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Caso Clínico E

No documento Relatório de estágio (páginas 46-52)

4. Caraterização da Intervenção Individual

4.1. Atividades de Acompanhamento e Intervenção Psicológica

4.1.3. Caso Clínico E

   

Identificação

A paciente E. é do género feminino, tem 87 anos de idade, está reformada e é viúva. A paciente tem o 5º ano de escolaridade e é natural de Barcelos.

Encaminhamento

A paciente é encaminhada para o serviço de psicologia, por apresentar “ tristeza” e “falta de motivação” nas suas atividades e principalmente em voltar a andar sozinha,

uma vez que após uma gripe em Dezembro, se recusa a andar sem ajuda das auxiliares da instituição.

História do Problema

A paciente encontra-se institucionalizada à sete anos. A decisão de residir na instituição foi tomada deliberadamente, mencionando gostar bastante de estar no lar “ aqui somos como uma família, nunca estamos sozinhos e cuidam muito bem de nós” (sic).

Quando entrou no lar, a paciente era totalmente autónoma, dava passeios diários, ia à cabeleireira sozinha, fazia as suas atividades diárias sem precisar de auxílio, assim como vestir-se e a sua higiene pessoal. No momento do início do acompanhamento, a paciente encontrava-se dependente das auxiliares para andar, assim como fazer a sua higiene pessoal, pois tem medo de locomover-se sozinha “eu sinto que vou cair, sinto-me zonza e tenho de me agarrar” (sic). A paciente refere que estes sintomas (sentir-se zonza, sensação de queda) começam a partir de que teve uma gripe no mês de Dezembro “eu tive uma gripe muito forte, o medico disse-me que foi grave, para descansar bastante” (sic). Devido ao medo evidenciado, abandonou algumas atividades bem como interesse pela realização de novas atividades. De ressalvar que a paciente era autónoma, desde que entrou na instituição até ao momento da gripe.

Estado Mental/ Observação

A paciente E. revela boa orientação a nível temporal e espacial. Durante as consultas, apresenta bom aspeto físico e bem cuidada a um nível geral, com comportamento adequado e cooperante. No entanto é de salientar que, sempre que lhe são efetuadas perguntas sobre o seu casamento ou marido, manifesta sentimentos de tristeza. Frequentemente demonstra interesse em revelar a sua história de vida. Quanto ao seu discurso, este é adequado e coerente, apresentando um bom raciocínio e juízo crítico, embora por vezes tenha algumas falhas de memória.

Breve Descrição da História Desenvolvimental, Psicossocial de Institucionalização e Médica

Natural de Barcelos, E. provém de uma família de nível socioeconómico médio-alto, constituída por 5 filhos (duas raparigas e três rapazes). Durante o seu discurso, revela que teve sempre uma boa relação com os seus pais e irmãos, referindo que o seu ambiente familiar era muito bom, “éramos todos muito unidos”(sic). Relativamente à sua infância e adolescência, refere que “estas foram positivas e alegres em família”(sic). Menciona que mesmo passando pouco tempo com o seu pai, devido à sua profissão (dono de uma farmácia), nunca lhe faltou atenção de parte deste “ele trabalhava muito, passava muito tempo fora durante o dia, mas sabia dar educação nunca colocou a família em segundo lugar” (sic).

Quanto à sua história educacional, expressa que embora não se sentisse motivada, “não tinha cabeça para os estudos” (sic), a sua adaptação foi boa, e manteve algumas amizades mesmo após ter saído da escola.

