entendimento da Corte Constitucional brasileira certamente compartilha com a ideia de que o direito interno e o direito internacional podem dialogar e se harmonizar, sempre imbuídos do espírito de que ambos necessitam efetivar seus sistemas de proteção dos seres humanos.

E, a partir do momento em que os tratados de direitos humanos são devidamente ratificados e inseridos no ordenamento jurídico brasileiro, o Brasil está comprometido a respeitar e, sobretudo, a criar uma base legislativa que atenda aos princípios básicos estabelecidos nos referidos tratados, primando, dentre outras questões relevantes.

Nesse contexto, muito relevante o brilhante ensinamento de André de Carvalho Ramos ao destacar que “não é suficiente ratificar e incorporar tratados de direitos humanos ou ainda defender seu estatuto normativo especial (supralegal ou mesmo constitucional). É necessário aceitar – em sua integralidade – a consequência da internacionalização dos direitos humanos, que vem a ser o acatamento da interpretação internacional sobre esses direitos. A internacionalização dos direitos humanos não deve ser restrita aos textos dos tratados: a interpretação destes não pode continuar a ser nacional” 212.

212- R