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Mui conhecida cousa é quão várias e inconstantes são as mulheres. Vária e mudável cousa é a mulher que três vezes se muda na hora. E não faltou quem disse, e não fui eu, que quando carecer o mar de ondas e os rios de peixes, então cessará a mulher de enganar e de se mudar e portanto pintam a fortuna em figura de mulher em cima de hũa bola a denotar que logo se revolve e muda. Terêncio diz que quando queremos não queremos e queremos quando não queremos, o que lhe contente agora lhe aborrece depois. E seu engenho se volve como ave no ar e seu entendimento não é sempre em um lugar. E com sua inconstância podem fazer muito mal a quem com elas tratar. Que a pessoa que não é constante nem tem firmeza em suas obras, não tem crédito nem reputação, nem se pode fiar dele cousa de substância. É mui suspeita a todo segredo, porque logo o há-de descobrir que não é em sua mão encobri-lo. A inconstância das mulheres as faz não ser verdadeiras e as faz de duas línguas, e de duas faces, e de dois corações. As quais mal diz o eclesiástico dizendo: mal hajam os que tem dobrado coração. E diz mais: que melhor é o pobre justo que o rico mentiroso e que a língua enganosa não ama a verdade e a boca que escorrega aparelha muitas quedas. E David diz: destrui Senhor aqueles que falam mentira e não há pessoas mais aparelhadas a isso que algumas mulheres por sua inconstância e portanto por esta razão se devem deixar.

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Já parece tempo de corroborar esta minha opinião com mais evidentes razões e mais aprovadas. E portanto, neste lugar, ocorre outro fundamento para provar quão duvidoso e perigoso seja o casamento, o qual é por respeito da incontinência e impudicícia de muita parte das mulheres, porque são mui perigosas em sua castidade. Diz Platão que a mulher e o homem foram juntamente feitos e que a mulher deseja tornar-se a perfeição em que antes era, posto que isto é falso. Mas, por isso, são menos continentes e menos sofridas, segundo diz Aristóteles. Tales, filósofo, quis experimentar em sua mãe que era castíssima, e desde que conheceu que com porfia se podiam violar, nunca em sua vida mais falou. A história é vulgar. A razão é por causa da porfia que vence a castidade, e que sejam menos continentes que os homens mostrasse porque a mulher de doze anos é hábil e potente e o homem de catorze, e antes de doze muitas são mulheres e por serem assim grande fadiga é ao homem ter esse cuidado, maiormente, ausentando-se ele de sua casa para o que lhe cumpre, deixando sua mulher só, que é tesouro mui perigoso de guardar, porque é notório nesta fraqueza caírem todo género de pessoas, assim altas como baixas e ainda com pessoas de menos sorte que seus maridos. Pois logo, para que se quer meter o homem em ventura de tamanho perigo.

Verdade é que não há maior bem nem maior tesouro que as boas e virtuosas, e deviam todas procurar de ganhar tal nome, e deviam olhar que não há maior dom dado pela natureza que a castidade e pureza da mulher, a qual depois de perdida, não se pode mais cobrar. E ainda dizia Santo Agostinho que Deus não podia restituir a virgindade perdida.

Deviam também cuidar que não há cousa tão secreta que não se descubra, como diz o Evangelho, posto que os namorados o não cuidem, porque o amor, e o fogo, e a tosse, não se podem encobrir a quem os tem e não se acha míngua que cousa desta matéria durasse sem se descobrir ou por descuido, ou pelos terceiros, ou por eles mesmos, porque, como diz Aulo Gelio, a verdade é filha do tempo e por ele se descobrem todas as cousas.

E deviam de cuidar que a boa fama é tesouro inestimável e como lírio que dá cheiro suave, e não há cousa mais nojosa que a má fama e que mais empeça e

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quanto mais passa por boca das pessoas tanto mais se acrescenta, porque não há cousa mais fácil de correr e que mais presto se mova e muito mais a má que a boa. E as mulheres infamadas como quer que disso tenham muito grande dor, queriam que todas as outras o fossem assim, porque são como o demónio que deseja ver todos no inferno. Deviam também olhar as mulheres quão pouco dura aquele vício e o mal feito dura muito, onde Séneca diz que ainda que soubesse que Deus havia de perdoar e os homens o não haviam de saber que antes queria morrer que fazer contra o bem da virtude.

