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4. Tarefas Descritivas e Interpretativas

4.1. Análise das entrevistas

4.1.5. Categoria E Saúde/Bem-estar físico/ Boa forma

Para Le Breton (1999), a socialização de experiências corporais é uma constante da condição social do homem, desenhando o estilo de relações com o mundo: o corpo existe na globalidade dos seus componentes graças ao efeito conjugado da educação recebida e das identificações que proporcionaram ao actor assimilar os comportamentos do seu entorno.

Quando inquiridas sobre o corpo mais valorizado socialmente, para nossa surpresa registou-se, tal como na categoria de autenticidade/naturalidade, uma negação de tudo o que tenha uma conotação a corpos não saudáveis.

Mais do que preocupações classicamente estéticas com as rugas, a celulite e as alterações características do passar dos anos, seja a que idade nos estejamos a referir, as nossas entrevistadas valorizaram a saúde e todos os factores inerentes que contribuam para a manutenção de estilos saudáveis de vida. Aqui, é notória uma noção de estética bem mais interiorizada e intimista do que na categoria anterior onde, para que uma pessoa tenha o seu valor estético, o corpo tem que estar na sua plena aptidão. Mais do que a clássica definição da saúde como uma mera oposição à doença, a saúde assume aqui um valor estético deveras importante.

Ao serem inquiridas sobre a estética corporal, as entrevistadas de ambos os grupos referirem a saúde, o bem-estar físico e a boa forma como sendo elementos integrantes deste plural e multifacetado conceito. É importante referir também o facto de que esta categoria deteve uma “aceitação” homogénea em ambos os grupos, ou seja, ainda que a princípio pudéssemos presumir como garantido que o grupo Id seria aquele com mais referências à categoria em questão, foi-nos deveras surpreendente ver que o grupo Aj também refere a sobredita categoria com incidência comparável à daquele.

“Gosto..não quando elas são muito magras mas aquelas que parecem saudáveis gosto, são mulheres bonitas…”- [Ent.1,gr-Aj]

“(…) Quero ser saudável, quero a massa magra e massa gorda ideal.” [Ent.6,gr-Aj]

“São magras, muito magras, para mim não é tanto mais bonito ter peso a mais como peso a menos. Se tu vês uma pessoa com um ar amarelado (risos), doente..também não é bonito, não gosto.” [Ent.6,gr-Aj]

“Já não busco a magreza, aliás comecei aqui precisamente porque estava magra mas…é por uma questão de saúde e para tirar as dores das costas também.” [Ent.11,gr-Aj]

“A estética corporal é também reflexo de bem-estar físico.” [Ent.12,gr-Aj]

“Agora não me importo como corpo. Acho que devemos manter o nosso nível mas agora preocupo-me muito mais com a saúde e o meu bem-estar.” [Ent.6,gr-Id]

A redução das actividades físicas tem implicações na vivência do indivíduo, o que Bento (1995, p.209) expressa muito bem ao afirmar “Pela atrofia do corpo atrofia-se o mundo, atrofiam-se as nossas relações”. É pelo facto das funções corporais se degradarem que ele se torna alvo de todas as atenções, de todos os cuidados e de múltiplos investimentos. E é exactamente pela circunstância de a capacidade original de resposta do corpo ir sofrendo gradual e irreversível diminuição que o homem procura actividades de compensação destinadas a favorecer uma exploração sensorial e física, tal como se denota no discurso da nossa entrevistada pertencente ao grupo Id:

“Agora eu já dou mais importância ao sentir-me bem no que o meu corpo me deixa, a saúde é mais importante que uma cara sem rugas….de que adianta andarmos doentes e com a pele perfeita não é?” [Ent.12,gr-Id]

Detona-se aqui uma inesperada adesão à doutrina aristotélica, ao vermos conferido ao corpo um cariz utilitário, tomando a saúde um lugar cimeiro em termos do que pode ser considerado estético (Bayer, 1995).

Mais do que uma oposição à doença, a saúde tomou aqui um lugar importante, sinónimo, ainda que não claro, de uma experiência Estética

Segundo Matos e Sardinha (1999), a actividade física e desportiva parece estar então relacionada com a melhoria da qualidade de vida associada à saúde, através da aquisição do bem-estar psicológico e da melhoria da disponibilidade física.

Parece-nos legítimo inferir que o exercício físico e a prática desportiva, embora conceitos distintos, estarão associados à concepção de saúde e bem- estar físico e psicológico. Poderão estas melhoras ser vistas como sinónimos de experiências estéticas?

Os discursos das nossas entrevistas são bem claros para uma resposta a esta questão. Ainda que esta tenha sido a categoria com menos frequência de unidades de registo, estas tiveram incidências homogéneas em ambos os grupos.

“Só o facto de na manhã não acordar com aquelas dores nas costas (riso, sinal de contentação) mudou tudo. E uma pessoa sai daqui nas nuvens, parece que sai com a cabeça leve, a gente ate esquece como acordou de manha. As vezes sinto que venci algo…é muito bom! (risos) [Ent.5,gr-Aj]

“Estética? Fico mais leve, sinto-me bem…não sei considera o ficar sem dores nas pernas uma valorização.. [Pode ser..sente-se melhor?] Sim? Então sim…é como lhe digo, nunca procurei isso, quero ser saudável” [Ent.9,gr-Aj]

“ Adelgacei um bocadinho mas sobretudo sinto-me mais feliz porque a saúde está, senão melhor, está estável. Sinto-me mais ágil, bem disposta, não tenho tido tantas dores..o resto vem depois” [Ent.7,gr-Id]

O exercício físico regular exerceu uma influência deveras importante nesta categoria, na medida em que as mulheres afirmaram que lhes retirou dores, melhorou maleitas, enfim, possibilitou uma melhor qualidade de vida.

No trabalho de Cabral (2005) está bem patente esta categoria nos discursos recolhidos entre idosos. Ao serem inquiridos sobre a estética corporal, os entrevistados de ambos os grupos (praticantes e não praticantes de actividade física) referiram a saúde o bem-estar e a boa forma como sendo parte integrante deste conceito. Os cuidados com a alimentação e exercício físico eram dirigidos para uma manutenção da saúde, mas também como cuidados para não ganharem peso, denotando-se aqui uma grande sensibilização ao facto de que a prática de actividade física proporciona melhor aparência física e, logo, uma auto-imagem corporal mais valorizada.

Na era do belo, tonificado, modificado, moreno, as entrevistadas, numa atitude de repulsa pelo que lhes parece corresponder a uma alienação, a um desvio do essencial, referem a saúde como um elemento basilar, uma condição sine qua non para a estética corporal. O olhar estético que persegue uma busca de outras formas para além das formas estereotipadas, jogando com a luz, o espaço, as sombras e até mesmo com o feio (Lacerda, 2007) é aqui - de um modo empírico, totalmente à margem de teorizações e, com frequência, perfeitamente inadvertida – clara e recorrentemente revelado pelas nossas entrevistadas, conotando, surpreendentemente a Estética com a saúde.