Durante a fase adulta, trabalhou inicialmente como costureira, desistindo depois para trabalhar em casa para ajudar a mãe. Quando casou, começou a trabalhar com o marido, numa farmácia que era propriedade do mesmo, atividade que lhe dava muito prazer pois além de poder estar sempre perto do marido, permitia-lhe manter muito contato social “as pessoas vinham à farmácia conversavam comigo, pediam-me conselhos, as vezes ate me deixavam lá os filhos enquanto iam fazer outras tarefas” (sic). Relativamente ao desenvolvimento psicossocial, refere ter-se reformado na idade habitual. Menciona ainda que o momento que mais marcou a sua vida foi a morte do marido, que após esse acontecimento teve muita dificuldade em viver sozinha, “senti muita dor para continuar sozinha” (sic.). No que concerne a sua história de institucionalização, encontra-se institucionalizada no lar há sete anos, revelando que a sua adaptação foi boa, que todos no lar são bastante atenciosos, apenas manifesta saudades dos seus familiares, pois raramente recebe visitas porque os mesmos moram muito longe. Quanto a sua história médica, atualmente toma medicação para a diabetes e para o intestino (devido a frequente prisão de ventre).

Avaliação Psicológica e Resultados

Relativamente à intervenção, o processo começou com a recolha de informação através da entrevista clínica da SCMB, passando de seguida para a avaliação psicométrica. Tendo em conta os sintomas evidenciados pela paciente, os instrumentos utilizados foram: Mini-Mental State, a Escala de Depressão Geriátrica, o Questionário do Estado de Saúde - SF-36.

Os resultados obtidos no Mini-Mental State revelam ausência de défice cognitivo (28 pontos), obtendo a pontuação máxima em todos exercícios exceto no exercício de evocação. Em conformidade com os resultados obtidos pela Escala de Depressão Geriátrica, os mesmos demonstram que a paciente se encontra com depressão a um nível ligeiro (18 pontos). Quanto ao Questionário do Estado de Saúde - SF- 36, nas dimensões de Componente Físico foram as seguintes: Funcionamento Físico (0 pontos), Desempenho Físico (0 pontos), Dor Corporal (30 pontos), Saúde Geral (70 pontos), ao nível das dimensões do Componente Mental as pontuações foram as seguintes: Vitalidade (20 pontos), Funcionamento Social (10 pontos), Desempenho Emocional (0 pontos), Saúde Mental (50 pontos).

Diagnóstico Multiaxial (DSM – IV – TR, 2002)

Eixo I: 309.0 Perturbação da Adaptação, com Humor Depressivo [F43.20] Eixo II: V71.09 Sem Diagnóstico [Z03.2]

Eixo III: 564.0 Obstipação Eixo IV: Nenhum

Eixo V: AGF Inicial = 55

AGF Final = 60

Concetualização Clínica do Caso

De acordo com a literatura, a característica essencial de uma Perturbação de Adaptação, é o desenvolvimento de uma resposta psicológica a um ou mais fatores de stress identificáveis (Oliveira, 2010), que se inicia dentro de três meses (após o aparecimento do fator de stressante), não ultrapassando os seis meses de duração, após a acontecimento de stress ou as suas consequências terem cessado (Canavarro, 2011a). A paciente, refere que foi após ter ficado com gripe e limitada na locomoção, (fator de

stress), que começou a manifestar tristeza, nervosismo, irritabilidade, desinteresse, algumas insónias assim como algumas crenças e pensamentos disfuncionais (resposta psicológica a um fator de stress identificável). Tal como referem Fernandes, Figueira & Sampaio (2006) os sintomas ou comportamentos devem clinicamente significativos, manifestando-se por qualquer um dos seguintes: mal – estar acentuado que excede o que seria de esperar, e défice significativo nas áreas sociais ou ocupacionais. A paciente E. apresenta realmente um mal-estar acentuado, mediante os sintomas que já foram apresentados, e revela ainda que após esses acontecimentos, deixou de realizar algumas das atividades que mais gostava, tal como participar no coro da instituição, não demonstrando também disposição para dar os seus passeios, que anteriormente realizava diariamente (défice significativo nas áreas sociais ou ocupacionais).

