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Primeira Parte

C. Categorias e Princípios Metafísicos: Fenomenologia

Que haja um paralelismo ou espelhamento, tanto metódico quanto a respeito de seu conteúdo, entre a disposição e o objeto das categorias do entendimento que

encontramos na Analítica Transcendental e os princípios metafísicos da ciência da natureza, isso é fato que é simplesmente evidente à primeira vista e não requer nenhuma justificação. O próprio Kant é, quanto a isso, apenas sintético o bastante: “o esquema para a completude de um sistema metafísico, seja ele da natureza em geral, ou da natureza corpórea em particular, é a tábua das categorias. Pois conceitos puros do entendimento a mais não há que poderiam concernir à natureza das coisas.” (MAdN, p. 10) A nota de rodapé, porém, adicionada pelo próprio Kant a essa frase é que chama mais a atenção: Kant comenta uma resenha crítica de um leitor da KrV que lhe criticava a forma da dedução das categorias puras do entendimento, tal como constavam na primeira edição da KrV, e promete a esse respeito, tão logo quanto possível, fornecer melhor disposição do mesmo conteúdo, o que aconteceria apenas um ano após a publicação dos MAdN.

De volta à questão do paralelismo entre a KrV e os MAdN, observemos apenas que estes são apresentados em quatro partes principais: os princípios metafísicos da Foronomia, os da Dinâmica, os da Mecânica e os da Fenomenologia (!). Que o último capítulo da fundamentação transcendental da Física seja constituído pela apresentação dos princípios metafísicos da Fenomenologia, isso não poderia, dado o contexto em que escolhemos nos aprofundar para tratar do tema nuclear da PdG de Hegel, passar-nos desapercebido. Observemos um pouco mais dessa questão:

De acordo com o citado paralelismo entre a tábua das categorias da KrV e os princípios metafísicos da obra de 86 notamos que (1) a Foronomia é a parte da ciência da natureza que trata de seus princípios apenas quantitativos: trata-se do horizonte numérico do movimento corpóreo na natureza. (2) A Dinâmica trata dos princípios qualitativos: trata- se do grau do movimento, i.é, a intensidade com a qual um espaço numericamente determinável é preenchido real e perceptivelmente – trata-se do peso de um corpo (força repulsiva e atrativa). (3) A Mecânica trata dos aspectos relacionais do movimento, horizonte das leis mecânicas da física e, por último, (4) a Fenomenologia trata dos aspectos

modais, i.é, dos fundamentos metodológicos da ciência da natureza. Dado que a própria

divisão da KrV pode também ser concebida a partir da referida divisão quadripartite – com o que se nota que (1) a Estética Transcendental trata da Quantidade do horizonte da experiência possível (espaço e tempo), (2) a Lógica Transcendental do horizonte de sua

Qualidade (os conceitos puros), (3) a Dialética Transcendental da contradição interna do

horizonte da representação possível, i.é, da relação dos conceitos que regulam o horizonte da experiência possível com um ideal da unidade sistemática e infinita da ciência da experiência possível e, por último, (4) a Doutrina Transcendental do Método trata da

modalidade do conceito de conhecimento que se pretende aplicar ao horizonte da

representação possível –, então notamos de saída que a Doutrina Transcendental do Método está para a KrV assim como a Fenomenologia para o conceito kantiano da Física.

A respeito, especificamente, da Fenomenologia, contentemo-nos com dizer que ela objetiva explicitar como o resultado fundamental da KrV – a necessária distinção entre fenômeno e coisa em si – precisa determinar a ciência da natureza. Com isso Kant se insere na discussão a respeito de uma questão importantíssima que povoou as discussões sobre os

Princípios Matemáticos da Filosofia da Natureza (Principia Mathematica Philosophiae

Naturalis) de Newton. Pois o resultado da aplicação das estruturas da KrV à ciência da natureza é o banimento absoluto do conceito de espaço-tempo absoluto – elemento ainda pressuposto pela construção matemática de Newton, que haveria de ser desbancado matematicamente apenas em 1905 por Einstein com a Teoria da Relatividade. Os princípios da Fenomenologia são apresentados, portanto, através de três teoremas (Lehrsätze), que dizem respeito aos três conceitos da categoria da modalidade (possibilidade, efetividade e necessidade). O primeiro desses teoremas atesta: “o movimento uniforme de uma matéria em relação ao espaço empírico (…) é um predicado meramente possível. Sem qualquer relação com uma matéria fora dele, i.é, pensado como

movimento absoluto, o mesmo é impossível” (MAdN, p.114). Esse teorema apresenta

dessarte a modalidade do movimento em relação à sua possibilidade: o movimento absoluto

