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Categorias de discriminação

No documento Uma análise a partir de Fanon e Mbembe. (páginas 80-87)

Capítulo III – Legislação europeia antidiscriminação

5. Categorias de discriminação

“Assim, a discriminação direta consiste no facto de determinada medida se fundar diretamente e sem justificação num critério interdito pela ordem jurídica. Alguns autores consideram ainda que ela será sempre uma discriminação ostensiva, manifesta. A este conceito correspondem os

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exemplos mais comuns de discriminação, como é o caso das leis que prevêem diferentes tratamentos para indivíduos em situação semelhante, em função da raça ou do sexo” (Canotilho, 2011, p. 107).

A discriminação pode ser efetivada através de várias formas e feitios, sendo a discriminação direta a primeira a ser referida neste título. A definição de discriminação direta é muito semelhante tanto no Direito da UE como na CEDH. Na Diretiva da Igualdade Racial, o artigo 2.º n.º 2 alínea a) estatui que “existe discriminação direta sempre que, em razão da origem racial ou étnica, uma pessoa seja objeto de tratamento desfavorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável”. No caso do TEDH, Biao v. Denmark, de 2016, título 1, General principles, o Tribunal diz-nos que havendo uma diferença de tratamento de pessoas em situações análogas ou substancialmente semelhantes baseadas numa característica identificável, trata-se de um caso de discriminação direta que entra no escopo do artigo 14.º da CEDH. A discriminação direta é, geralmente, de fácil perceção. Cabem dentro desta categoria alguns exemplos que nos são dados pelo Handbook On The Racial Equality Directive: “Bares, restaurantes, centros comerciais que negam a entrada a determinadas pessoas./ Agências imobiliárias ou proprietários que não alugam a minorias raciais ou inquilinos de uma certa etnia./ Habitação social e educação racialmente segregada” (EURACTIVE, 2020, p. 12).21

Embora a discriminação direta seja de fácil interpretação, é crucial comprovar a existência dos três seguintes elementos para que se determine a sua efetivação: (1) haver um claro tratamento desfavorável; (2) determinar um elemento de comparação;

(3) bem como a causa da discriminação. A discriminação direta ocorre, assim, quando se confirma que houve um tratamento evidentemente desfavorável com base em características protegidas comparativamente a outra pessoa numa situação semelhante. Por este motivo, há a necessidade de se estabelecer um elemento de comparação para que se possa deliberar se a pessoa foi efetivamente tratada de forma diferente. Veja-se o exemplo de uma trabalhadora do sexo feminino quando é tratada de forma desigual em comparação a um trabalhador do sexo masculino. Já no que toca à causa da discriminação, esta é também manifestamente importante, na medida

21 Tradução livre da autora.

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em que se deve perguntar se a pessoa que sofreu de discriminação teria estado na mesma situação se fosse de outro sexo, ou de outra raça, ou de outra idade. Se a resposta for sim, então é óbvio que o motivo do tratamento desfavorável teve na sua origem uma destas características. No que toca à raça, a discriminação racial direta ocorre quando alguém é tratado de forma desfavorável comparativamente a outra pessoa exatamente na mesma posição. Processualmente, é essencial referir que dentro do Direito da UE há uma inversão do ónus da prova, ou seja, não é o autor quem tem de provar que houve, de facto, uma situação discriminatória, mas sim o réu. Já no que toca à CEDH, esta exige que a alegada vítima consiga provar que foi diretamente afetada pela medida discriminatória em causa (Tribunal Europeu de Direitos Humanos [TEDH], 2014, p. 19).

Em suma, a discriminação direta trata-se de casos facilmente detetáveis pela sua visibilidade. É verificada quando um indivíduo é tratado de forma desfavorável comparativamente a como seria tratado outro indivíduo numa situação similar. E quando a razão para este tratamento desfavorável seja em razão de uma característica específica que a pessoa possua e que caia dentro das características protegidas supramencionadas.

5.2. Discriminação indireta

“Por seu turno, a discriminação indirecta refere-se a medidas que, no plano estritamente formal, são indistintamente aplicáveis, no que respeita aos critérios de diferenciação proibidos pela ordem jurídica, mas que, de um ponto de vista prático e material, têm um efeito equivalente ao das discriminações directas. Há, pois, discriminação indirecta, sempre que determinada medida ou regulamentação, tendo por base critérios aparentemente neutros, se revela in concreto como susceptível de colocar em situação de desvantagem um determinado grupo de indivíduos, protegido pela proibição de discriminação” (Canotilho, 2011, p. 107).

