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Categorias dos filmes

No documento Cinema em Português - XI Jornadas (páginas 150-154)

MARCAS DO PADRÃO TECNO-ESTÉTICO ALTERNATIVO NA OBRA DO CINEASTA

4. Categorias dos filmes

Segundo Nogueira (2009), um cinema alternativo, doméstico ou de bor- da possui uma abrangência conceitual expressiva, o que inviabiliza ou, ao menos, dificulta uma taxonomia ou categorização para lidar com nosso pro- blema de pesquisa. De todo modo, tentamos identificar alguns pontos em comum nos filmes observados, sendo eles Todo mundo mora no Dirceu e Corpúsculo. Ambas as obras foram analisadas a partir dos três seguintes pilares: 1) sinopse geral dos filmes; 2) linguagem adotada nos roteiros; e 3) construção tecno-estética da narrativa. A partir dessa observação, foram sistematizadas as quatro categorias que propomos nesse artigo e que são desenvolvidas a seguir.

8. Os dados que se seguem fazem parte do material gravado em áudio e vídeo da entrevista concedi- da na WEBTV da Superintendência de Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí – UFPI no dia 27 de fevereiro de 2018 na Universidade Federal do Piauí aos pesquisadores: Jacqueline Lima Dourado, Juliana Fernandes Teixeira, Thaís Sousa e Valéria Noronha. A entrevista teve como objetivo aprofundar as discussões que já vinham sendo realizadas em artigos anteriores, por meio da visão do próprio cineasta acerca de sua produção fílmica.

Jacqueline Lima Dourado, Luís Nogueira & Thais Souza 151

4.1. Busca por uma estética mais popular e local (piauiense, no caso):

Todo Mundo Mora no Dirceu trata de forma satírica o dia a dia no bairro po- pular. O filme resgata histórias reais com irreverência, combinando-as com ficção de moradores da zona sudeste de Teresina. Para conseguir retratar a realidade de uma população específica, utiliza-se de vários artifícios para atingir esse objetivo, como gravar as cenas nos locais mais conhecidos do bairro, por exemplo, no Teatro Pedro II, na praça principal do Dirceu, e no Mercado Central do bairro.

Outro ponto é a discussão que o cineasta faz entre as drogas ilícitas com a droga que o personagem ingere para mudar de personalidade. Como rotei- rista e ator, Franklin, trata do assunto drogas de forma subjetiva e simples, retratando por meio do realismo fantástico. O bairro onde o filme é gravado tem um elevado índice de violência por conta do consumo de drogas ilícitas, desemprego e falta de educação formal, projetos culturais e lazer. A reali- dade deste bairro e dos circunvizinhos é que o mundo do tráfico torna-se o meio mais rápido de se obter produtos, que a mídia capitalista vende a todo o momento.

O roteiro opta pelo humor e valoriza, especialmente, o discurso social de exclusão. As falas com palavras ou expressões conhecidas só no Nordeste experimentam trazer, na forma de arte audiovisual, as vozes sociais de iden- tidade local.

O filme Corpúsculo, sátira ao filme Crepúsculo (Twilight, 2008, Catherine Hardwicke), foi criado com intuito de banalizar um conteúdo já existen- te, com a utilização do vocabulário nordestino. Opção feliz, uma vez que expressões coloquiais populares e trouxe humor e comicidade às cenas românticas.

4.2. Baixo custo de produção

Conforme afirma Franklin, não teve apoio financeiro; então, tudo era fei- to por meio e recursos próprios. Por conta desses baixos incentivos, por o cineasta optou por custos menores e que estivessem ao alcance dele. Com

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isso, todas as produções foram feitas com uma única câmera, comprada com recursos próprios - uma Canon Vixia9. Alguns figurinos ele mandava

confeccionar, outros cada ator ficava responsável por sua roupa.

Apesar da boa qualidade de algumas cenas, em contrapartida, o áudio do filme inteiro é totalmente dessincronizado em relação a estas. Para sanar o problema, foi feito uma dublagem. A impressão que é de que se assiste a um desenho animado.