é impossível. O segundo teorema apresenta o modo do movimento em relação à sua efetividade: o movimento circular da matéria é efetivo. Mas a dinâmica newtoniana precisa

pressupor um movimento relativo do espaço para determinar as leis do movimento circular. Isto quer dizer que o movimento circular não é determinado pela consideração da atuação de apenas uma força, mas de duas. Essa segunda força age frente à primeira como também um movimento contrário relativo ao movimento efetivado pela primeira força. Mas dado que o movimento absoluto do espaço é, pelo primeiro teorema, uma impossibilidade, o

movimento do espaço relativo é apenas aparência (Schein). O terceiro e último teorema da

apresenta o modo do movimento de acordo com a sua necessidade: em todo movimento de um corpo, através do qual ele se move em relação a um outro, é necessário um movimento igual e oposto do último” (MAdN, p.117) – com o que fica posto que a mera aparência do movimento do espaço relativo, que se move como pano de fundo para a determinação da uniformidade do movimento, p.ex. de um corpo celeste qualquer, é, todavia, necessária. Em suma: o movimento uniforme no espaço é possível; o movimento circular dos corpos celestes é, porém, efetivo; é necessário para a determinação das leis do movimento circular a pressuposição de um movimento igual e oposto ao corpo que se move – o movimento do espaço relativo.

Que, ademais, esses três teoremas determinam o movimento da matéria a respeito de sua possibilidade, efetividade e necessidade, e com isso em respeito a todas as três categorias da modalidade, isso é evidente imediatamente (fällt von selbst in die Augen).” (MAdN, p.118)

Fizemos questão de apresentar todos os teoremas da Fenomenologia kantiana para deixar claro uma questão que nunca deixará de perder o interesse: o fato de Kant haver estabelecido, quando de sua tentativa de fundamentação filosófica da construção matemática da mecânica celeste newtoniana, que o movimento absoluto é impossível. Trazer à tona esse assunto é importante pois normalmente se ensina na escola que a física newtoniana e sua determinação absoluta do movimento permaneceram como paradigma fundamental da ciência física desde o final do séc. XVII até o início do XX, quando da publicação da parte restrita da Teoria da Relatividade de Einstein. É claro que não se pode deixar de notar a diferença entre a construção de um modelo matemático que fundamente a relatividade do movimento físico – baseando-se, porém, na pressuposição do movimento absoluto da luz – e a crítica filosófica kantiana ao monopólio da construção matemática nas ciências, de que resulta a necessidade da consideração de princípios metafísicos capazes de sustentarem a tese da necessidade da relatividade de todo movimento físico. Seguir, porém, as implicações dessa tese kantiana e compará-la à crítica especificamente einsteiniana da física de newton nos levaria a abandonar de vista o fio da nossa meada.35 Contentemo-nos

com haver notado que essa gradual apropriação filosófica da física, cujos princípios acompanhamos na filosofia de Kant, cujos desdobramentos ulteriores veremos a seguir na filosofia de Schelling e cuja crítica fundamental seria levada a cabo por Goethe e Hegel, não deixa de conter interesse em si mesma, visto que ela toca, mesmo sem apresentar construções matemáticas, em problemas essenciais do desenvolvimento das ciências elas mesmas. Mais tarde será o caso de mencionar ainda como a partir do texto de Kant, Schelling se permitirá uma série de especulações sobre a natureza da matéria e da luz que de fato são espantosas frente às descobertas realizadas pela física pós revolução einsteiniana. Com o que se deixa no ar a pergunta: a construção matemática se pode justificar de fato como condição de possibilidade da apresentação dos conceitos científicos, ou deve se contentar com ser reduzida a possibilitar não mais que a construção de procedimentos materiais (máquinas, bombas atômicas, p.ex.)? Pode a construção matemática de objetos desvincular-se da finalidade da operacionalidade técnica de sua construção? Deixemos porém de lado, por ora, o conceito kantiano de Fenomenologia e observemos algo a mais a respeito de seu conceito de Dinâmica, i.é o momento dos MAdN referente à categoria da qualidade da KrV.