Objetivos da Intervenção Clínica

O processo de intervenção teve início com o estabelecimento de uma relação terapêutica baseada na criação de confiança, atitude empática e acolhimento. Na fase inicial das sessões, procedeu-se à recolha da sua história clínica através da entrevista semi-estruturada da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos, passando seguidamente à avaliação psicológica da paciente. Levando em consideração as queixas recolhidas durante a história clínica, tornou-se cada vez mais visível que os sentimentos depressivos evidenciados, se deviam ao fato de se encontrar dependente dos outros para poder andar.

Numa fase intermédia das sessões, e visto a paciente apresentar capacidade cognitiva de compreensão, foi efetuada uma psicoeducação sobre a importância da motivação para a resolução do seu problema. Durante estas sessões, foi explicado à paciente que as suas convicções irracionais sobre o medo de cair a levavam ao receio e consequentemente ao fracasso, evitando toda e qualquer tentativa de voltar a andar sozinha. Tal como aponta Ellis (1962), uma das principais causas da falta de motivação são as convições erradas. Procurou-se desta forma modificar os pensamentos erróneos por outros mais adaptativos, através da reestruturação cognitiva, para que o medo de cair diminuísse ou desaparecesse, encorajando-a a ter confiança em dar um primeiro passo. Com o resultado positivo obtido ao longo das sessões, foi proposto à paciente o uso de um andarilho, o qual seria utilizado inicialmente durante as nossas sessões, proposta aceite pela paciente de forma bastante positiva. Assim sendo as sessões

começaram a acontecer duas vezes por semana, durante as quais se efetuavam primeiramente alguns exercícios de relaxamento dando seguimento a caminhadas pelos corredores da instituição. Com o decorrer das sessões, esta proposta revelou-se um sucesso. Durante este processo foram também introduzidas estratégias da Terapia de Ativação Comportamental. Com a introdução desta técnica, pretendeu-se diminuir o sentimento de “inutilidade” expresso pela paciente “sou um peso para as auxiliares, coitadinhas têm de andar sempre comigo…agora não sirvo para nada” (sic) e a retoma às atividades sociais que mantinha anteriormente. Esta técnica foi especialmente indicada para lidar com a passividade ou isolamento social, comportamento evidenciado pela paciente, que a partir do momento que não conseguiu andar sozinha, manteve-se “sempre muito isolada”, no seu quarto, sentada num cadeirão. Tal como aponta a literatura, revela-se importante integrar no decurso do tratamento da população adulta avançada, técnicas comportamentais tais como a prescrição de tarefas a que o idoso associe a obtenção de prazer (Gallagher & Thompson, 1996 cit in Rebelo, 2007). Desta forma esta técnica foi utilizada com o objetivo do paciente realizar determinadas atividades, onde seriam posteriormente avaliadas a sua eficácia e o prazer obtido com estas (Maia, 1999). Tendo sempre em conta o bem-estar da paciente e atendendo às motivações expressas para a realização de algumas atividades, as tarefas efetuadas semanalmente foram a realização de passeios com os outros idosos, assim como voltar às aulas de canto, atividade que lhe dava bastante prazer, deste modo pode verificar-se ao longo das sessões de acompanhamento, que a paciente foi diminuindo o seu sentimento de “inutilidade” aumentando também a sua auto estima.

No final do acompanhamento a paciente já caminhava sozinha com o andarilho sem a ajuda da terapeuta, este fator aliado à realização de novas tarefas diárias, contribuiu muito para o desaparecimento dos sintomas de tristeza evidenciados inicialmente traduzindo o acompanhamento num sucesso.

Estado Atual

No momento final de avaliação, verificou-se na paciente uma regressão dos sintomas ao nível da ansiedade e humor deprimido, em parte devido ao fato de já conseguir andar de andarilho, fator que já lhe conferia alguma autonomia. A conquista da motivação, assim como a colaboração positiva e atitude recetiva demonstrada pela paciente, foram fulcrais para o sucesso da intervenção. A desconstrução dos pensamentos erróneos e o

reforço da motivação permitiram à Sra. E. sentir-se mais segura e confiante de si levando-a ao seu desempenho de sucesso.

No documento Relatório de estágio (páginas 46-52)

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