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O Ceará e suas Primeiras Ocupações

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Apesar de no século XVI, o mar ser um espaço relacionado ao medo do desconhecido, representado por monstros marinhos, abismos que “engoliam” navios, tempestades que produziam naufrágios, piratas; surgiu como contraponto a isso, já no século XVII, a Teologia natural, como já foi citado anteriormente, apresentando rápidas transformações e que foram fundamentais para as novas descobertas. Esta Teologia apresentava Deus para os homens em uma imagem mais humana e do mundo menos repulsiva, apresentando-se a terra como algo criado a serviço dos homens e os espaços litorâneos como espaços paradisíacos e propícios as grandes navegações. Como cita, Corbin, quando coloca o poema de Richard Blackmore, que na Inglaterra do século XVIII, desenvolve poesia a respeito do mar:

Os ventos marítimos foram criados por Deus para assegurar a depuração das águas, dar propulsão aos barcos e refrescar as terras superaquecidas pelo sol. Quanto às tempestades, têm também sua utilidade, como os vulcões e tremores de terra. Sua agitação que poderia parecer vã visa corrigir ou purificar o ar, renovando-o.

Esse inesgotável discurso desemboca a um hino a navegação que aproxima os homens, que permite ao marinheiro admirar a terra inteira, que encoraja o comércio e, sobretudo possibilita o desdobramento do esforço missionário, (CORBIN, 1989:40).

No século XVI, o Ceará ficou praticamente esquecido por Portugal, alguns autores citam as correntes marítimas, excessiva ventilação que dificultava o acesso à costa Cearense, a oposição dos índios à presença do invasor Português, a aridez do clima e a presença constante de outras nacionalidades na região, fatores que dificultavam a chegada de Portugueses. Outras nacionalidades no Ceará eram principalmente Franceses e Holandeses, estes chegaram a estabelecer-se através de Matias Beck no forte Shoonenborch (Figura 09) na página seguinte, local onde tradicionalmente coloca-se como sendo o lugar de fundação da cidade de Fortaleza, onde atualmente localiza-se a 10° região militar.

Ainda quanto à dificuldade da colonização da capitania do Ceará, cita Abreu:

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Com a ocupação do Amazonas, perdeu o Ceará o pouco valor que lhe reconheciam. Não era mais a base de operação; convinha apenas conservar alguns fortins por causa da navegação perigosa daquele trecho do litoral; houve até a idéia de evacuá-lo; anexo ao estado do Maranhão logo que foi criado, não poderia comunicar-se com ele durante parte do ano, por causa dos ventos que sopram na mesma só direção; pelo mesmo motivo não podia comunicar-se com Pernambuco, noutra temporada (ABREU, 1963:356).

Na verdade, para a não ocupação, teve como motivo principal à falta de atrativos econômicos, pois o que o Ceará possuía, não interessava a um reino mercantilista que buscava apenas ouro e prata, que não encontraram, e as terras cearenses, nem serviam para o plantio da cana de açúcar. Seu donatário, Antônio Cardoso de Barros, nunca esteve no Ceará.

Figura 09-

Fonte: www.estacaoturismo.hpg.ig/historia.htm

Só a partir do século XVII, em função do medo da perda dos domínios pela fundação no Maranhão da França Equinocial, enfim, por razões estratégico- militares e de efetiva posse, e em oposição à cobiça estrangeira pelo Ceará, é que começou timidamente a ocupação. Também por ser um ponto de apoio logístico para a ocupação do litoral norte da colônia, ainda não ocupada produtivamente, é

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que a coroa Portuguesa começou a construir fortificações em nossa costa, pois o interior da capitania era ignorado pelos colonizadores, como cita Girão:

O pequeno número de povoadores presos ao litoral não se animava a investir contra o sertão dominado pelo silvícola agressivo e indomável, sempre pronto a repelir o invasor à flecha e tacape, em defesa de sua gleba: a bicharada hostil e a ecologia desconhecida aterrorizavam o “homem branco”, prendendo-o cada vez mais à orla marítima.( GIRÃO, 1984:59).

Após um longo período de baixa produtividade e de pouco e efetiva ocupação, só mesmo no começo do século XIX é que começaram a aportar no litoral Cearense. Relatos apontavam o porto do Ceará como péssimo, com ventos em demasia, fortes ressacas que não proporcionavam boas condições de ancoragem de navios. Já naquela época, questionava-se do por que a capital do estado ser Fortaleza, que era um local de tão difícil acesso, principalmente considerando a presença de outras cidades como Aquiraz e principalmente a cidade de Aracati que era o maior centro de produção e exportação da chamada “carne do Ceará” e economicamente era uma cidade mais representativa.

Enquanto nas capitanias de Pernambuco e Bahia havia uma lógica de ocupação militar-administrativa, ligada a uma atividade econômica, na capitania do Ceará isso não acontecia, pois o máximo que obtinham com o Ceará era a criação de gado com a salga da carne, e posteriormente a produção de algodão, pois a cana de açúcar e metais preciosos não existiam, era a chamada predominância do sertão sobre o litoral. Nesse contexto, em seus primórdios, a capitania do Ceará no litoral apresentava-se economicamente com atividades de subsistência, efetivada pelos silvícolas (Potiguaras e Tremembés), através da pesca artesanal que é atividade típica dos litorais semi-áridos e a própria agricultura de subsistência.

Esta realidade foi modificada através das charqueadas, como citada no parágrafo anterior, que se aproveitou do desenvolvimento da criação de gado, como nova atividade econômica, fazendo com que surgissem novos núcleos urbanos. Segundo Dantas:

Com as charqueadas estabelecem-se as primeiras relações do sertão com o litoral, baseado no mercado interno que alimenta um comércio marítimo (transporte de cabotagem de exportação e importação) e reforça o contato

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com as capitanias mais desenvolvidas economicamente (DANTAS, 2002:215).

Outras cidades avançaram em função dessa prática econômica: a cidade de Icó, como ponto de confluência da estrada geral do Jaguaribe e a estrada das boiadas, mesmo não sendo porto exportador ou centro produtor, cresceu em função das charqueadas, Girão (1984). A cidade de Aracati, no século XVIII, exerceu papel deveras importante, já em 1748 como maior centro de produção de carne seca. No entanto, Fortaleza em disputa com Aracati acabou prevalecendo, pois o comércio de algodão, junto com o aspecto de ser a capital da província, carreando investimentos por parte do governo central, propiciaram a Fortaleza, paulatinamente, o predomínio sobre as outras cidades do estado, configurando-se como ponto também centralizador das atividades comerciais.

No começo do século XIX, com a abertura dos portos às nações amigas pelo rei de Portugal D.João VI, acontece no Ceará, especificamente em Fortaleza, a comercialização direta com a Europa, iniciada com o envio de barco carregado de mercadorias locais e de algodão para Londres em 1809. Como cita Dantas:

Aproveitando-se da crise de abastecimento internacional, com a guerra civil americana, abertura de Fortaleza para o mar, potencializou a cultura algodoeira no estado, reforçando o fluxo de barcos que ligava a capital diretamente a Inglaterra, (DANTAS, 2003:227 ).

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