D – Dinâmica e Qualidade: grau e peso específico

Apesar do capítulo sobre a Fenomenologia ser de profundo interesse para a fundamentação crítica kantiana da construção newtoniana do sistema matemático da mecânica celeste, na medida em que estabelece claramente que o conceito de espaço absoluto é ilusório, resquício da consideração das coisas como coisa-em-si nas ciências, o capítulo, todavia, a respeito da Dinâmica é sem dúvida o coração dessa tentativa kantiana de fornecer os fundamentos da construtividade matemática dos objetos físicos, exatamente tal como a Lógica Transcendental é sem dúvida o núcleo duro da tentativa kantiana de fornecer os fundamentos da cognoscibilidade dos objetos. A Dinâmica, dessarte, constitui o cerne do conceito de ciência da natureza, para Kant, pois, como se sabe, o núcleo duro da

über die Grundfragen der Erkenntniskritik, Bruno Cassirer Verlag: Berlin, 1910.

teoria newtoniana da mecânica celeste consiste em ter apresentado a necessidade matemática da ação-recíproca de força atrativa e repulsiva na determinação das leis do movimento dos corpos físicos. Esse é de fato o crux de todo o sistema. A Dinâmica de Kant precisa, sendo assim, buscar fundamentar os princípios metafísicos – as forças – com que Newton pretendia haver lidado não mais que matemática e empiricamente. Trata-se, sem sombra de dúvida, da tarefa de justificar transcendentalmente (i.é, de maneira transcendental-crítica) a mecânica newtoniana.

Desde a publicação dos Princípios Matemáticos da Filosofia da Natureza em 1686 não faltaram discussões científicas e seríssimas críticas referentes à justificativa epistêmica (apenas matemática, tal como o próprio título apresenta) lançada por Newton para a utilização científica do conceito de força – banido das ciências por Bacon, Descartes e Galileu, a primeira geração da revolução científica do séc. XVII. Basta com que apenas mencionemos o célebre dito de Newton: hypotheses non fingo, com a qual, na segunda edição do texto, publicada em 1713, o filósofo se defendia da acusação de lidar com hipóteses obscuras, a maior delas a da gravitação universal, em sua mecânica. Qual seria o estatuto de realidade das forças? O banimento das forças havia se colocado como o primeiro pressuposto para a derrocada do sistema aristotélico-escolástico de ciência, fundado na consideração das virtudes (virtus = força) de cada elemento: a terra quer retornar sempre para baixo, a água, frente à terra, quer ir para cima e frente ao ar quer ir para baixo; este último, em meio à água se movimenta para cima, mas é por sua vez mais pesado que o fogo; o fogo movimenta-se para cima absolutamente. Havia sido o mérito de Descartes apresentar completamente com os Princípios de Filosofia (Principia Philosophiae, publicado em 1644) o primeiro sistema físico-filosófico composto apenas por

matéria e movimento, sem qualquer consideração das forças para a formulação das leis

mecânicas. Mas a Newton e a Leibniz coube (juntamente com o tratamento de outra entidade racional banida por Descartes: os infinitesimais) trazer de volta à tona o tratamento científico das forças.

Na introdução de Konstantin Pollock à última edição dos MAdN encontra-se dito que o primeiro texto filosófico de Kant de que se tem notícia trata justamente de buscar

apresentar essa passagem entre a derrocada do sistema mecanicista (cartesiano, hobbesiano e espinozista) de ciência devido ao vir à tona dos sistemas dinâmicos de Leibniz e Newton:

Já o escrito inaugural (Erstlingsschrift), 'Pensamentos sobre a verdadeira avaliação das forças viventes,' que ele apresenta à faculdade de filosofia da Universidade de Königsberg no ano de 1746 se dispõe ante as teorias contemporâneas do movimento. O estudante Kant – ele está em seu quarto ano de estudos – busca com isso arbitrar a disputa entre cartesianos e leibnizianos a respeito de se os corpos possuem apenas força 'exterior,' 'morta' – igual ao produto da massa e velocidade – ou se elas tinham, tal como considerava Leibniz, uma força 'interna,' 'viva,' que seria igual ao produto da massa e do quadrado da velocidade” (MAdN, XI).

