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Neste capítulo serão abordados três casos clínicos observados no HVBV. Pretendeu descrever-se uma amostra de casos distintos de babesiose canina, na tentativa de demonstrar que por vezes esta doença pode ter apresentação simples e resolução fácil e, outras vezes, complicações e pior prognóstico.

Ao longo do período de estágio, foi possível observar 12 cães com suspeita da chamada “febre da carraça”. Nesses animais, o diagnóstico de babesiose foi realizado através da observação de formas intra-eritrocitárias compatíveis com Babesia spp. em esfregaços sanguíneos ou através de testes serológicos. Nos casos suspeitos em que não foram observados agentes da babesiose nos esfregaços e não foram realizadas serologias nem PCR por limitação económica dos proprietários, foi administrado dipropionato de imidocarb (Imizol®, MSD), observando-se melhoria dos sinais clínicos. Para este trabalho foram utilizados três casos com diagnóstico comprovado de babesiose canina, dois casos retirados de ficheiros clínicos cedidos pelo HVBV e outro que foi acompanhado na íntegra pela autora durante o período de estágio.

A autora optou por organizar a informação sobre a forma de tabelas, utilizando um sistema de setas para indicar quando os valores se encontravam acima (↑) ou abaixo (↓) do intervalo de referência.

Dois dos casos clínicos abordados foram utilizados num estudo científico, ainda por publicar, tendo sido utilizado PCR e sequenciação de ADN para identificação da espécie infetante, utilizando-se o resultado desses testes neste trabalho.

A extração de ADN das amostras de sangue total em EDTA foi realizada no laboratório da Escola Universitária Vasco da Gama (EUVG) através de um “kit” comercial (E.Z.N.A.® Blood DNA Mini Kit, Omega Bio-Tek, Norcross, GA, EUA), respeitando as instruções do fabricante.

A amplificação de ADN de Babesia spp. foi realizada no Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) de acordo com o descrito por Maia et al. (2015) (92). A PCR foi realizada no termociclador Bio-Rad® T100 (US), com as sequências iniciadoras (“primers”) PIRO-A (5'-AAT ACC CAA TCC TGA CACAGG G-3') e PIRO-B (5'-TTA AAT ACG AAT GCC CCCAAC-3'), utilizando-se uma amostra de ADN genómico de Babesia spp. como controlo positivo e água bidestilada como controlo negativo.

Os amplímeros foram separados por eletroforese em gel de agarose e enviados para sequenciação de ADN, para determinação da espécie infetante.

A sequenciação foi realizada em laboratório comercial (Stabvida®, Portugal), utilizando como indicadores de sequenciação as mesmas sequências iniciadoras

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utilizadas na amplificação de ADN. A análise das sequências nucleotídicas obtidas foi elaborada através da comparação pela ferramenta “on-line” BLAST (do Inglês “Basic Local Alignment Search Tool”), com sequências depositadas no GenBank (disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov). Um nível de similaridade igual ou superior a 95% foi aceite como indicativo de elevado grau de confiança.

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4.1 CASO CLÍNICO Nº 1

I. Identificação do animal

Nome: Cadela 1

Espécie: Cão (Canis familiaris) Raça: Golden Retriever

Sexo: Fêmea

Estado reprodutivo: Não castrada Idade: 6 anos

Peso: 27 kg

II. Amamnese

A cadela encontrava-se gestante desde 27 de dezembro de 2011, não tendo manifestado quaisquer problemas durante a gestação. No dia 19 de fevereiro de 2012 (48º dia de gestação), os proprietários tinham notado corrimento vaginal mas não foram capazes de descrever com exatidão as características do mesmo. No dia seguinte a cadela mostrou-se mais prostrada e a beber mais água e no dia 21 de fevereiro apresentou corrimento vaginal amarelado e vómito biliar. Por essa razão, foi levada à consulta no HVBV.

III. Exame físico

Ao exame físico, a cadela mostrava-se prostrada, com mucosas pálidas e desidratação (6 – 7%).

