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Caso Geisy Arruda versus Unibam

No documento Em busca do conceito de dano moral (páginas 106-108)

2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL — CONCEITO DANO MORAL

2.3 Julgados de “repercussão pública”

2.3.3 Caso Geisy Arruda versus Unibam

No ano de 2009, após sofrer achaques e atos de humilhação pública por seus colegas nas dependências de instituição de ensino por trajar “vestido curto, estilo balonê, de mangas e sem decotes” — inclusive com a requisição de força policial e a publicação de duas matérias pagas em jornais de grande circulação no Estado de São Paulo, informando falsa expulsão da aluna por atentados ao decoro e à dignidade pública —, Geisy Vila Nova Arruda, ajuizou procedimento judicial em face da Unibam alegando falha na prestação de serviços com consequente lesão a direitos de personalidade, mais especificamente à sua incolumidade física.

O fato ficou ainda mais notório depois que diversos programas de televisão convidaram Geisy para dar sua versão pública dos acontecimentos e, de igual forma, propiciaram o surgimento de uma “celebridade”.

Mas, apesar de toda a repercussão pública, o juiz de direito da 9ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo foi ponderado o suficiente para não se deixar influenciar pela mídia e decidir a questão com base na aferição do preenchimento dos elementos da responsabilidade civil no caso concreto: “apesar das longas razões expostas pelas peças que protagonizam o processo a questão, em última análise, resume-se a descobrir, a partir do conjunto probatório, a existência dos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil da ré.” (SÃO PAULO, 2010).

Para tanto, e embasado nos arts. 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor, o juiz aplicou as regras da responsabilidade objetiva ao caso, determinando que somente o dano

61 Sobre o assunto, a sentença apenas colacionou parte do texto da advertência de IAGO a OTELO, na obra de

Shakespeare “O MOURO DE VENEZA” — ato III, cena 3, tradução de Osvaldo Pennafort —, mas não com o intuito de explicar o significado da honra, mas sim de demonstrar que a violação da honra merece, sim, ser compensada quando ocorrida. Contudo não explicou como e porque ocorreu tal violação.

e o liame causal deveriam ser configurados para que a ré fosse condenada ao dever de indenizar. E, após a apreciação das provas e testemunhos, não exarou conclusão bem delimitada sobre o dano efetivamente sofrido pela autora, porquanto se dedicou mais profundamente a explicar o liame causal existente no caso.

O juiz — rebatendo a tese da ré de que a autora havia vestido a roupa curta de maneira propositada e com intuito de se aproveitar da situação para ganhar dinheiro e se tornar “celebridade” — apenas fundamentou a inexistência de culpa exclusiva de Geisy, dizendo que o ato havia apenas demonstrado faceta de vaidade, e não planejamento ou intuito prévio de tirar vantagem sobre situação. Consequentemente, concluiu que persistiria “a responsabilidade da requerida pelos fatos acima narrados, como também pela ampla divulgação da expulsão da autora, fato este que, por si só, já ensejaria reparação”.

Diante do exposto, reforça-se a crítica realizada nos tópicos antecedentes de que uma boa parte das decisões que versam sobre danos morais não se debruça adequadamente sobre o assunto. Primeiro, porque o juiz não se esmerou em analisar a ocorrência do dano, o que se dá por meio da sua conceituação; segundo, porque ele se preocupou apenas com os demais elementos da responsabilidade civil, como se o dano fosse algo já intrínseco ou dado pelos fatos narrados, tal como a ideia do dano in re ipsa sugere.

A decisão aqui analisada, no entanto, é ainda mais passível de críticas, pois, além de ignorar por completo a verificação do dano sofrido por Geisy que levou à condenação da Unibam ao pagamento de danos morais, ainda sugeriu, de maneira bem indireta, que este elemento se confundiria com as consequências havidas após os atos de achaque e palavras de baixo escalão proferidas pelos colegas de faculdade, in litteris:

Não fossem as situações angustiantes e aflitivas enfrentadas no interior da instituição de ensino, a requerida ainda qualificou a autora de perturbadora da ética, dignidade e moralidade e, pior, divulgou os motivos da expulsão em jornais de grande circulação. A “nota de expulsão” divulgada pela Uniban após o evento ocorrido no campus ABC desqualificou a aluna, atribuindo predicados que incidem na esfera de reprovação ético-social, fazendo aflorar o dano moral indenizável. (SÃO PAULO, 2010).

A sentença foi objeto de recurso de apelação ao TJSP (SÃO PAULO, 2012, Apelação com revisão n. 0054718-89.2009.8.26.0564), que, levando em consideração que “ambas as partes [...] consideram o caso emblemático”, já que “a autora entende que foi desastroso o comportamento da Universidade, que a colocou em situação vexatória pública, não resguardando a consequência-natural de episódio que lhe foi ofensivo”, e a ré, “a

Universidade, por sua vez, entendendo que a autora criou situação de escândalo, não aceita que ela seja premiada com vantagens que fomentem a repetição do comportamento desairoso”, de igual forma, não se pronunciou a respeito dos danos, cingindo-se ao reconhecimento de culpa concorrente entre as partes e mantendo a sentença sem nenhum reparo, a saber:

Ambas as ponderações devem ser consideradas. O vínculo que surge entre o aluno e a Universidade sugere comportamento moral paradigmático da instituição de ensino. O erro eventual do aluno não pode, por outro lado, dar ensejo à repercussão mais escandalosa do que o acontecimento em si considerado. A notícia pública da expulsão da autora foi ato grave. Tão grave quanto à conduta dela de escandalizar os alunos: falhou a autora, por primeiro, pela temeridade e a ré, depois, pela má condução do episódio, ofendendo a autora pela maneira despropositada com que levou a público sua versão dos fatos, sem o cuidado necessário para não piorar as consequências de um fato triste.

Por isso, nega-se provimento a ambos os recursos porque a ré não podia ter agravado a repercussão do fato com a publicação da notícia de forma tão escandalosa quanto o fato que, por si só, não recomendava, nem a aluna, nem a instituição.

Tendo em vista o arbitramento diuturno de indenizações, efetuado por esta Corte, bem como diante da análise de toda situação relatada acima, além da verificação da existência de culpa concorrente de ambas as partes, observa- se que, in casu, não se vê razão para outras considerações. O nobre

Magistrado lançou um valor que no contexto global dos fatos bem remunera a autora e lhe dá satisfação pelas agressões de que foi vítima. Os consectários legais incidentes sobre este valor permanecem mantidos, tais como fixados na r. sentença atacada.

Igualmente, os ônus sucumbenciais (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. 34ª Câmara. Apelação com revisão n. 0054718-89.2009.8.26.0564. Relator: des. Rosa Maria de Andrade Nery. DJe, 29 mar. 2012.)

No documento Em busca do conceito de dano moral (páginas 106-108)