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A Geografia do Ensino Superior

2.1 O que se discute no Ensino Superior acerca do significado das categorias de lugar, paisagem, território e região

2.1.4 A categoria paisagem

No que diz respeito ao significado da categoria paisagem é consenso entre as diversas correntes da Geografia que a paisagem é concebida como tudo aquilo que conseguimos apreender com os sentidos. No entanto, o que se diferencia entre uma ou outra tendência são o método e o tipo de abordagem utilizada para a análise da paisagem. Para uma visão desse fato realizaremos algumas considerações capazes de mostrar as diferenças entre a Geografia Tradicional e Geografia Crítica no que diz respeito à análise da paisagem.

Para Moraes, uma das marcas da Geografia tradicional “era ter na paisagem seu objeto” ( 1995, p. 14). Para essa corrente a paisagem poderia conter elementos naturais e/ou humanos e sua análise geográfica estaria restrita aos aspectos visíveis do real. A paisagem deveria ser estudada como um organismo, com funções vitais e com elementos que interagiam entre si. Caberia ao estudioso buscar entender essas inter- relações. A paisagem explicava-se por si mesmo.

Christofoletti ao discorrer sobre o método de estudo da paisagem nesta corrente do pensamento geográfico assim se pronuncia: “A plausibilidade das explicações sugeridas era automaticamente considerada como confirmando a própria realidade, pois a

explicação baseada na observação visual era entendida como objetiva e partindo do concreto” ( 1982, p.80)

Com o passar do tempo essa concepção deixou de ser eficiente para a explicação da realidade. Surgem então algumas propostas de renovações teórico- metodológicas com base no neo-positivismo, na fenomenologia, no existencialismo e no materialismo histórico e dialético.

De modo específico, as reflexões realizadas entre os geógrafos adeptos do materialismo histórico e dialético têm procurado edificar uma concepção de paisagem que se mostre atualizada para o desvendamento da realidade mundial que estamos vivenciamos. Nesse sentido um primeiro ponto dessas discussões já se encontra edificado, qual seja o de que a paisagem deve ser considerada como uma das categorias objetivas da Geografia ficando para o espaço o status de objeto de estudo dessa ciência. O que significa dizer que a paisagem deve ser vista como o ponto de partida para a compreensão do espaço geográfico.

Para tecer algumas considerações acerca do significado de paisagem no contexto dessa corrente geográfica, utilizaremos as contribuições dadas pelo geógrafo Milton Santos as quais consideramos serem bastante atualizadas.

Para este autor a paisagem é tudo aquilo que nós vemos e o que os nossos sentidos alcançam. Ela “pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos odores, sons etc.”. (SANTOS, 1996, p.61)

Santos distingue dois tipos de paisagens: a artificial que é a transformada pelo homem e a natural que é aquela não modificada pelo esforço humano. Esta última, segundo ele, praticamente não existe mais, pois mesmo “se um lugar não é fisicamente tocado pela força do homem, ele, todavia é objeto de preocupações e de intenções econômicas ou políticas” ( Ibidem, 1996, p. 64). O que caracterizará esse lugar como um espaço histórico e social.

Tendo em vista que a realidade é um fato objetivo, esse autor aponta para a necessidade de o geógrafo, na análise do real, ultrapassar a paisagem como aspecto e chegar ao seu significado, uma vez que para cada um de nós a paisagem chega de forma subjetiva de acordo com nossa percepção.

Nesse contexto Santos destaca a importância de o pesquisador em Geografia atentar para o fato de que paisagem e espaço não são sinônimos:

A primeira é a materialização de um instante da sociedade. (...) O espaço contém o movimento. Por isso, paisagem e espaço são um par dialético. Complementam-se e se opõem. Um esforço analítico impõe que os separemos como categorias diferentes, se não queremos correr o risco de não reconhecer o movimento da sociedade.(SANTOS, 1996, p.72).

Assim, “o espaço é igual à paisagem mais a vida nela existente; é a sociedade encaixada na paisagem, a vida que palpita conjuntamente com a materialidade” (Ibidem, 1996, p.73).

Em reflexões posteriores sobre essa questão Santos (1997) procura chamar a atenção para o fato de a paisagem ser uma materialidade transtemporal

Para ele a paisagem é uma materialidade, é um conjunto de formas- objetos providas de conteúdo técnico e científico. Essas formas-objetos por serem objetos concretos são relativamente imutáveis, pois sobrevivem aos modos de produção que lhes deram origem ou aos momentos desses modos de produção.

a paisagem existe, através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual, uma função atual, como respostas as necessidades atuais da sociedade. Tais formas nasceram sob diferentes necessidades, emanaram de sociedades sucessivas, mas só as formas mais recentes correspondem a determinações da sociedade atual. (SANTOS, 1997, p. 84)

Nessa concepção as formas-conteúdos sobrevivem ao tempo, não mudam, o que muda é a função que sociedade atribui a cada uma dessas formas ao longo da história. Assim a paisagem é um conjunto de formas de idades diferentes, de pedaços de tempos históricos diversos. É a história congelada que participa da história viva

Para Santos, em contrapartida, o espaço é um sistema de valores que se transforma permanentemente. Ele resulta da intrusão da sociedade nas formas-objetos existentes na paisagem. “Os objetos não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é de significação, de valor sistêmico” ( 1997, p. 83)

Nesse sentido o espaço constitui a matriz sobre a qual as novas ações substituem as ações passadas. Ele não pode ser estudado como se os objetos materiais que formam a paisagem tivessem uma vida própria podendo assim explicar-se por si mesmo. Daí a importância de na análise do espaço ir além da aparência da paisagem.

Outra característica da paisagem apontada por Santos é o fato de ela revelar não só as relações de produção da sociedade, a estrutura da sociedade, mas também revelar o imaginário social, as crenças, os valores, os sentimentos das pessoas que a

constroem. A paisagem deve ser pensada paralelamente às condições políticas, econômicas e também culturais. ( SANTOS, 1996)

A análise da paisagem no mundo atual deve contemplar a análise da paisagem contextualizada na dinâmica da sociedade capitalista atual.