IV. Diagnósticos diferenciais

O corrimento vaginal poderia indicar a existência de aborto e a palidez das membranas mucosas poderia levar a suspeitar de anemia devido a infeções parasitárias ou víricas, endotoxemia, perda de sangue por trauma, ingestão de tóxicos ou doença do sistema gastrointestinal.

V. Exames complementares de diagnóstico

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Tabela 1 – Resultados do hemograma da Cadela 1 no dia da consulta (21 de

fevereiro).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Eritrócitos 3,6 ↓ 5,5 – 8.5 M/μL Hematócrito 28,1 ↓ 37 – 55% Hemoglobina 11 ↓ 12 – 18 g/dL MCV 78 ↑ 60 – 77 fL MCH 30,7 ↑ 18,5 – 30 pg MCHC 39,3 ↑ 30 – 37.5 g/dL RDW 16,8 14,7 – 17.9% Leucócitos 8,48 5,5 – 16.9 K/μL Neutrófilos 5,95 2 – 12 K/μL Linfócitos 1,15 0,5 – 4.9 K/μL Monócitos 1,12 0,3 – 2 K/μL Eosinófilos 0,22 0,1 – 1.49 K/μL Basófilos 0,05 0 – 0.1 K/μL Plaquetas 27 ↓ 175 – 500 K/μL

Valores com ↓ ou ↑ estão abaixo ou acima do intervalo de referência, respetivamente.

Bioquímica sérica: verificou-se aumento da enzima BUN e diminuição da

enzima ALT (Tabela 2).

Tabela 2 – Resultados da bioquímica sérica da Cadela 1 no dia da consulta (21 de

fevereiro).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Glucose 131 74 – 143 mg/dL Ureia (BUN) 126 ↑ 7 – 27 mg/dL Creatinina 0,5 – 1,8 mg/dL Albumina 2,7 2,3 – 4 g/dL ALT ˂10 ↓ 10 – 100 U/L FA 185 23 – 212 U/L

Valores com ↓ ou ↑ estão abaixo ou acima do intervalo de referência, respetivamente.

Esfregaço sanguíneo: detetou-se a presença de formas parasitárias intra-

eritrocitárias compatíveis com Babesia spp. e confirmou-se a existência de trombocitopenia.

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Teste de auto-aglutinação em lâmina: exame macroscópico positivo; exame

microscópico positivo.

Ecografia abdominal: gestação de seis fetos, que se encontravam todos

viáveis e sem sinais de stresse fetal. Sem alterações nos restantes órgãos abdominais.

VI. Diagnóstico

A cadela foi diagnosticada com babesiose.

VII. Tratamento e evolução

A cadela foi internada no dia da consulta, recebeu fluidoterapia com solução de lactato de Ringer (LR®, Braun) à taxa de 120 ml/h. Como manifestava hiporexia e vómito, a fluidoterapia foi suplementada com glicose a 2,5% e cloreto de potássio. Foi- -lhe oferecida dieta húmida, mas não manifestou apetite.

Durante o internamento, o tratamento consistiu na administração do corticosteroide sucinato sódico de metilprednisolona (Solu-medrol®, Pfizer), na posologia de 2 mg/kg, IV, BID; do antiprotozoário dipropionato de imidocarb (Imizol®, MSD), administração única de 6,6 mg/kg, SC; de metoclopramida (Metoclopramida®, Labesfal) na posologia de 0,25 mg/kg, SC, BID, como antiemético; e de ranitidina (Zantac®, GlaxoSmithKlein) na posologia de 2 mg/kg, SC, BID, como protetor gástrico. Relativamente à antibioterapia, idealmente utiliza-se doxiciclina por via oral mas como a cadela apresentava vómito e anorexia optou-se pela utilização de enrofloxacina (Alsil®, Ecuphar NV) na posologia de 5 mg/kg, SC, SID. Mais tarde, associou-se a ampicilina (Ampicilina®, Labesfal), na posologia de 10 mg/kg, IV, TID.

Quando a cadela apresentou aumento de apetite, a administração do sucinato sódico de metilprednisolona foi substituído pela administração de prednisolona (Lepicortinolo®, Labesfal), na posologia de 2 mg/kg, PO, SID.

