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4 DOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO E DE

5.1 CASO DA CHACINA DA CANDELÁRIA (RESP 1.334.097)

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, empregou recentemente, no REsp 1.334.097 - RJ, o direito ao esquecimento, no caso conhecido como a “Chacina da Candelária”.

Tal episódio ocorreu na noite de 23 de julho de 1993, próximo a Igreja da Candelária, no centro da cidade do Rio de Janeiro, em que oito jovens, moradores de rua, foram assassinados por policiais, sendo alguns destes inocentados e outros condenados.

Um dos absolvidos do crime, o senhor Jurandir Gomes de França moveu ação de reparação de danos morais contra a TV Globo LTDA. O promovente sustenta que a ré tentou se comunicar com ele com a intenção de entrevistá-lo em programa de TV ("Linha Direta - Justiça"). Entretanto, o postulante recusou a oferta para a realização da referida entrevista e demonstrou o desinteresse em ter sua imagem exibida em rede nacional. Ocorre que, em junho de 2006, mesmo com a negativa, o programa foi ao ar, apontando o autor como um dos envolvidos na chacina, mas que posteriormente fora inocentado.

De acordo com suas palavras, a situação já estava superada, servindo a matéria apenas para reativar na comunidade onde reside a imagem de chacinador e a fúria social, colidindo, assim, com seu direito à paz, a ser uma pessoa anônima e a privacidade, além de atingir de forma reflexa seus familiares. Alega que essa situação lhe causou abalos também em sua vida profissional, não conseguindo mais emprego, além de ter sido obrigado a se desfazer de todos os seus bens e deixar a comunidade para não ser morto por "justiceiros" ou traficantes, bem como forma de garantir a proteção de seus familiares.

Entretanto, o Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro não reconheceu o abalo moral alegado, sob o fundamento de que o interesse público da notícia estaria acima do direito ao anonimato e ao esquecimento do autor.

Inconformado com a sentença, Jurandir Gomes interpôs Recurso de Apelação, o qual foi recebido pela 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e foi provido por maioria, condenando a TV Globo ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), como meio de indenizar pelo dano moral sofrido pelo autor.

A ré, Globo Comunicações e Participações S/A, interpôs Recurso Especial, justificando que não cometeu qualquer afronta à privacidade/intimidade do autor, uma vez que os fatos eram públicos e já debatidos insistentemente na sociedade, além de que se tratava de acontecimento de grande interesse público e que nenhuma ofensa foi dirigida a Jurandir, ao contrário, foi narrada a sua absolvição ao longo do programa. Dessa forma, não poderia ser acolhido o chamado direito ao esquecimento ou de ser deixado em paz, por afrontar diretamente o seu direito de informar.

O Ministro relator Luis Felipe Salomão (2012) em seu voto argumentou que o referido conflito representa que de um lado há o legítimo interesse de querer ocultar- se e, de outro, o não menos importante interesse de se fazer revelar. Afirmou ainda que a liberdade de imprensa não é absoluta, possuindo inclusive diversas limitações, tais como:

(I) o compromisso ético com a informação verossímil; (II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)" (REsp 801.109/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2012).

O Ministro aduziu que o conflito se torna ainda mais relevante nos tempos atuais, “desafiando o julgador a solucioná-lo a partir de nova realidade social, ancorada na informação massificada que, diariamente, choca-se com a invocação de novos direitos, hauridos que sejam dos já conhecidos direitos à honra, à privacidade e à intimidade, todos eles, por sua vez, resultantes da proteção constitucional conferida à dignidade da pessoa humana”.

No início de seu voto, o Relator deixa claro que apenas está analisando o direito ao esquecimento com relação aos casos de publicações na mídia televisiva, posto que na seara da internet, a discussão ganha contornos distintos, por tratar-se de um mecanismo que não esquece o que nele é divulgado, sendo as informações “guardadas” eternamente.

Acerca da liberdade de imprensa, o Ministro Relator afirma que ela não é limitada, estando sujeita à princípios e regras, senão vejamos:

Não obstante o cenário de perseguição e tolhimento pelo qual passou a imprensa brasileira em décadas pretéritas, e a par de sua inegável virtude histórica, a mídia do século XXI deve fincar a legitimação de sua liberdade

em valores atuais, próprios e decorrentes diretamente da importância e nobreza da atividade. Os antigos fantasmas da liberdade de imprensa, embora deles não se possa esquecer jamais, atualmente, não autorizam a

atuação informativa desprendida de regras e princípios a todos impostos.

(grifou-se)

Avançando na questão em deslinde, o Relator faz uma importante consideração, ao afirmar que há verdadeiramente aqueles crimes históricos e famosos, porém há alguns que apenas o são pela exploração demasiada dos veículos de informação, acarretando consequências prejudiciais aos noticiados. Veja-se.

Há, de fato, crimes históricos e criminosos famosos; mas também há crimes e criminosos que se tornaram artificialmente históricos e famosos, obra da exploração midiática exacerbada e de um populismo penal satisfativo dos prazeres primários das multidões, que simplifica o fenômeno criminal às estigmatizadas figuras do "bandido" vs. "cidadão de bem". (grifou-se)

(...)

Outra perniciosa disfunção da exploração midiática do crime é a potencial influência direta no resultado do julgamento de delitos submetidos ao Júri, e, mais grave, mediante a veiculação de provas inadmissíveis em juízo. (...)

Pelo menos em meia dúzia de crimes noticiados nacionalmente na última década, não se pode negar, os acusados já iniciaram o julgamento condenados, e essa condenação popular prévia e sumária pode ser explicada pela natural permeabilidade dos jurados ao hiperinformacionismo a que tiveram amplo contato anteriormente

Uma de suas alegações em seu extenso voto foi que conforme é aceito em outros países, ele não carece de dúvidas quanto à aplicação do direito ao esquecimento no Brasil, tendo por base os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, como também o próprio direito positivo infraconstitucional.

Demonstra que no Direito Penal o instituto do direito ao esquecimento se mostra mais forte, eis que, por exemplo, os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes. Sendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacífica no reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que já cumpriram sua pena ou dos absolvidos. Veja-se:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO

POLICIAL ARQUIVADO. ABSOLVIÇÃO. PROCESSO PENAL.

POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. O cancelamento dos dados nos terminais de identificação, relativos a inquérito arquivado e a processo penal em que o réu foi absolvido, é pura e legítima conseqüência da garantia constitucional da presunção de não culpabilidade. 2. Recurso provido. (RMS 15.634/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2006, DJ 05/02/2007, p. 379)

Adentrando no caso concreto, qual seja, o da Chacina da Candelária, o Ministro Relator manteve integralmente o acórdão recorrido, sob o fundamento principal de que a imagem e o nome do autor não eram imprescindíveis para que a história fosse contada de forma fidedigna. Segundo o Relator, a nova veiculação do ocorrido, contendo o nome e a imagem do promovente, representou uma segunda ofensa a sua dignidade, senão vejamos:

No caso, permitir nova veiculação do fato com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera, porquanto, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida "vergonha" nacional.

Em assim sendo, foi mantida a condenação da Rede Globo a pagar indenização de R$ 50.000,00 por danos morais, acusada ter violado o direito ao esquecimento do autor.

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