No artigo 2.º n.º 2 alínea b) da Diretiva da Igualdade Racial, encontramos de forma clara o que é considerado discriminação indireta: “Considera-se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas de uma dada origem racial ou étnica numa situação de

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desvantagem comparativamente com outras pessoas”. A distinção entre a discriminação direta e a indireta muito tem que ver com esta neutralidade dos critérios que Mariana Canotilho acima mencionou. Na discriminação indireta, não há uma ligação lógica e direta entre a origem racial ou étnica e a prática discriminatória. Assim, para que seja possível verificar uma prática de discriminação indireta, é necessário atender a alguns elementos, sendo eles: (1) a existência de um critério neutro; (2) que esse critério afete um grupo que seja identificado por uma característica protegida; (3) e que esse critério prejudique de uma forma significativamente mais negativa esse determinado grupo em comparação a um outro numa situação extremamente parecida. No Handbook On The Racial Equality Directive (EURACTIVE, 2020) são mencionados alguns exemplos de fácil entendimento que protagonizam discriminação indireta. Veja-se: “Requisitos linguísticos que, na realidade, não são necessários./ Requisitos de qualificações profissionais ou académicas desproporcionalmente elevados./ Proibição de uma atividade ou profissão características de um determinado grupo racial ou étnico./ Códigos de vestuário”

(EURACTIVE, 2020, p. 13).22

No fim de contas, a discriminação indireta acontece quando uma diretriz que se aplica da mesma forma a todas as pessoas coloca um determinado grupo de pessoas que partilham a mesma característica protegida em desvantagem – desvantagem que ocorre em consequência desse grupo de pessoas possuir essa exata característica protegida. Quando isto acontece, cabe à pessoa ou à organização que aplicou essa diretriz provar que houve uma boa razão para o fazer, como veremos mais abaixo.

5.3. Discriminação múltipla e discriminação interseccional

A discriminação não acontece unicamente em razão de uma ou outra característica em separado. Acontece, mais vezes do que as que gostaríamos, em razão de várias características identificáveis. A discriminação múltipla é ligeiramente diferente da discriminação interseccional. A primeira descreve um tipo de discriminação que acontece na base de vários motivos que operam separadamente, ao passo que a segunda se refere a uma discriminação em que esses motivos interagem uns com os

22 Tradução livre da autora.

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outros simultaneamente. É muito comum, por exemplo, como desenvolveremos mais abaixo, uma mulher Negra sofrer discriminação pelo seu sexo e pela cor da sua pele.

Ao abrigo do artigo 14.º da CEDH, a discriminação é proibida num largo número de características que são legalmente protegidas. Quanto ao que se refere à discriminação interseccional, esta tem vindo a ser uma questão altamente polémica. O TEDH tem vindo a aceitar a possibilidade de discriminação interseccional, bem como ampliar a proteção a características que não estão expressamente previstas, contudo, o termo per se não é nunca utilizado. Considere-se o seguinte exemplo de um caso de uma mulher Negra nigeriana que trabalhava como prostituta em Espanha e que foi maltratada física e psicologicamente por um agente da polícia com base na raça, no sexo e na sua profissão.23 O Tribunal reconheceu que houve uma violação do artigo 3.º bem como do artigo 14.º da Convenção. Contudo, ainda que se reconheça uma abordagem interseccional, não vemos o termo ser aplicado pelo Tribunal, apenas pelo AIRE Centre e pelo European Social Research Unit (ESRU), que, inclusive, pediu ao Tribunal que reconhecesse que houve, efetivamente, discriminação interseccional. É, pelo menos, um passo em frente no caminho da institucionalização da interseccionalidade, na medida em que foi importante identificar a vulnerabilidade existente enquanto mulher africana que trabalhava como prostituta.

Por fim, no que toca ao Direito europeu propriamente dito, não há, também, reconhecimento da discriminação interseccional. Conforme nos diz o Handbook, foi apenas mencionada na Diretiva da Igualdade Racial e na Diretiva da Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (2000/78/CE) como admitindo que as mulheres realmente são as maiores vítimas da discriminação múltipla. O TJUE afirma repetidamente que não faz parte das suas competências estender o escopo de aplicação das Diretivas.24

5.4. Assédio e instrução no sentido de discriminar

O assédio era visto como uma forma específica de discriminação direta até ser admitido como uma categoria independente de discriminação. Não se trata de mudar

23 Acórdão de 24.07.2012, processo 47159/08, B.S. v. Spain.

24 Enquanto no Direito Europeu Antidiscriminatório a interseccionalidade não é reconhecida, no Direito Internacional foi, recentemente, identificada como uma forma de discriminação.

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conceptualizações, mas sim de endereçar a importância desta prática discriminatória.

Assim, não deixando de ser discriminação direta, é tratada de forma individual.