Ao 3º dia de internamento, a cadela recebeu uma transfusão sanguínea. O valor do hematócrito anteriormente à transfusão era de 19% e três horas após esta terminar tinha subido para 23%.

Ao 5º dia de internamento a cadela foi sujeita a cesariana. Estava gestante de seis cachorros, três estavam mortos e outro acabou por morrer durante a noite.

Periodicamente, foram sendo realizadas análises para controlo da função hepática e renal (Tabelas 3 e 4) e dos valores de microhematócrito (Tabela 5).

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Tabela 3 – Resultados da ureia e creatinina da Cadela 1 no dia 23 de fevereiro (3º dia

de internamento).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Ureia (BUN) 78,4 ↑ 7 – 27 mg/dL

Creatinina 0,8 0,4 – 1,4 mg/dL

O valor com ↑ está acima do intervalo de referência.

Tabela 4 – Resultados da ureia e creatinina da Cadela 1 no dia 27 de fevereiro (7º dia

de internamento).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Ureia (BUN) 9 7 – 27 mg/dL

Creatinina 0,8 0,5 – 1,8 mg/dL

Ao fim de 8 dias de internamento (28 de fevereiro), a cadela estava bem- disposta e a comer sozinha. Teve alta e para casa foi-lhe prescrito o antibiótico amoxicilina com ácido clavulânico (Nisamox® 500mg, Norbrook) na posologia de 20 mg/kg, PO, BID; o corticosteroide prednisolona (Lepicortinolo®), na posologia de 2 mg/kg, PO, SID; e o protetor gástrico famotidina (Lasa®, Euro-Labor) na posologia de 0,5 mg/kg, PO, SID.

Durante o internamento, os dois cachorros sobreviventes foram amamentados com leite de substituição e em casa continuaram a ser amamentados pelos proprietários.

A cadela regressou à consulta dia 2 de março mostrando-se bem-disposta. Não foram encontrados hemoparasitas no esfregaço sanguíneo nem aglutinação, foi detetado presença de anemia e leucograma de stresse (Tabela 6). A terapia prescrita foi mantida, reavaliando-se no dia da segunda administração de dipropionato de imidocarb que ocorreu a 7 de Março. Foi necessário manter a terapia mais uma semana e no dia 14 de Março o valor de microhematócrito estava dentro dos valores de referência (Tabela 5) e o teste de auto-aglutinação foi negativo, descontinuando-se assim a antibioterapia e iniciando-se o desmame do corticosteroide.

Posteriormente foi realizada PCR e sequenciação de ADN, que permitiram a confirmação da infeção por Babesia spp., e identificar a espécie B. canis.

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Tabela 5 – Resultados do microhematócrito e teste de auto-aglutinação em lâmina e

características do plasma da Cadela 1.

Data Microhematócrito (%)

Auto-aglutinação em lâmina

Plasma

22/02/11 9h – 25 ↓ Positivo Muito ictérico

23/02/11 9h – 23 ↓ 14h – 19 ↓ 18h – 23 ↓ 23h – 25 ↓ Positivo Ictérico 24/02/11 9h – 28 ↓ 16h – 25 ↓ 22h – 27 ↓ Positivo Ictérico 25/02/11 16h – 27 ↓ Positivo Ictérico 26/02/11 16h – 26 ↓ Positivo Ictérico 27/02/11 10h – 25 ↓ Positivo Ictérico 28/02/11 9h – 27 ↓ 22h – 29 ↓ Negativo Ictérico 29/03/11 16h – 29 ↓ Negativo Ictérico 02/03/11 28 ↓ Negativo Ictérico 14/03/11 42 Negativo Límpido

Valores com ↓ estão abaixo do intervalo de referência.

