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Casos de referência de Policiamento Comunitário pelo Mundo

2.1 Contextualizando o surgimento do Policiamento Comunitário

2.1.1 Casos de referência de Policiamento Comunitário pelo Mundo

Bayley e Skolnick (2002), ao estudarem de forma comparada diversas organizações policiais no mundo moderno, definem essas instituições buscando compreender sua formação e relação intrínseca com a sociedade. Para os autores, definir “polícia” significa se referir a pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo através de aplicação de força física. Esta definição possui três partes essenciais: força física, uso interno e autorização.

Há ainda discussões sobre experiências internacionais e nacionais de inovações nas estratégias de policiamento (SOARES, 2006). A ideia de uma polícia próxima e alinhada às necessidades da comunidade foi a nova tendência assumida também pelos Estados Unidos e países europeus a partir da década de 50, em busca de descentralizar e profissionalizar a polícia, onde os policiais realizam patrulhamentos a pé e buscam parcerias com os residentes das áreas de sua responsabilidade. De acordo com Bengochea et al. (2004), nos Estados Unidos, verificou-se que com o advento do automóvel, o policial foi se afastando paulatinamente de um convívio mais estreito com as pessoas. Abrigado contra intempéries,

patrulhando ligeiramente ruas e logradouros, sem observar detalhes e sem colher informações preciosas, o policial passou muito mais a reprimir do que a prevenir delitos. Em diversas experiências realizadas em cidades americanas, constatou-se que o aumento ou diminuição dos recursos policiais, tanto humanos quanto tecnológicos, não influenciava decisivamente na queda dos índices de criminalidade e mesmo na melhora da sensação de segurança pela população. A técnica criada na década de 70 conhecida como tempo-resposta – tempo que uma patrulha, depois de acionada pelo rádio, demorava para chegar ao local do fato –, mostrou-se insuficiente para prevenir a criminalidade, determinando, ao contrário, um aumento no número de ocorrências atendidas pela polícia.

Assim, mesmo sendo um país adiantado, os EUA levaram cerca de 40 anos para se aperceberem das necessidades de mudanças, sendo que suas experiências com o novo conceito de polícia comunitária datam de 1990. Esse fenômeno se verificou na maioria das localidades, em todos os países, especialmente em regiões metropolitanas e nas grandes cidades. No entanto, em alguns países, o sistema comunitário de polícia foi preservado, sendo o melhor exemplo o Japão e, a seguir, a Inglaterra.

Outro caso conhecido, no ano de 1990, foi aquele referente à cidade de Nova York, onde o número de homicídios chegou ao recorde de 2.262. No ano 2000, esses crimes haviam sido reduzidos em mais de 70% e continuaram caindo: em 2005, foram contabilizados 540 assassinatos. A transformação do quadro da violência em Nova York começou em 1991, mas a queda acentuou-se a partir de 1994, na gestão do prefeito Rudy Giuliani, com a implantação da Campanha para a Qualidade de Vida, popularmente chamado de Tolerância Zero (BELLI, 2000). O programa de policiamento de Nova York focou em dois eixos:

– Endurecimento da política de Broken Windows (Janelas Quebradas), com repressão a qualquer transgressão à lei, desde atravessar a rua fora das esquinas, jogar lixo na rua, pichação ou mendicância.

– Reorganização e descentralização do departamento de Polícia. Foram utilizados exemplos de gestão empresarial e avanço em tecnologias de banco de dados menos burocráticos.

Há críticos que apontam que este movimento na verdade mascarou um problema social muito mais complexo que é a discriminação racial. Surge um sistema repressor policial- penal que criminaliza a miséria, abrindo espaço para o preconceito racial e a brutalidade policial (LEMLE, 2006). Essa crítica se configura também nos números, onde se observa que a população carcerária de Nova York, em 2003, era de 78% de latinos e negros, subindo para 81% em 2004.