Observa-se no filme Corpúsculo, que ainda não há domínio da luz. As ce- nas noturnas perdem qualidade. O áudio revela ainda pouca sincronização. Superado por truques de efeitos de animação.

No filme O Mocambinho, de novembro de 2011, em que o produtor gastou 14 mil reais10 de recursos próprios. Os atores receberam somente auxílio

de alimentação e transporte. Protagonistas e figurantes eram voluntários.

4.3. Uso do humor, sobretudo por meio da paródia

Essa categoria específica pode ser relacionada à primeira; afinal, em acor- do com Bakhtin (1984), os elementos da estética popular são vinculados de alguma maneira ao humor, bastante em função da ideia dos bobos da corte e palhaços medievais presentes nas narrativas de autores como Rabelais. É precisamente no caráter popular que surge a não conformidade dos con- teúdos às normas e cânones vigentes ou predominantes em determinado contexto social e histórico, e essa característica é explorada nas produções de Todo Mundo Mora no Dirceu e Mocambinho, de Franklin Pires, pois a in- tenção do cineasta é reproduzir a realidade de moradores de determinados bairros da cidade. O humor torna-se, desse modo, uma forma de inserir o popular dentro de conteúdos antes engessados pelos formatos tradicionais de uma época.

9. Características técnicas da câmera disponíveis em: http://www.worldview.com.br/home/produto/ codigo:12062/filmadora-canon-vixia-hf-r800

Jacqueline Lima Dourado, Luís Nogueira & Thais Souza 153 Assim considerado, o popular (muitas vezes por meio do humor), nas palavras de Bakhtin (1984), deixa de lado dogmas e o autoritarismo, ao aban- donar a seriedade das imagens já acabadas e polidas da visão de mundo em vigência por aquela sociedade. É claro que isso acaba, por vezes (na maio- ria delas, na verdade), isolando o artista (no nosso caso, os cineastas) que se atreve a questionar todo um padrão tecno-estético. No caso de Rabelais, esse isolamento durou séculos posteriores a ele; porém, no caso de Franklin Pires, como o próprio afirmou em entrevista para essa pesquisa, a socieda- de talvez esteja mais receptiva.

O entusiasmo com a produção desses artistas nem sempre vem, infeliz- mente, acompanhado de uma plena compreensão de seu trabalho. Muitas pessoas continuam a achar sua obra um enigma ou criticam de maneira infundada, argumentando algumas vezes que algumas produções são cons- truídas com intuito de destruir a imagem de um bairro, mas que na verdade o cineasta tenta apenas reproduzir a realidade, e utiliza do humor na cons- trução de uma crítica social. Talvez justamente por isso pesquisas como as que aqui empreendemos sejam tão relevantes, sobretudo quando se refere a filmes considerados paródias e sem seriedade cinematográfica. Conforme asseverava Bakhtin (1984) com relação à obra de Rabelais, é fundamental realizarmos estudos profundos sobre os produtores populares e observar todas as produções que pareçam incomuns e alternativas diante do contexto de tradição cultural.

Há quem diga que esse tipo de obras (cinematográficas, no nosso caso es- pecífico) seja vazio de significados, sem reflexões sérias, etc. Porém, nesse aspecto, traçamos um paralelo demonstrando que, aos olhos contempo- râneos, a produção literária de Rabelais é considerada de fundamental relevância artística e ideológica, na medida em que renuncia de várias con- cepções enraizadas de gosto literário e que lança luz para o desenvolvimento da cultura popular de humor. Como manifestações desta cultura, pode-se elencar três formas diferentes: 1) espetáculos de ritual, como desfiles de car- naval e shows cômicos em mercados; 2) composições verbais cômicas, como paródias orais e escritas; e 3) gêneros como maldições e pragas. Destarte

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essas manifestações de humor popular podem refletir, em suas variações, algumas relações e entrelaçamentos. Em Bakhtin (1984), o riso e suas for- mas representam a esfera menos estudada da criação do povo.

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