Tabela 6 – Resultados do hemograma da Cadela 1 no dia 2 de março (4 dias após a

alta).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Eritrócitos 3,9 ↓ 5,5 – 8,5 M/μL Hematócrito 24,5 ↓ 37 – 55% Hemoglobina 9,4 ↓ 12 – 18 g/dL MCV 79,3 ↑ 60 – 77 fL MCH 30,5 ↑ 18,5 – 30 pg MCHC 38,4 ↑ 30 – 37,5 g/dL RDW 19,1 ↑ 14,7 – 17,9% Leucócitos 34,52 ↑ 5,5 – 16,9 K/μL Neutrófilos 25,05 ↑ 2 – 12 K/μL Linfócitos 1,37 0,5 – 4,9 K/μL Monócitos 7,47 ↑ 0,3 – 2 K/μL Eosinófilos 0,54 0,1 – 1,49 K/μL Basófilos 0,06 0 – 0,1 K/μL Plaquetas 296 175 – 500 K/μL

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4.2 CASO CLÍNICO Nº 2

I. Identificação do animal

Nome: Cão 2

Espécie: Cão (Canis familiaris) Raça: Sem raça definida Sexo: Macho

Estado reprodutivo: Não castrado Idade: 7 anos

Peso: 7,8 kg

II. Amamnese

O cão veio à consulta dia 1 de fevereiro de 2017 com queixa de anorexia que durava há 3 dias. Os proprietários tinham visto urina escura e no dia da consulta tinha vomitado uma vez. O animal encontrava-se vacinado contra a raiva e tinha sido desparasitado externamente em Dezembro com permetrina e imidacloprida (Advantix®, Bayer). Apresentava-se responsivo e alerta.

III. Exame físico

A temperatura rectal do cão era de 40,5ºC e o restante exame físico não apresentava alterações. Foi detetado um testículo ectópico (pré-escrotal) e possuía uma fratura antiga do cotovelo que os proprietários não quiseram tratar quando sucedeu.

IV. Diagnósticos diferenciais

A presença de hemoglobinúria e febre conduziu à suspeita de doença do sistema urinário, hemoparasitoses, anemia, ingestão de tóxicos.

V. Exames complementares de diagnóstico

Hemograma: verificou-se presença de pancitopenia (anemia ligeira,

trombocitopenia e leucopenia marcada com neutropenia, linfopenia, monocitopenia e eosinopenia) (Tabela 7).

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Tabela 7 – Resultados do hemograma do Cão 2 no dia da consulta (1 de fevereiro).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Eritrócitos 5,41 ↓ 5,5 – 8,5 M/μL Hematócrito 38,2 37 – 55% Hemoglobina 13,1 12 – 18 g/dL MCV 70,6 60 – 77 fL MCH 24,2 18,5 – 30 pg MCHC 34,2 30 – 37,5 g/dL RDW 14,8 14,7 – 17,9% Leucócitos 2,07 ↓ 5,5 – 16,9 K/μL Neutrófilos 1,44 ↓ 2 – 12 K/μL Linfócitos 0,29 ↓ 0,5 – 4,9 K/μL Monócitos 0,29 ↓ 0,3 – 2 K/μL Eosinófilos 0,03 ↓ 0,1 – 1,49 K/μL Basófilos 0,02 0 – 0,1 K/μL Plaquetas 21 ↓ 175 – 500 K/μL

Valores com ↓ estão abaixo do intervalo de referência.

Esfregaço sanguíneo: detetou-se a presença de formas parasitárias intra-

eritrocitárias compatíveis com Babesia spp. e confirmou-se a existência de trombocitopenia.

Teste de auto-aglutinação em lâmina: exame macroscópico positivo; exame

microscópico positivo.

VI. Diagnóstico

O cão foi diagnosticado com babesiose.

VII. Tratamento e evolução

Como a anemia era ligeira e o cão estava alerta e responsivo optou-se por não internar. Administrou-se dipropionato de imidocarb (Imizol®, MSD) na posologia de 6,6 mg/kg, SC e o corticosteroide sucinato sódico de metilprednisolona (Solu-medrol®, Pfizer), 2 mg/kg, administração única, IM. Para casa, foi prescrito como imunossupressor a prednisolona (Lepicortinolo®, Decomed) na posologia de 2 mg/kg, PO, SID; como antibiótico a doxiciclina (Actidox®, Laboratoires Bailleul) na posologia de 10 mg/kg, PO, SID e como protetor gástrico a famotidina (Lasa®, Euro-Labor) na posologia de 0,5 mg/kg, PO, SID.