No Japão, como resultado de influências do estilo de policiamento comunitário, surgiu a nomenclatura KOBAN, que se refere à junção de duas palavras japonesas: 立番 (“TACHIBAN”, que significa “sentinela”, “ver de pé”) e 交替 (“KOUTAI”, que significa “rotação”, “alternada”), significando literalmente “um sentinela olhando para todos os lados” (CASTRO, 2012). Koban é o modelo de polícia comunitária japonês, criado no século XIX, e adotado por diversos países, entre eles os Estados Unidos, Taiwan e Coréia do Sul. São pequenos postos em que trabalham entre três a quatro oficiais de polícia, que agem preventivamente, aconselhando a comunidade local sobre criminalidade. Os policiais visitam residências e fazem reuniões com moradores e lideranças da comunidade (CASTRO, 2012).

Na América Latina, o cumprimento da lei tem sido marcado por seu caráter militar, tanto do ponto de vista organizacional, como funcional. Não é surpreendente que o papel da polícia esteja no cerne do debate político em nações que estão emergindo de uma guerra civil ou de governos militares, como Nicarágua, Panamá e Brasil (CAMARGO; SALAS, 1998).

A primeira tentativa na América Latina de policiamento comunitário foi na Costa Rica (1996), com a criação de 4 subestações de patrulhamento motorizado e a pé em comunicação com um comitê consultivo de cidadãos. Este projeto piloto teve ótimos resultados e uma forte diminuição na sensação de insegurança por parte da comunidade (CAMARGO; SALAS, 1998). Outra tentativa foi no México, por Rodolfo Debernardi, quando assumiu como chefe policial da Cidade do México e buscou implantar uma polícia pacificadora, diagnosticando os principais problemas a fim de erradicá-los. Todavia esta tentativa não teve continuidade, pois, de acordo com Camargo e Salas (1998), a corrupção era intensa e Debernardi não conseguiu bons resultados, renunciando em agosto de 1998.

Bogotá, capital da Colômbia, passou por mudanças na segurança pública e implantou estratégias de combate à violência que servem de exemplo e de reflexão para outros países. Era considerada a cidade mais violenta do continente americano. Em 1993, havia uma média de 77 homicídios para cada cem mil habitantes, mas após mudanças estruturais da política de segurança, diminuiu, em 2004, para 22 homicídios para cada cem mil habitantes. Não só os índices de homicídio reduziram, mas também acidentes de trânsito, roubos e furtos, e principalmente teve um aumento acima do proporcional em relação à sensação/percepção de segurança. Este caso merece destaque não apenas pela redução drástica dos números da violência, mas uma tentativa de mudança política e conscientização cidadã que funcionou em Bogotá, enquanto em outras cidades da mesma Colômbia

aumentava a criminalidade. A segurança foi descentralizada do governo nacional e transferida para cada prefeitura que conhecia mais detalhadamente que tipo de programa poderia funcionar melhor (consequências) de acordo com o levantamento das reais contingências que controlavam os comportamentos violentos (VELÁSQUEZ, 2006). Isto aconteceu durante os governos de Antanas Mockus S. (1995-1997), Enrique Peñalosa L. (1998-2000) e Antanas Mockus S. (2001-2003), que abordaram este tema de maneira direta, com a assistência da Polícia Federal e das demais instituições da Administração Distrital. Estes resultados são consequência do processo de institucionalização da gestão da segurança cidadã e da definição progressiva de uma política pública sobre o assunto. Interessante perceber que houve um verdadeiro envolvimento dos políticos com a comunidade, reconhecendo o potencial deles na transformação social, mas não apenas em um discurso bonito e pouco prático. Em suma, Bogotá conseguiu criar um plano de ação inovador, envolvendo polícia, sociedade e Estado, que teve ótimos resultados por ser bem gerenciado com números verdadeiros e pessoas comprometidas a mudar. De acordo com Vélasquez (2006), estas medidas quebraram redes de tráfico, de influências políticas e propiciou mudanças estruturais mais amplas com consequências de longo prazo e que não eram restritas à temática da segurança, mas incidiam também sobre uma gestão pública mais voltada à cidadania, não na teoria e sim na prática.