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4.1 A Corte Internacional de Justiça

4.1.2 Caso dos Testes Nucleares I e II

O Caso dos Testes Nucleares divide-se em dois períodos distintos. O primeiro diz respeito aos testes nucleares atmosféricos realizados pela França entre 1966 e 1972 no atol de Mururoa, na Polinésia Francesa (arquipélago de Tuamotu, no Pacífico Sul). Desta

486 Ibidem, p. 68-86.

487 International Court of Justice. Gabčíkovo-Nagymaros Project (Hungary/Slovakia). Disponível em: <https://www.icj-cij.org/en/case/92>. Acesso em: 12 jul. 2020.

forma, em 1973 a Austrália e a Nova Zelândia levaram o caso à CIJ para que esta se manifestasse sobre a legalidade dos testes realizados, vindo o governo francês a anunciar a suspensão dos testes em 1975. Duas décadas depois, em 1995 o caso foi levado pela Nova Zelândia para que a CIJ se manifestasse sobre os novos testes nucleares (agora subterrâneos) realizados pela França no mesmo ano, vindo a França a cancelar tais testes. Austrália e Nova Zelândia alegaram ainda que tais testes representavam grande risco para suas populações, já que o local de testes é relativamente próximo de seus territórios e que, por isto, resquícios de radioatividade (mais especificamente partículas de iodo-131, estrôncio-90 e césio-137) oriundos dos testes, poderiam recair sobre pastos sob a forma de precipitação, de maneira que poderia haver uma acumulação gradativa na cadeira alimentar, colocando em perigo a saúde e vida humana488. A Austrália ainda

alegou que tal fato implicaria em violação de sua soberania, já que o depósito destes elementos radioativos se daria sem o seu consentimento.489

Gerent sublinha que, a despeito das normas internacionais de proteção ambiental tornarem ilegal o uso de armas nucleares, a CIJ concebeu que à época, inexistiam regras de Direito Internacional Ambiental que vedavam o uso de tais armas. Desta forma, o julgamento focaria não na legalidade dos testes, mas sim quanto aos efeitos dos mesmos sobre as partes reivindicantes.490

Em sua defesa, a França declarou que a CIJ não era competente para apreciar o caso, e se absteve de comparecer às audiências e de apresentar outras alegações. A Corte, então, autorizou medidas provisórias para evitar o dano que a demora do julgamento (periculum in mora) poderia causar aos requerentes em virtude da radioatividade que poderia ser depositada sobre tais territórios, ordenando que a França cessasse imediatamente os testes nucleares. Todavia, em 20 de dezembro de 1974, a Corte julgou que os pedidos da Austrália e da Nova Zelândia já não tinha mais sentido, isto é, ambos países haviam perdido o interesse processual, já que a França -à época- já havia cessado os testes, portanto, resolvendo a lide sem apreciar o mérito.491

488 FOSTER, Caroline E. Science and the precautionary principle in international courts and tribunals:

expert evidence, burden of proof and finality. New York: Cambridge University Press, 2011, p. 54-55.

489 GERENT, Juliana. Op. cit., p. 104. 490 Ibidem, p. 103.

491 International Court of Justice. Nuclear Tests (Australia v. France). Disponível em: <https://www.icj- cij.org/en/case/58>. Acesso em: 12 jul. 2020.

Na sentença, a CIJ também apontou que o Comitê Científico das Nações Unidas sobre os Efeitos da Radiação Atômica (United Nations Scientific Committee on the Effects

of Atomic Radiation - UNSCAER) havia registrado quantidades razoáveis de matéria

radioativa proveniente de testes em todo o mundo, entretanto, a quantidade de matéria produzida pela França era extremamente pequena, tornando improvável uma possível precipitação radioativa que colocasse a população neozelandesa em risco.492

Em agosto de 1995, a Nova Zelândia pediu para a Corte reexaminar a situação, nos termos do parágrafo 63493, da sentença pronunciada em dezembro de 1974, após a

declaração do presidente francês de que mais oito testes seriam feitos na região a partir de setembro de 1995, alegando que o governo francês seguia fazendo testes no subsolo marinho - não somente no atol de Mururoa, como também no atol de Fangataufa. No mesmo dia em que apresentou a sua inicial, a Nova Zelândia também requereu à secretaria da Corte um pedido adicional de medidas provisórias, para que a França não viesse a realizar tais testes. A CIJ, porém, apesar de entender o direito da requerente de solicitar reexame, mencionou que as circunstâncias eram outras, já que a ocasião agora era concernente a testes no subsolo, e não mais testes atmosféricos, e que por isso tais circunstâncias não afetavam o julgamento de 1974. Portanto, o pedido de revisão da decisão e as medidas provisórias, foram rejeitadas pela Corte, que rejeitou também os pedidos de intervenção apresentados pelos seguintes países: Austrália, Samoa, Ilhas Salomão, Ilhas Marshall e Estados Federados da Micronésia.494

As opiniões dissidentes deste caso foram elogiadas pela comunidade internacional, já que contemplaram uma análise sobre o princípio da precaução no Direito Internacional Ambiental, diante da possibilidade de dano ambiental. Gerent relembra que o voto do juiz Weeramantry também contemplou outros princípios como o da equidade intergeracional, isto é, no direito que as futuras gerações têm de acesso a um meio ambiente marinho sadio, pontuando ainda que os efeitos das armas nucleares sobre o meio ambiente eram profundamente nocivos e perduravam por muito tempo. O juiz Koroma

492 FOSTER, Caroline E.. Op. cit., p. 56.

493 International Court of Justice. Request for an Examination of the Situation in Accordance with Paragraph 63 of the Court's Judgment of 20 December 1974 in the Nuclear Tests (New Zealand v. France) Case. Disponível em: <https://www.icj-cij.org/en/case/97>. Acesso em: 12 jul. 2020. No original: “Once the Court has found that a State has entered into a commitment concerning its future conduct it is not the Court’s function to contemplate that it will not comply with it. However, the Court observes that if the basis of this Judgment were to be affected, the Applicant could request an examination of the situation in accordance with the provisions of the Statute ...”.

acrescentou que a CIJ poderia ter levado em consideração os atuais estudos sobre Direito Internacional Ambiental antes de julgar improcedente o pedido de reexame formulado pela Nova Zelândia. Enquanto o juiz Geoffrey Palmer sustentou o desenvolvimento da disciplina e que os documentos internacionais até então existentes (sobretudo a Declaração de Estocolmo, de 1972, e da Declaração do Rio, de 1992) fundamentavam o pedido da Nova Zelândia, e que a precaução constituía costume internacional.495

Apesar de ambos casos não terem tido o desfecho que os requerentes aguardavam, o Caso dos Testes Nucleares é de extrema monta, visto que a CIJ concedeu medidas provisionais baseadas na precaução, ou seja, diante da incerteza dos riscos (e da possibilidade de um dano irreparável) que tais testes apresentavam à população local. Deste modo, infere-se que não somente o princípio da boa vizinhança como também a obrigação de não lesar outrem foram invocadas, já que evidentemente trava-se de um problema transnacional, levando em consideração que a demora no julgamento poderia acarretar graves problemas aos litigantes, mesmo que não compartilhassem fronteira territorial com o atol de Mururoa.