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O cão voltou à consulta no dia seguinte. Os proprietários referiram que comeu e não houve episódios de vómito. Notaram alteração na cor da urina, tendo-se tornado mais clara. Ao exame físico, apresentou mucosas ligeiramente pálidas, temperatura rectal de 38,7ºC. Manteve-se a medicação oral, iniciando-se o desmame da prednisolona. Foi prescrita isoxazolina fluralaner (Bravecto®, MSD) para este animal e para os dois cães que viviam com ele.

No dia 4 de fevereiro regressou ao hospital. Tinha vomitado a medicação e encontrava-se prostrado. O valor do microhematócrito estava diminuído, as proteínas totais ligeiramente aumentadas (Tabela 9), o esfregaço sanguíneo foi negativo para a presença de Babesia spp. e o teste de auto-aglutinação foi positivo. Neste caso havia contenção de custos, razão pela qual se realizaram análises apenas para os valores de ALT e BUN para avaliar a função hepática e renal, respetivamente, e estes encontravam-se dentro dos intervalos de referência (Tabela 8).

Tabela 8 – Resultados da bioquímica sérica do Cão 2 no dia 4 de fevereiro (1º dia de

internamento).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Ureia (BUN) 18,2 7 – 27 mg/dL

ALT 61 17 – 68 U/L

Foi internado e sujeito a terapia de suporte, através da administração de solução de lactato de Ringer (LR®, Braun) à taxa de 30 ml/h e dieta húmida. O tratamento consistiu na administração de sucinato sódico de metilprednisolona (Solu- medrol®, Pfizer) na posologia de 2 mg/kg, IV, BID; citrato de maropitant (Cerenia®, Pfizer) na posologia 1 mg/kg, SC, SID, apenas durante os dois primeiros dias de internamento e metoclopramida (metoclopramida®, Labesfal), 1 mg/kg, IV, infusão continua, ambos antieméticos; e ranitidina (Zantac®, GlaxoSmithKlein), na posologia de 2 mg/kg, SC, BID como protetor gástrico, mantendo-se a administração de doxiciclina.

Ao longo do internamento, foi sendo feito o controlo periódico dos valores de microhematócrito, proteínas totais, da auto-aglutinação em lâmina e das características do plasma (Tabela 9).

Houve uma resposta favorável ao tratamento e ao 4º dia (7 de fevereiro) o cão teve alta. Dois dias depois, regressou à consulta para controlo. Não tinha vómito mas ainda não tinha recuperado o apetite. Possuía auto-aglutinação microscópica e o valor de micro-hematócrito continuava baixo (19%). A posologia de corticosteroides foi mantida até ao dia 13 de Fevereiro, quando regressou para controlo. Nesse dia, o

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micro-hematócrito era de 32% e não existiam sinais de imunomediação. Foi programado o desmame da prednisolona através da diminuição gradual da dose e manteve-se a administração de doxiciclina.

Conforme marcado, catorze dias após a primeira administração repetiu-se o dipropionato de imidocarb e fez o controlo do valor de microhematócrito que estava dentro do intervalo de referência (Tabela 9), parando-se então a terapia.

Quinze dias após a última consulta foi feita a reavaliação do animal, não apresentando sinais de sinais de doença.

Tabela 9 – Resultados do microhematócrito, proteínas totais, teste de auto-

aglutinação em lâmina e características do plasma do Cão 2.

Data Microhematócrito (%) Proteínas totais (g/dL) Auto- aglutinação em lâmina Plasma 04/02/2017 9h – 23 ↓ 7,6 ↑ Positivo Ligeiramente ictérico 05/02/2017 17h – 18 ↓ 7 Positivo Ligeiramente ictérico 06/02/2017 9h – 18 ↓ 6,6 Positivo Ligeiramente ictérico 07/02/2017 10h – 20 ↓ 7 Duvidoso Límpido 09/02/2017 19 ↓ – Positivo Límpido 13/02/2017 32 ↓ – Negativo Límpido 14/02/2017 42 – Negativo Límpido

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4.3 CASO CLÍNICO Nº 3

I. Identificação do animal

Nome: Cadela 3

Espécie: Cão (Canis familiaris) Raça: Podengo Português Sexo: Fêmea

Estado reprodutivo: Não castrada Idade: 3 anos

Peso: 9 kg

II. Amamnese

Em dezembro de 2010, a cadela tinha sido diagnosticada com babesiose e recebido tratamento na Clínica Veterinária de Oiã (pertencente ao grupo HVBV). Nessa altura teve necessidade de receber uma transfusão sanguínea, tendo sido feita a tipificação sanguínea que indicou que o grupo sanguíneo da cadela era DEA 1.1 positivo. A cadela não apresentou grandes complicações e acabou por recuperar completamente.