Segundo as diretivas europeias, existe assédio quando:

“ocorre um conduta indesejada relacionada com uma característica legalmente protegida;/ com o objetivo ou efeito de violar a dignidade de uma pessoa;/ e/ou criação de um ambiente intimidante, degradante, humilhante ou ofensivo” (FRA, 2018, p. 64).25

A abordagem ao assédio é feita de forma muito subjetiva. Isto porque é através da perceção da vítima que se determina se houve efetivamente assédio ou não. E, mesmo que a vítima acabe por não considerar que tenha sido um caso de assédio, uma averiguação pode ser feita nesse sentido. Há, contudo, certos aspetos que não estão bem definidos nas leis nacionais relativamente ao que é tido como ambiente

“intimidante, degradante, humilhante ou ofensivo” (FRA, 2018, p.35). Geralmente – e infelizmente –, o que é sentido como humilhante para um Negro não o é para uma pessoa que não tenha consigo uma característica protegida. Relativamente à atribuição de responsabilidade pela conduta discriminatória, quando esta acontece no local de trabalho – o que é a regra –, os EM têm apontado os empregadores como responsáveis.

O seu papel é o de prevenir e corrigir condutas de assédio, ou seja, quando estas acontecem, devem assumir a culpa. No que toca ao assédio em razão da raça, a Diretiva da Igualdade Racial concede proteção no emprego. Assim, piadas racistas, bem como comportamentos redutores direcionados a colegas de trabalho de uma determinada raça ou minoria étnica não são tolerados. Para terminar, embora as diretivas existentes não ofereçam uma definição do que é considerado uma “instrução de discriminar”, esta é também condenável e considerada como sendo uma prática discriminatória. Neste caso, é preciso atentar quando existe uma preferência ou um encorajamento para tratar um indivíduo ou um grupo de indivíduos de forma desfavorável devido à sua raça ou etnia.

25 Tradução livre da autora.

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5.5. Medidas especiais e específicas

No Handbook On European Non-Discrimination Law (Agência dos Direitos Fundamentais, 2018) está explicado o que são as “medidas específicas” ou “ações positivas” no âmbito do Direito Antidiscriminatório Europeu: procedimentos que se tomam para que os empregadores, governos, prestadores de serviços ajustem as suas regras e diretrizes para que as diferenças (características protegidas) sejam tidas em consideração e sejam endereçadas como tal de forma a evitar casos de discriminação indireta porque se aplicou uma regra, aparentemente neutra, a todos, acabando por prejudicar uma pessoa ou um grupo de pessoas. No caso Thlimmenos v. Greece, o TEDH posicionou-se no sentido de que é preciso tratar de forma diferente quem se encontra em posições substancialmente diferentes e que essa deve ser a regra.26 As medidas específicas ou positivas estão previstas na Diretiva da Igualdade Racial no artigo 5.º, bem como na CDFUE nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 26.º.

“A «ação afirmativa» pode ser definida, de maneira ampla, como

«tratamento diferenciado de uma subclasse ou grupo de modo a melhorar as suas possibilidades de obter um bem particular ou de assegurar-lhe parte de determinados bens»” (Tomei, 2004, p. 6).

5.6. Crimes e discursos de ódio

Os crimes de ódio são quaisquer ameaças, ataques físicos, prejuízo de bens ou até mesmo homicídios motivados pelo preconceito de uma característica protegida. A principal diferença entre um crime de ódio e os outros tipos de crimes é precisamente a verificação de preconceito. É um tipo de crime que afeta não só o indivíduo, mas também o grupo que representa. Por este motivo, na Decisão-Quadro 2008/913/JAI do Conselho, de 28 de novembro de 2008, foi decidido que todos os EM devem punir com um nível mínimo de sanções efetivas quaisquer infrações de caráter racista e xenófobo. E, em conformidade com a letra do artigo 5.º, quando a infração cometida não caia no escopo dos artigos 1.º e 2.º, a motivação racista deve ser considerada como agravante.

26 Acórdão de 6 de abril de 2000, processo 34369/97, Thlimmenos v. Greece.

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“São entendidos como crimes de ódio todos os crimes contra as pessoas motivados pelo facto de a vítima pertencer a determinada raça, etnia, cor, origem nacional ou territorial, sexo, orientação sexual, identidade de género, religião, ideologia, condição social, física ou mental” (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima [APAV], s.d.).

No que se refere a discursos de ódio, estes são qualquer expressão pública que dissemine, incite ou promova ódio, discriminação ou hostilidade contra um determinado e específico grupo. São uma prática que não pode passar em branco porque representa um perigo constante na sociedade. As palavras podem facilmente transformar-se em ações, contudo, ainda que o crime de ódio e os discursos de ódio tenham o mesmo objetivo – humilhar e hostilizar –, os segundos nem sempre constituem uma ofensa criminal.

“(…) o discurso de ódio deve ser compreendido (…) como a defesa, promoção ou incitação, sob qualquer forma, da denigração, ódio ou vilipêndio de uma pessoa ou grupo de pessoas, bem como qualquer assédio, insulto, estereótipo negativo, estigmatização ou ameaça em relação a essa pessoa ou grupo de pessoas (…), com base na raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica (…)” (ECRI, 2015, p.3).27

No documento Uma análise a partir de Fanon e Mbembe. (páginas 80-87)