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3. Identidade do catequista

3.3 Catequistas com uma fé profunda

Hoje, vivemos num modelo cultural de maneira “individualista, centrada no bem-estar imediato sem nenhuma referência transcendente, nem religiosa nem moral”70. Este modelo, en- tre outras coisas, polariza-nos pelo gozo do presente. As perspetivas a longo prazo e a esperança de um mais além não oprimem tanto o homem. Por isso, os homens e mulheres de hoje vão perdendo a capacidade de questionar-se a origem e o sentido último da vida, pois, “no nosso mundo há fortes fermentos de ateísmo e de diferença religiosa” (TDV 21). A pergunta sobre Deus e sobre o mais além fica cada vez mais distante e vai-se convertendo numa dimensão perdida: “muitos dos nossos contemporâneos não atendem a esta íntima e vital ligação a Deus, ou até a rejeitam explicitamente” (GS 19).

Neste contexto, a Igreja necessita de catequistas mergulhados num profundo sentido reli- gioso, com uma experiência madura da fé e um forte sentido de Deus. Visto que “a missão primordial da Igreja é anunciar Deus e testemunha-Lo diante o mundo” (DGC 23), O catequista tem de ser capaz de dar testemunho da sua fé em Deus e de responder à inquietação mais pro- funda do coração do homem, pois muitas vezes não está consciente de que a sede do absoluto habita nele. Só um catequista assim devolverá ao ser humano o sentido profundo da vida e lhe fará gostar do caminho da verdadeira felicidade

70Fernando Sebastián Aguilar, “Nueva evangelización, nueva catequesis, nuevos catequistas,” Actualidad Cate-

45 De facto, “um dos traços mais nucleares do catequista consiste em ser testemunho da fé”71. Porém, em primeiro lugar, “o catequista testemunha a fé na medida em que a vive e a expressa na sua própria vida”72. A este respeito o Papa Paulo VI afirma na sua encíclica Evan-

gelii nuntiandi:

“Para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. "O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas” (EN 41). E, em segundo lugar, pode afirmar que ele testemunha a fé quando acolhe com fidelidade a Revelação de Deus em Jesus Cristo através da Igreja e a transmite, fazendo realidade um dos princípios fundamentais de toda a catequese: “fidelidade a Deus e à pessoa” (CT 55). Esta ca- tegoria do testemunho ajuda certamente “o catequista a tomar consciência de que a sua espiri- tualidade brota da sua relação com Jesus Cristo através da pertença eclesial”73 e que a sua mis- são consiste, antes de tudo e sobretudo, “em incorporar os catecúmenos ou catequizandos na- quela comunhão da vida com Deus Trino de que ele participa e que fazer extensível aos ou- tros”74.

O primeiro aspeto que o catequista tem de testemunhar é a memória de Deus:

“Aprouve a Deus na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina. Em vir- tude desta revelação, Deus invisível, na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele” (DV 2).

O Papa Francisco também na homilia da eucaristia durante a peregrinação dos catequis- tas a Roma no Ano da Fé afirma que:

“O catequista é precisamente um cristão que põe esta memória ao serviço do anúncio, não para se exibir, não para falar de si mesmo, senão para falar sobre Deus, do seu amor e da sua fidelidade. Falar e transmitir todo o que Deus revela, isto é, a doutrina na sua totalidade, sem diminuir nem acrescentar nada75”.

71 Gregorio Aboín Martín, “El catequista, testigo de la fe,” Teología y Catequesis, nº 137 (2017): 117. 72 Martín, “El catequista”, (2017): 119.

73 Terrassa, “Acentos”, 84. 74 Magro, “El catequista,” 86.

75FRANCISCO, “Homilía de la missa durante la peregrinación de los catequistas a Roma por el Año de la fe,”

46 Além disso, o catequista é “testemunho de uma história que nos precede e que ele não pode inventar ou modificar a seu capricho”76. De facto, a relação do catequista com esta me- mória de Deus não se reduz a uma mera memória intelectual, “senão que a cuida e a alimenta na própria vida, a reconhece presente no contexto histórico que lhe toca a viver com as suas luzes e sombras e a sabe despertar no coração dos outros”77.

O catequista é aquele que se sente chamado a transmitir com todo o seu ser a Revelação de Deus por Cristo no Espírito Santo. Neste sentido, é “lícito vincular o testemunho da fé do catequista à identidade e à missão da Igreja”78. O catequista tem de ter consciência de que re- cebe a fé da Igreja e, por isso, como membro da Igreja, “a transmitirá aos outros na medida em que se sinta sustentado pela fé dos outros” (CC 166). Este modo de conceber a fé, em relação à Revelação e salvaguardando a sua dimensão eclesial, configura certamente o modo de entender a ação catequética enquanto “iniciação ordenada e sistemática à Revelação que Deus fez de Si mesmo ao homem, em Jesus Cristo, revelação conservada na memória profunda da Igreja e nas Sagradas Escrituras e comunicada constantemente, perante uma traditio viva e ativa, de geração em geração” (CT 22). É lógico concluir que o catequista tem de converter-se não só testemunho da memoria Dei ou da memoria Iesu senão também da memoria fidei Ecclesiae, contida na

Traditio apostólica. Assim, o catequista tem de reconhecer-se como testemunho e laço de uma

tradição que deriva dos apóstolos, o qual leva consigo a exigência “de conformar a sua ação educadora com estas constantes da Tradição, se não quer expor-se a correr em vão” (cf. EC 68).