No dia 16 de novembro de 2011, foi trazida à consulta ao HVBV. Nos dias antecedentes o proprietário notou que estava mais parada e que tinha perda de apetite e no dia anterior à consulta tinha-lhe administrado doxiciclina e um anti-inflamatório não esteroide, ambos adquiridos sem prescrição veterinária. No dia da consulta, apresentava-se completamente prostrada, tendo sido esse o motivo pelo qual tinha sido trazida ao hospital. Era uma cadela de exterior e não estava corretamente desparasitada externa nem internamente.

III. Exame físico

A cadela apresentava prostração, membranas mucosas ictéricas e temperatura retal de 37,1ºC.

IV. Diagnósticos diferenciais

A possibilidade de contato com carraças devido à falta de desparasitação externa e a história passada de babesiose leva à suspeita de hemoparasitoses, podendo tratar-se novamente de babesiose ou de outra doença.

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A presença de icterícia pode ter origem em doenças que provoquem hemólise como doenças infeciosas, ingestão de tóxicos ou anemia hemolítica; doença hepatobiliar como colangiohepatite; e colestase pós-hepática devido a pancreatite, trauma, enterite ou colecistite.

V. Exames complementares de diagnóstico

Hemograma: verificou-se presença de anemia, leucopenia com linfopenia e

eosinopenia e trombocitopenia (Tabela 10).

Tabela 10 – Resultados do hemograma da Cadela 3 no dia da consulta (16 de

novembro).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Eritrócitos 3,5 ↓ 5,5 – 8,5 M/μL Hematócrito 12 ↓ 37 – 55% Hemoglobina 12,2 12 – 18 g/dL MCV 67,0 60 – 77 fL MCH 22,3 18,5 – 30 pg MCHC 33,3 30 – 37,5 g/dL RDW 15,7 14,7 – 17,9% Reticulócitos 30,9 10 – 110 K/μL Leucócitos 3,96 ↓ 5,5 – 16,9 K/μL Neutrófilos 3,04 2 – 12 K/μL Linfócitos 0,36 ↓ 0,5 – 4,9 K/μL Monócitos 0,44 0,3 – 2 K/μL Eosinófilos 0,10 ↓ 0,1 – 1,49 K/μL Basófilos 0,04 0 – 0,1 K/μL Plaquetas 38 ↓ 175 – 500 K/μL

Valores com ↓ estão abaixo do intervalo de referência.

Bioquímica sérica: a cadela apenas apresentou valor baixo de creatinina, não

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Tabela 11 – Resultados da bioquímica sérica da Cadela 3 no dia da consulta (16 de

novembro).

Parâmetro Resultados das análises Intervalo de referência

Glucose 87 74 – 143 mg/dL Ureia (BUN) 27 7 – 27 mg/dL Creatinina 0,2 ↓ 0,5 – 1,8 mg/dL Albumina 3,7 2,3 – 4 g/dL ALT 41 10 – 100 U/L ALP 129 47– 254 U/L FA 185 23 – 212 U/L

Valores com ↓ estão abaixo do intervalo de referência.

Esfregaço sanguíneo: detetou-se a presença de formas parasitárias intra-

eritrocitárias compatíveis com Babesia spp. e confirmou-se a existência de trombocitopenia.

Teste de auto-aglutinação em lâmina: exame macroscópico positivo; exame

microscópico positivo.

VIII. Diagnóstico

O cão foi diagnosticado com babesiose.