Com isso podemos notar com clareza suficiente a centralidade da questão da fundamentação transcendental da necessária ação-recíproca entre força atrativa e repulsiva, a qual, como dissemos, Newton se limitava a construir matematicamente e comprovar, pretensamente, através do acesso imediato à empiria. Por mais suficiente que pudesse ser, em termos meramente práticos e de aplicação e não eminentemente conceituais, apenas construir matematicamente e comprovar empiricamente os objetos científicos – todo o resto entre um extremo e outro sendo considerado, pela perspectiva simplesmente científica, como mera metafísica – esse procedimento, porém, deixava ainda a desejar no que diz respeito à consideração epistêmica de sua necessidade. Era preciso, portanto, a Kant, de modo a bem marcar o exato aniversário de 100 anos da publicação do célebre texto de Newton, buscar determinar bem as coisas e substituir os princípios matemáticos da filosofia da natureza pelos princípios metafísicos da ciência da natureza. A simples comparação dos títulos das duas obras não pode deixar de fazer saltar aos olhos que se trata de uma radical oposição.36

Os princípios metafísicos da Dinâmica, acompanhando os três elementos da categoria da qualidade da KrV são: força repulsiva (realidade), força atrativa (negação) e “o grau de preenchimento do espaço por um corpo e com isso a qualidade da matéria” (MAdN, 74) – i.é, limitação. Um corpo qualquer tem uma figura (Figur), i.é, sua matéria está “determinada entre limites (Grenzen), e o espaço entre esses limites, considerado de acordo com sua grandeza, é o conteúdo do espaço (Raumensinhalt, Volumen). O grau do

36 cf. THARAKAN, J., Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaft, Zur Kantischen Arbeit an der Theorie des Übergangs von der Metaphysik zur Physik, Franz Steiner Verlag: Stuttgart, 1993. p. 28sq.

preenchimento de um espaço por um conteúdo determinado se chama densidade (Dichtigkeit)” (MAdN, 77). A densidade material de um corpo determina, portanto, o seu peso, a qualidade da matéria, em oposição ao volume da matéria, que diz respeito a apenas a sua quantidade. O peso, portanto, diferentemente do volume que é determinado através da representação mediadora do número, é determinado gradativamente, e isso significa pela relação de oposição entre a força repulsiva e atrativa de um corpo. Um corpo, considerado a respeito de sua impenetrabilidade, é percebido como repelindo todo e qualquer outro corpo que lhe quer tocar – e por isso não se pode atravessar simplesmente com o toque certos corpos. A força repulsiva de um corpo apresenta, portanto, a faceta imediata de sua realidade perceptiva. Mas todo corpo possui necessariamente – e essa é a parte difícil, tanto para Kant quanto para Newton, de se provar porque mais metafísica – também força atrativa. A força atrativa de um corpo impede que ele, em seu impulso por repelir todos os outros, se expanda indeterminadamente. O equilíbrio, portanto, entre o impulso repulsivo por expandir-se em todos os sentidos e o impulso de auto-contenção em si estabelece o exato grau com que um corpo preenche o espaço, i.é a qualidade da matéria em questão. Dessas considerações até o estabelecimento de uma tabela periódica dos elementos químicos a partir de seu peso específico (número atômico), o caminho é percorrido por uma série de passos acumulativos bastante determinados, desde Lavoisier, passando por Dalton até Mendeleiev.

E – A construção schelliniana das qualidades da matéria

Esse é pois o ponto de partida da Dedução Universal do Processo Dinâmico ou

das Categorias da Física (=AD) de Schelling. Mas ao jovem filósofo caberá a tarefa de não

apenas haver analisado as forças constitutivas do preenchimento material do espaço, justificando-as, como Kant, transcendentalmente, a partir da tábua das categorias da KrV, mas lhe caberá o projeto de construir a matéria a partir de sua história real, i.é, a partir de suas reais categorias. Trata-se da tentativa de construir o conceito de matéria a partir de um princípio imanente, cuja forma final haveria de ser a imanência da vida orgânica, tal como

contemplada no mais célebre dos textos do jovem-Schelling o Sobre a alma do mundo – a respeito do qual haveremos de falar mais tarde.

