cresce mais. Senhor, não saberemos a causa de tão grande mal? Senhor, revelai-nos este
mistério escondido. Dá Deus N. S. no mesmo capítulo a causa. Sabeis qual é a razão, diz
Deus, porque o sangue deste povo está no meio desta panela, este é o que é causa desta
ferrugem, desta escuma, desta rebelião. Este sangue faz ferver a panela e por isso está sempre
escumando. (…) A razão está clara, porque basta qualquer goteira de sangue, por pouco que
seja para causar essa ferrugem (…) Que sangue é este? E que pedra é esta? A pedra é Cristo
Senhor nosso. Pedra limpíssima, eminentíssima e inocentíssima. E o sangue é a crueldade do
povo Judaico, executada nesta pedra. E assim o sangue dos Judeus, a crueldade dos Judeus,
caiu sobre a pedra; mas o sangue da pedra caiu sobre eles, assim como o pediram a essa
mesma pedra para seu castigo. (…) Estes infiéis com a infidelidade Judaica são rebeldes à
luz: são rebeldes a Deus, a sua lei, a sua fé, nem há remédio para se reduzirem, nem remédio
para se amolgar sua rebelião. (…) São rebeldes em prevaricarem a lei, em serem diminutos
na confissão da fé, variantes e simulados para se reduzirem (…)
Vós nos inquietais, vós nos perturbais, vós nos desonrais, vós nos afrontais, vós nos cansais,
e não cansais de nos cansar, vós nos fazeis odiosos ao mundo todo, e fazeis com que deste
Reino, tão católico e tão alevantado na fé, saia um tão mau cheiro, como é estar sempre
cheirando a Judeu e a Judaísmo, e que saindo um natural do Reino não fale com estrangeiro,
que não vá logo com a mão ao nariz para examinar se cheira. Mas vai a cousa mais adiante,
meus irmãos penitentes, que saíram pessoas do Reino do vosso sangue e vossos naturais, para
acreditar e abonar o vosso Judaísmo, pessoas batizadas nas nossas pias, criados com a
doutrina Católica, semelhantes no exterior aos Cristãos, se ausentaram e fugiram do Reino e
se fizeram públicos professores da lei de Moisés, não Judeus às escondidas, senão às claras.
No Reino encobertos por necessidade, e fora do Reino Judeus declarados por vontade.
Mas direis: Não castiga o Tribunal do S. Ofício outras culpas, que fazem cheirar mal o Reino
e o infamam. Não se vai entranhando no Reino o pecado de Sodoma e Gomorra? Não se vai
ateando este fogo? Não anda subido nos subidos? Não castiga o S. Ofício por feitiçaria? Não
castiga os que duas vezes se casam? Não castiga outras muitas culpas? Respondo, tudo é
mau, mas a vossa infidelidade Judaica, os vossos erros, as vossas incredulidades, as vossas
heresias, as vossas apostasias são piores. (…) Direis, e a idolatria não é maior abominação
que o Judaísmo? Digo que não, porque em razão de contumácia e renitência, maior é o vosso
pecado que a própria idolatria. O idólatra Gentio estará com as costas dadas à Igreja Católica,
mas não entrou ainda nela, pois não tomou o sacramento do Batismo. O pecador Católico
grandes abominações e pecados cometerá contra Deus nosso Senhor, mas não está fora do
templo, não está fora da Igreja católica; pode remediar pedindo perdão a Deus nosso Senhor
dessas culpas e abominações. Mas a vossa abominação é infidelidade Judaica, com que
atualmente estais rebeldes, contumazes e com as costas dadas à Igreja católica, à qual
pertenceis pelo sacramento do Batismo. E assim a vossa infidelidade é Judaísmo, porque
seguis a lei de Moisés, é heresia, porque com obstinação e contumácia credes em vossos
erros, é apostasia, porque virastes e destes as costas à lei de Cristo, que estais obrigados a
crer e a seguir. (…) Dizei-me quem vos fez Judeu, quem vos ensinou? Direis, meu pai, minha
mãe, meu parente, meu amigo, certa pessoa. (…) Dizei-me mais, que vos ensinaram? Direis
quatro, ou cinco, ou seis cerimónias. Se eles vos ensinaram o contrário, vós o houvéreis de
fazer. Errados ides. Sabeis quantos são os preceitos da lei de Moisés? Seiscentos e treze,
contando cerimónias, judiciais e morais, e se vós não guardais os morais, como guardareis os
outros. Sabeis quais são os morais? Os dez preceitos do Decálogo, que todos estamos
obrigados a guardar. Pois se vós guardáreis o oitavo preceito, que é não alevantarás falso
testemunho, não o alevantáreis a vós próprios com palavras e com obras: com palavras,
dizendo que sois Cristãos, e com obras obrando no exterior como Cristãos, sendo no interior
Judeus, Cristãos de dia, Judeus à noite, Cristãos às claras, Judeus às escuras. O Cristão na
sua lei verdadeira diz que é Cristão, o pagão na sua seita diz que é pagão, e o Mouro, que é
Mouro, só vós não quereis dizer que sois Judeus, senão ao revés do que sois, e a vossa
cegueira deu nesta habilidade, para viverdes à vontade e levardes boa vida. E certo que quis
saber de raiz em que se fundava esta gente para dizer que não era necessário confessar a lei,
senão tê-la só no coração, e consultando escrituras e livros, nunca lhes pude achar razão,
porque a não tem: contudo ocorre-me uma resposta. Esta gente faz uma cerimónia, que cuida
é de grande importância e de grande consideração, em a qual cuida que está o nervo de sua
salvação, e é varrer casa às avessas, e como fazem tudo às avessas, também lê nos livros e as
escrituras às avessas: e como elas digam que se há de confessar a lei com a boca, eles cuidam
que basta só tê-la no coração. (…)
Ah impenitentes, que aí estais para
ser relaxados à justiça secular, que
não soubestes, nem quisestes bater à
porta deste coração, não soubestes
aproveitar dele, que patente, e
descoberto, e aparelhado estava para
vos
receber,
se
pedíreis
misericórdia, mas não o fizestes por
vossa rebelião e contumácia. Viu o
vosso Profeta Jeremias uma vara. E
depois diz que viu uma panela acesa.
Ah que não quisestes dobrar esta
vara com pedirdes misericórdia, pois
vereis fogueiras, e se as não virdes
acesas, vê-las-eis preparadas para
vos abrasarem e fazerem em pó e em
cinza. (…) Confesso que este dia
para vós é dia de grande trabalho, de
grande
tribulação,
de
grande
opressão, de grande angústia, de grande vergonha; mas nele resplandecerá mais a formosura
No documento
MEMORIAL VIRTUAL ÀS VÍTIMAS DA INQUISIÇÃO
(páginas 31-33)