VI. Tratamento e evolução

A cadela foi internada no dia da consulta e recebeu fluidoterapia com solução de Cloreto de Sódio (NaCL 0,9%®, Braun) à taxa de 45 ml/h. Após hidratação, foi iniciada terapia com metoclopramida (metoclopramida®, Labesfal) na posologia de 0,25 mg/kg, SC, BID e citrato de maropitant (Cerenia®, Pfizer) na posologia 1 mg/kg, SC, SID; como antieméticos; ranitidina (Zantac®, GlaxoSmithKlein) na posologia de 2 mg/kg, SC, BID como protetor gástrico; com o corticosteroide sucinato sódico de metilprednisolona (Solu-medrol®, Pfizer) na posologia de 2 mg/kg, IV, BID; e o antibiótico doxiciclina (Actidox®, Laboratoires Bailleul) na posologia de 10 mg/kg, PO, SID. Além disso, administrou-se dipropionato de imidocarb (Imizol®, MSD) na posologia de 6,6 mg/kg, SC.

Devido à gravidade do seu estado de saúde, a cadela recebeu, por volta das 12 horas, uma transfusãosanguínea de um dador DEA 1.1 positivo. O valor do micro- hematocrito era de 10% antes da transfusão e, por volta das 17 horas, tinha subido para os 18%.

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Durante a tarde apresentou vómito e, por volta das 21 horas, começou a manifestar tremores, nistagmos horizontais e frequência cardíaca aumentada, a temperatura corporal permaneceu normal. Para controlar os tremores foi feita uma administração de diazepam por via retal, que seria repetida no dia seguinte pela manhã. Durante a noite, voltou a repetir-se o microhematócrito e este mantinha-se no valor de 18%.

Ao longo do 2º dia de internamento (17 de novembro), a cadela apresentou hiporexia, mucosas ictéricas e hemoglobinúria que até então ainda não tinha sido detetada. Nesse dia, notou-se que a cadela parecia ter perdido a visão. Realizou-se o teste da ameaça que confirmou a suspeita.

No 3º dia, ao início da tarde, foi sujeita a nova transfusão sanguínea e à noite, o valor de micro-hematócrito tinha subido para os 19%. No dia seguinte, a cadela continuou a manifestar tremores.

No 5º dia de internamento, foram adicionados à terapia, prednisolona (Lepicortinolo®, Decomed) na posologia de 2 mg/kg, PO, SID, e famotidina (Lasa®, Euro-Labor) na posologia de 0,5 mg/kg, PO, SID e cessou-se a administração de ranitidina e sucinato sódico de metilprednisolona. À noite, durante o passeio foi-lhe detetada ataxia.

Ao longo do internamento, foi sendo feito o controlo periódico dos valores de microhematócrito, proteínas totais, da auto-aglutinação em lâmina e das características do plasma (Tabela 12).

Ao 7º dia de internamento (22 de novembro), o tratamento da cadela passou a consistir apenas na administração de doxiciclina, prednisolona e famotidina nas posologias anteriormente descritas. O valor de micro-hematócrito estava baixo, o valor das proteínas totais estavam dentro do intervalo de referência (Tabela 12) e o teste de auto-aglutinação em lâmina era duvidoso. No dia seguinte, a cadela teve alta, continuando a terapia com os três fármacos descritos anteriormente. Foi explicado ao proprietário a importância da desparasitação externa regular inclusivamente nos meses mais frios.

Três dias depois (25 de novembro) regressou para controlo. Mostrou-se ativa e segundo o proprietário tinha apetite e comia bem. Não houve grandes alterações nas análises em relação à ultima consulta (Tabela 12).

No dia 1 de Dezembro foi administrada a segunda posologia de dipropionato de imidocarb. Continuou-se a terapia e reavaliou-se ao fim de uma semana. Nessa altura o valor do microhematócrito tinha subido e encontrava-se dentro do intervalo de referência, não existia auto-aglutinação nem outros sinais de imunomediação (Tabela

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12). Foi programado o desmame do corticosteroide e descontinuou-se a administração de doxiciclina.

Posteriormente foi realizada PCR e sequenciação de ADN, que permitiram a

No documento Babesiose canina: estudo de casos clínicos (páginas 43-71)

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