E também deviam considerar que as mulheres que mal vivem, que perdem sua nobreza e fidalguia, e que lhe dão curador como a pródigo, e não podem fazer testamento e perdem os privilégios, e podem ser prezassem que sejam mulheres.

Isso mesmo, considerem as mulheres que aqueles que as cometem, têm mulher ou amiga, ou amigas, e desde que aquilo passam nenhum outro desejo têm senão como lho hão-de contar, como lhe aconteceu, como a enganou, onde lhe falhou, e tudo muito por extenso. Maiormente, quando elas por algũa via os anojam, especialmente por ciúmes que então não fica cousa que senão palre em que seja mui vergonhosa. Deviam também de cuidar que logo após o vício vem o arrependimento, como diz o filósofo, e que o preço da mulher má é escassamente um pão, segundo diz Salomão, e quão pouco é o deleite em comparação da grande desonra e infâmia. Que por derradeiro os namorados desde que têm o que querem são como justadores que desde que quebram a teia não curam mais dela. Não deviam crer as mulheres as palavras doces dos homens pois não vão dirigidas a seu proveito, senão para sua desonra e dano, e fugir de suas práticas e cumprimentos, porque tanto que a mulher fala ao homem, logo é perdida e não quer ele mais. Assim como dizem do Alcaide que guarda o castelo porque como vem a falar ao inimigo, logo dá a menagem e a mulher que se põe em práticas ou escusas dai-a por vencida, porque logo dá ousadia ao homem e ela vai despedindo a vergonha e sucede pouco a pouco às lágrimas falsas. E se a mulher é mui seca e mui recatada não tem os homens coração para cometer, mas elas fazem crescer aos homens os desejos, em maneira que o que eles começam de burra põem-se a cavalo de verdade e as palavras chorosas que no princípio fingiam, depois prosseguindo as dizem mui verdadeiras, e com isto vem a cousa a todo mal e pela

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maior parte elas como mais fracas ficam vencidas, infames e destruídas. E se mais se estimassem mais valeriam e seriam mais altas. Mas, segundo diz o Florentino, três cousas são de mui grande preço que se hão por nada: a fortaleza do cavalo, o conselho do pobre, a formosura da má mulher.

Isso mesmo devem olhar as mulheres que qualquer cousa que aos homens levam, é mal levada e são obrigadas elas à restituição maiormente se levam a homem casado que o roubam à sua mulher e filhos, porque nenhuma mulher pode levar nenhuma cousa com consciência. Salvo as que estão publicamente, porque estas em que recebam torpemente retêm-no com direito e podem disso dar esmola e convertê-lo em seus usos. Mas as outras que estão nos becos que fingem de boas e outras tais estas não lhe podem levar nada e são obrigadas a restituí-lo.

Item as casadas muito mais deviam cuidar que não podem fazer maior pecado que adultério e além disso, se o sabe ou suspeita, o marido já que possa ter paciência, concebe-lhe grande ódio que já nunca com ele vivera em paz, porque o sente mais que se lhe desonrassem a filha, e mais que se o acautelassem à morte, e mais que se perdesse toda sua fazenda, e mais que a morte dos filhos, porque como a mulher seja osso de seus ossos e carne de sua carne, sente-o como sua mesma morte, por onde Policrato dizia: ser dor sobre todas as dores, onde nasce o tal que chamamos cornudo, quase homem que tem sempre nudo ou nó no coração, porque naturalmente e de direito natural todo homem com isso se indigna mui muito, ainda que seja sua amiga ou manceba quanto mais da mulher, e o que não sente muito é insensível, porque tal sentimento ou ciúmes são naturais quando são verdadeiros que até as alimárias têm aquele sentimento.

Outro se deve considerar a mulher quanta desonra faz a seu marido e aquela tacha e mácula passa a seus filhos, e lhe dizem que não têm pai certo, e às vezes faz a mulher que os filhos do adúltero levem a fazenda do marido e vêm juntamente com os outros herdar, por onde fica a mulher mui carregada em sua consciência, porque ainda que depois diga que não é filho do marido, não se lhe crê segundo direito, porque se presume pelo matrimónio ainda que ela estivesse na mancebia, presume o direito ser filho daquele que tem a mulher mais à sua vontade. Alguns tiveram que como as mulheres pela maior parte amem mais aos

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