O catequista tem de situar-se como aquele que é enviado por Deus através da Igreja para que transmita a fé que a Igreja crê, celebra, vive e reza. A dimensão testemunhal do catequista deve “vincular-se necessariamente a sua pertença à Igreja”79, a qual “com o seu ensinamento, a sua vida, o seu culto, conserva e transmite a todas as idades o que é e o que crê” (DV 8). Há de ter presente que a missão da catequese consiste em transmitir o que primeiramente recebe (cf.

76 García, “San Ireneo,” 111. 77 Ángel, “Nuevos catequistas,”28. 78Afonso, “La identidad,” 52. 79 Afonso, “La identidade,” 64.

47 1Cor 15): um dom novo e surpreendente, insuspeito pelo homem, uma novidade que se lhe oferece e que não provem dele, “senão que é dada como graça”80. Deste modo, o catequista tem de esforçar-se por transmitir esta Traditio de tal modo que seja significativa para o destinatário concreto a que dirige o seu trabalho. Por isso, ele tenta conseguir que todo aquele que transmite da fé da igreja seja percebido pelos destinatários como boa noticia para a sua vida, como luz para o seu caminhar e como sentido concreto para a sua existência.

A espiritualidade do catequista enquanto testemunho da fé deverá cultivar entre outras as seguintes dimensões: bíblica, cristológica e eclesial. O catequista tem de ter como fonte da catequese a Revelação contida tanto na Sagrada Escritura como na Tradição. Neste sentido, ele é chamado a ser uma pessoa capaz de ler a Sagrada Escritura como crente e contemplativo; uma pessoa que ajude aos catecúmenos e catequizandos a experimentar que Deus continua cha- mando hoje, e que a sua história pessoal e comunitária está em íntima união com a história da salvação que Deus constrói ao longo dos séculos. Em suma, o catequista tem de ajudar aos catequizando a tomar consciência de que Deus lhes “primeirea” (EG 24).

O catequista tem de ter consciência de que o seu serviço não consiste em testemunhar-se a si próprio senão a Jesus Cristo. Em consequência, pode falar-se de um serviço cristocêntrico:

“O Cristocentrismo na catequese significa também que, mediante ela, se deseja transmitir, não já cada um a sua própria doutrina ou então a de um mestre qualquer, mas os ensina- mentos de Jesus Cristo, a Verdade que Ele comunica, ou, mais exatamente, a Verdade que Ele é. Tem que se dizer, portanto, que na catequese é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de Deus, que é ensinado — e tudo o resto sempre em relação com Ele; e que somente Cristo ensina; qualquer outro que ensine, fá-lo na medida em que é seu porta-voz, permitindo a Cristo ensinar pela sua boca. A preocupação constante de todo o catequista, seja qual for o nível das suas responsabilidades na Igreja, deve ser a de fazer passar, através do seu ensino e do seu modo da comportar-se, a doutrina e a vida de Jesus Cristo. Assim, há-de procurar que a atenção e a adesão da inteligência e do coração daqueles que catequiza não se detenha em si mesmo, nas suas opiniões e atitudes pessoais; e sobretudo não há-de procurar inculcar as suas opiniões e opções pessoais, como se elas exprimissem a doutrina e as lições de vida de Jesus Cristo. Todos os catequistas deveriam poder aplicar a si próprios a misteriosa pa- lavra de Jesus: «A minha doutrina não é minha mas d'Aquele que me enviou». É isso que faz São Paulo, ao tratar de um assunto de grande importância: «Eu aprendi do Senhor isto, que por minha vez vos transmiti». Que frequente e assíduo contacto com a Palavra de Deu transmitida pelo Magistério da Igreja, que familiaridade profunda com Cristo e com o Pai, que espírito de oração e que desprendimento de si mesmo deve ter um catequista, para poder dizer: «A minha doutrina não é minha»!” (CT 6).

80Javier Salinas Viñals, “La diaconía de la verdad como expresión de la comunidad eclesial,” Actualidad catequé-