Se a questão da dedução das épocas da consciência de si partia, como notamos acima, dos fatores do conceito do devir: a limitabilidade e sua infinita suspensão; eis, portanto, que a dedução schelliniana da matéria parte de um princípio que lhe é anterior, do qual a própria matéria não é mais que expressão cristalizada (em termos espinozanos: natura naturata), a saber, a atividade infinita da vida. “Dado que a natureza orgânica ela mesma não é outra coisa senão a inorgânica que se repete na potência superior, então com as categorias da construção da matéria em geral também são dadas, ao mesmo tempo, aquelas para a construção do produto orgânico” (AD, §3, AA I/8,298) Para introduzir o leitor nesse ponto de vista, Schelling expõe sumariamente o solo dinâmico de onde parte a filosofia da natureza, com o que nos fica claro a sua aproximação a Kant:

Para não alongar desnecessariamente a pesquisa, pressupomos que o leitor já tenha alcançado o ponto a partir do qual uma oposição originária de forças no sujeito ideal da natureza aparece como necessária a toda construção, e a partir desse ponto deixemos imediatamente desdobrarem-se perante seus olhos a série de nossas conclusões. Notamos ainda apenas que chamaremos uma dessas forças, a que vai para fora, de expansiva e que a outra porém, que precisa ser pensada tal como se retornasse ao interior da natureza, de força retardante (retardirende) ou

atrativa. A primeira, observada em si e para si, é um puro produzir no qual

simplesmente nada se deixa diferenciar; apenas a outra traz a essa identidade universal duplicação (Entzweiung), e, com isso a primeira condição da produção efetiva. (§5, AA I/8,299)

No parágrafo seguinte encontra-se por assim dizer a exposição do primeiro princípio da construção schelliniana, o qual, por sua vez, apesar de levar a uma crítica de Kant, remonta, como veremos, inteiramente ao conceito kantiano de grandeza negativa, sobre o qual trataremos com mais detalhe nos desenvolvimentos ulteriores deste capítulo: “Dado que essas forças são forças de um único e mesmo sujeito idêntico, a natureza, então elas não podem se opôr uma à outra apenas relativamente, mas precisam se opôr absolutamente.” (AD, § 6, AA I/8, 299) Tal princípio remonta, como veremos adiante, ao conceito kantiano de oposição real, definido frente o de oposição meramente lógica. Mas Kant utilizava o conceito de oposição real para fins da determinação quantitativa do grau de preenchimento da matéria no espaço. A oposição entre força atrativa e repulsiva era observada apenas na medida em que seu resultado fornecia um número, referente ao peso

específico de um corpo. Tal procedimento dizia respeito a uma análise das partes constitutivas de um corpo, i.é, suas condições transcendentais de possibilidade: todo corpo tem um peso específico perante outros, resultado do equilíbrio alcançado nele pela oposição entre força atrativa e repulsiva. A Schelling, porém, caberá ir além da mera análise das condições de possibilidade da especificidade do corpo material. Tanto porque tal tarefa já havia sido levado a cabo por Kant, quanto porque a doutrina schelliniana da matéria é imediatamente inserida em seu projeto de definição do que seja o organismo universal. Sendo assim, a Schelling caberá não apenas analisar a matéria, mas construí-la, com o que a consideração da oposição absoluta entre as forças que compõem a matéria ganha figuras distintas.

Nos mais recentes escritos deste autor já foi provado que magnetismo, eletricidade e processo químico são as categorias universais da física, mas não se mostrou de maneira determinada como, então, justamente através dessas três funções e apenas por elas seria a construção da matéria levada a cabo. Isso se deixa todavia, antecipadamente, concluir apenas a partir da relação dessas funções com o espaço e em especial com as dimensões do espaço. (§4, AA I/8,298)

A oposição absoluta das forças ganha, pois, três figuras (Gestalten) diferentes, correspondentes aos três momentos da matéria. De que o espaço tri-dimensional já havia sido definido geneticamente por Euclides a partir dos momentos linha, plano, sólido, deduz

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