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Fonte: 15 entrevistas realizadas com meninos internos da Comunidade Terapêutica Marcos Fernandes Pinheiro, de Ponta Grossa, Paraná.

O Grafo 3 acima auxilia num mapeamento contextual do corpo textual das entrevistas e dele podemos afirmar algumas relações que apontam caminhos de compreensão. A primeira evidência se faz sobre a frequência dos campos temáticos

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Existem arestas que saem de um nó e retornam para o mesmo nó, formando um looping, como pode ser percebido no Grafo 3. Esse looping se deve ao fato da mesma Categoria Evocativa ser categorizada somente em uma Categoria Temática, portanto, para contabilizar a frequência desses casos é formada a relação entre o mesmo nó, assim, é possível perceber a exclusividade de uma Categoria Temática. De acordo com a espessura da aresta em looping, comparada com as demais relações, se percebe um comportamento mais fechado ou não de uma Categoria Temática.

que foram evocados no encontro entre o roteiro, entrevistador e o entrevistado. As Categorias Temáticas mais frequentes são ‘violência’ e ‘economia’, isso se deve à natureza dos questionamentos e à maneira aberta com que os entrevistados formulavam sua fala. A ‘economia’ se refere a toda gestão da vida, um cuidado consigo que não se refere somente a questões monetárias, mas, a matriz do termo, referindo-se às estratégias/táticas empreendidas pelo sujeito na organização do seu cotidiano, seja na sua mobilidade, renda, consumo, reflexões sobre a trajetória de vida, etc. A escolha por um roteiro de entrevista (Anexo 1) que desse maior autonomia para o indivíduo refletir sobre sua vida em vez de responder atividades pré-estabelecidas possibilitou uma maior reflexão, inclusive, na forma de autoexame sobre os elementos motivadores das suas próprias práticas. Nesse sentido, ‘afeto’, ‘futuro’, ‘criminalidade’, ‘tráfico’, consumo de ‘droga’ estão fortemente presentes nas reflexões sobre a economia da vida desses sujeitos, da mesma forma em que espacialidades como ‘caminhada’ referindo-se a autorreflexão sobre a vida está problematizada na seção a seguir. Como é manifesto nas questões da pesquisa, ‘violência’ é o elemento central da investigação, devido a maior provocação investigativa. A ‘violência’ torna-se naturalmente mais frequente e está fortemente vinculada com ‘masculinidade’. As narrativas sobre ‘violência’ demonstraram-se vinculadas à ‘violência policial’, ‘assassinato’, ‘pobreza’, ‘fervo’133

, mas, em maioria, ao refletir sobre a ‘violência’, esta possui em si elementos da construção da ‘masculinidade’.

Ainda que haja Categorias Temáticas mais frequentes é possível perceber claramente a centralidade da ‘droga’134

na construção discursiva dos entrevistados. Narrativas sobre espacialidades de drogadicção estão emaranhadas numa rede de episódios de ‘violência’, na ‘economia’ da vida, na construção da ‘masculinidade’ e da ‘identidade’, em reflexões sobre o próprio ‘corpo’ e sua ‘família’. Mas, o aspecto mais marcante a ser pensado é o seu maior vínculo, o ‘afeto’. O termo designa um

133 ‘Fervo’, na linguagem dos entrevistados se refere à festa, atividades de fruição social, seja

organizada previamente ou invocada a partir de um grupo de pessoas que partilham do consumo de alguma substância psicotrópica. Geralmente algo animado, festivo, bagunçado e por vezes conflituoso. Efetuado geralmente à noite e/ou finais de semana.

134 A Categoria Temática ‘droga’ é ao mesmo tempo a categoria com maior número de relações com

outras categorias e maior relação em looping. As Categorias Evocativas que pertencem somente a Categoria Temática ‘droga’ são frequentes pelo fato da temática ser tomada de detalhes. É naturalmente frequente em uma entrevista em uma instituição de tratamento de drogas que os entrevistados se detenham a falar sobre detalhes de consumos, curiosidades sobre as substâncias consumidas, momentos esses que evocam somente aspectos sobre ‘droga’.

conjunto de emoções, mas também elementos de afecção que aumentem ou restrinjam a potência de ação e relação dos adolescentes entrevistados. Nesses moldes, a ‘droga’ evoca um elemento central na ‘economia afetiva’ (AITKEN, 2012) dos adolescentes que se apresentam consideravelmente ligados à ‘família’, conforme Grafo 3.

Inclusive, outro aspecto evidente, é que a ‘identidade’ presente nas entrevistas está sobreposta à ‘família’, ao ‘afeto’, ao ‘corpo’ e mais fortemente à ‘droga’. A instituição identitária está fortemente vinculada às espacialidades de drogadicção, bem como a construção das ‘masculinidades’ é permeada pela drogadiccção e pela ‘violência’. Portanto, a construção de uma identidade masculina para o grupo social em questão precisa ser pensada de maneira interseccional às espacialidades de drogadicção e de violência.