48 Deste modo, o catequista compreende que a sua missão consiste em conduzir aos homens àquele encontro com Jesus Cristo que “dá novo horizonte à vida e, com Ele, uma orientação decisiva” (DCE 1). Ele, na sua condição de batizado, enquanto filho de Deus no Filho por meio do Espírito Santo, está a ser chamado de uma maneira especial, pela sua vocação e missão, a testemunhar a Cristo Mestre, convertendo-se em “ícone vivente do magistério de Jesus”81. O catequista, em íntima comunhão com Cristo, tem de transparecer e atualizar o magistério do Senhor com o mesmo Espírito com que Ele o leva a cabo. Ele, na escola de Jesus Mestre, tem de testemunhar e transluzir esta ação magistral de Cristo, integrando aos catecúmenos naquela comunhão de vida com o Deus Trino de que ele participa e que quer fazer extensível aos outros. O catequista tem de ser igualmente consciente de que não transmite a sua própria fé, senão que a sua fé é a fé da Igreja e que a sua pertença à Igreja é a que o leva a testemunhar e a fazer presente fé nas “periferias existenciais do nosso mundo”82. Por isso, é necessário, em primeiro lugar que o catequista permaneça em comunhão com a fé da Igreja, renovando a sua pertença eclesial e tratando de transmitir a fé inteiramente, sem desviar do fundamental; em segundo lugar que o catequista submerja na vivência daqueles que lhe precedem com o sinal da fé. Neste sentido, ele tem de estar atento à maneira como estas pessoas transmitem a dita fé e como são testemunhos da mesma no meio das condições, em muitos casos nada fáceis, nas que lhes tocam a viver. Assim, o catequista sentir-se-á continuador deste serviço e tratar-se-á de levar a cabo com chaves similares às que eles usam; em terceiro lugar que o catequista preste atenção a história que lhe toca viver, a sociedade em que vive, as dificuldades e oportunidades que expe- rimentam os seus contemporâneos à hora de crer. Logo, o catequista poderá discernir, à luz do Evangelho, qual é a ação de Deus no meio dos ambientes donde se desenvolve a sua vida e como pode ajudar o seu serviço; em quarto lugar, o catequista, sendo consciente de que é um laço na corda da transmissão da fé, querido por Deus.

81Félix, “El catequista,” 94. 82 Depalma, “Catequistas,” 112.

49 Por um lado, o catequista tem de ser paciente para não esquecer que a ele só lhe cabe a cultivar e que Deus é o que faz frutificar, pois como sustenta São Paulo:

“Nem o que planta nem deu o que rega é alguma coisa, mas só Deus, que faz crescer. Tanto o que planta como o que rega formam um só, e cada um receberá a recompensa, conforme o seu próprio trabalho. Pois, nós somos cooperadores de Deus, e vós sois o seu terreno de cultivo, o edifício de Deus” (1 Cor 3,7-9).

Por outro lado, o catequista tem de ser humilde porque sabe que é um instrumento nas mãos de Deus, eleito, não em virtude dos seus méritos senão conforme à bondade e à miseri- córdia de Deus. Por isso, o catequista escuta a voz do Senhor que lhe diz: “basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza” (2 Cor 12,9).

Por fim, o catequista tem de ter consciência de que a sua missão consiste em incorporar o catecumenado ou catequizando à comunhão da Igreja. Em consequência, tendo presente que a iniciação cristã consiste na “inserção de um candidato no mistério de Cristo, morto e ressus- citado, e na Igreja por meio da fé e dos sacramentos” (IC 19), compreende-se que o catequista é o que “dá testemunho e anuncia para que os outros, acolhendo a sua mensagem, se incorporem a essa comunhão e vivam a mesma experiência83”. Ser cristão implica, antes de tudo e sobre- tudo, acolher a Vida que provem de Deus e entrar em comunhão com Ele por meio daquela realidade que, em Cristo, é constituída em “sinal e instrumento da união dos homens com Deus e dos homens entre si: a Igreja” (LG 1). Baseando neste ponto de vista, a Igreja pode ser com- preendida como verdadeira mãe que gera os filhos na fé:

“A Igreja, ao transmitir a fé e a vida nova — através da iniciação cristã — age como mãe dos homens, que gera filhos concebidos por obra do Espírito Santo e nascidos de Deus. Precisamente, por ser nossa mãe, a Igreja é também a educadora da nossa fé; é mãe e mestra ao mesmo tempo. Através da catequese, alimenta os seus filhos com a sua própria fé e os incorpora, como membros, na família eclesial. Como boa mãe, oferece-lhes o Evangelho em toda a sua autenticidade e pureza, o qual, ao mesmo tempo, lhes é dado como alimento adaptado, culturalmente enriquecido e como resposta às aspirações mais profundas do co- ração humano” (DGC 79).

50 Chegando a este ponto, porque a catequese é uma ação eclesial, o catequista é chamado a ter uma forte identidade eclesial e uma finalidade eclesial, consistente em incorporar a que se inicia na fé em comunhão dos cristãos:

“A comunidade cristã é a origem, o lugar e a meta da catequese. É sempre da comunidade cristã que nasce o anúncio do Evangelho, que convida os homens e as mulheres à conversão e a seguirem Cristo. E é esta mesma comunidade que acolhe aqueles que desejam conhecer o Senhor e empenhar-se numa nova vida. Ela acompanha os catecúmenos e catequizandos no seu itinerário catequético e, com materna solicitude, torna-os partícipes da própria ex- periência de fé e os incorpora no seu seio” (DGC 254).

O testemunho eclesial da fé do catequista deve estar encaminhado, pela sua mesma natu- reza, à incorporação dos que acolhem o dito testemunho à santa Igreja de Deus.

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