Alguns aspectos periféricos pela sua frequência no Grafo 3 se tornam importante pela sua simples aparição. Em suas enunciações, os entrevistados fizeram constantes narrativas em que estavam marcadamente presentes o ‘corpo’. As evocações sobre o ‘corpo’ figuram o contato e assimilação das drogas, bem como a experiência de mudança/fugacidade, sob um ‘corpo’ precário e agredido. Do mesmo modo, há a presença da Subcategoria Temática ‘violência policial’. Essa subcategoria foi elaborada pela necessidade de pontuar um tipo de violência corporal, mas com desdobramentos emotivo/afetivos, praticada por agentes policiais, utilizando-se das mais diferentes formas de agressão.

Os aspectos evidentes no Grafo 3 auxiliam no mapeamento contextual do corpo geral das entrevistas, mas não só. As intersecções e sobreposições pontuadas aqui dão indícios da complexidade do cotidiano da juventude masculina que partilha de espaços de uso de drogas, que estão vez ou outra vinculados à territorialidade do narcotráfico e vivenciam espacialidades violentas. Esses indícios são fortalecidos com a compreensão das espacialidades vivenciadas pelo grupo e as práticas e personagens que compõem essas espacialidades.

4.2 – Espacialidades da violência no cotidiano de adolescentes homens com envolvimento com as drogas

Toda experiência organizada em uma narrativa de entrevista sugere uma sucessão de sensações internalizadas. Entretanto, a experiência é antes uma

multiplicidade fértil das coisas e relações que interagem e se associam entre si constantemente (MASSEY, 2008). A possibilidade do encontro e das relações é própria da dimensão espacial. “Qualquer noção de sociabilidade em sua forma mais frugal, simples multiplicidade, subentende uma dimensão de espacialidade” (MASSEY, 2008, p.266). O espaço implica um reconhecimento de coexistência e é através do qual existe um autoposicionamento no mundo, segundo Massey (2008), um tipo de imaginação corporificada se faz mediante outros corpos e é constitutiva das sociabilidades em que vivemos. Uma espacialidade acontece e continua acontecendo mediante suas coexistências relacionais; essas inter-relações, que se definem coetaneamente, manifesta suas coextensões.

Assim como em imagens, vídeos, flânerie135, etc, em uma trajetória discursiva é possível organizar as espacialidades reconhecidas pelo grupo. Essas espacialidades discursivas assumem um campo relacional do cotidiano narrado, através do qual as práticas, afetos, signos e personagens são posicionados. Através delas é possível compreender como são empreendidas as trajetórias de vida, principalmente em seu vínculo com práticas de violência corporal continuada que estão engendradas nas mais diferentes motivações.

Como descrito na seção 1.3, através da sistematização das entrevistas dos adolescentes da Comunidade Terapêutica, foram organizadas espacialidades discursivas como estratégia metodológica de compreensão da construção de masculinidades e seu vínculo com práticas de violência. A partir das Categorias Evocativas organizadas das evocações presentes nas entrevistas, foi possível identificar espacialidades discursivas evidentes que foram vinculadas a cada Categoria Evocativa, juntamente à identificação de ‘Outros’, ou seja, qualquer personagem presente na evocação (Figura 6). Esse vínculo relacional possibilita a elaboração de Grafos que expressem a frequência de cada Categoria Evocativa em cada Espacialidade, bem como posicionam as relações estabelecidas entre elas e os ‘outros’ evocados. De um total de 341 Categorias Evocativas, foram organizadas 14 espacialidades136 e, dentre essas, 7 serão problematizadas considerando sua

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Termo francês para o ato de vaguear, passear de maneira errante, prática caminhante a deriva. Comumente utilizado em textos geográficos inspirados pelos escritos do francês Guy Debord e o conterrâneo Charles Baudelaire.

136 As espacialidades estão listadas em ordem de frequência: ‘vila’ (16,2%); ‘caminhada’ (16,2%);

‘família’ (13,3%); ‘correria’ (12,7%); ‘futuro’ (8,2%); ‘rua’ (7%); ‘corpo’ (4,1%); ‘cena louca’ (4,1%); ‘tráfico’ (3,8%); ‘comunidade’ (3,8%); ‘fervo’ (3,2%); ‘quebrada’ (1,2%); ‘identidade’ (0,9%); ‘detenção’ (0,9%). Os demais 4,4% são dispersos.

centralidade através da frequência e do alinhamento com as questões de pesquisa137. São elas: ‘vila’, ‘caminhada’, ‘família’, ‘correria’, ‘corpo’, ‘cena louca’ e ‘fervo’.

137 A espacialidade ‘rua’ não está problematizada no texto por ela consideravelmente restrita de

informações. A rede de relações evocativas se restringiu a poucas categorias, as quais foram contempladas pelas outras espacialidades discursivas organizadas.

As espacialidades ‘futuro’ e ‘comunidade’ foram retiradas por não atenderem aos objetivos da pesquisa. ‘Futuro’ até é interessante enquanto um elemento presente na articulação da identidade e afeto, entretanto, agrega muitos elementos sobre esperanças construídas no espaço da instituição de tratamento. Da mesma forma a ‘comunidade’ se refere a espacialidade da instituição a qual estão vivendo e onde foram elaboradas as entrevistas, mesmo que não seja alvo das questões a espacialidade presentemente vivenciada é comumente evocada, como um espaço de referência para a reflexão sobre a trajetória de vida. As espacialidades ‘quebrada’, ‘tráfico’, ‘identidade’ e ‘detenção’ se mostraram dispersas e não se configuraram enquanto uma espacialidade eficaz na categorização das entrevistas, por sua pouca frequência.

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