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LENAIN, Thierry. Ceci tem pipi? Ilustração de Dalphine Durand. Tradução Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004. 29 p.

“Ceci tem pipi?” é um livro de Thierry Lenain (autor francês), com ilustrações de Delphine Durand e tradução de Heloisa Jahn, lançado em 2004, indicado para crianças dos seis aos oito anos. A relação entre ilustração e texto escrito é de redundância, apesar de que para total entendimento da obra, o texto escrito seja um tanto quanto mais importante do que as ilustrações presentes.

Na história, Max é um menino que acredita fielmente que o mundo é muito simples e que as pessoas podem ser divididas em apenas dois grupos: o pessoal “com-pipi” e o pessoal “sem-pipi” (binarismo de gênero), e que os com-pipi são mais fortes do que os sem-pipi e que eram superiores simplesmente por possuírem “pipi”. Para o menino as coisas eram assim desde o começo do mundo e não adiantava reclamar porque isso não iria mudar. Max era muito feliz por fazer parte do grupo com- pipi e que não era culpa dele as meninas fazerem parte do grupo sem-pipi.

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Figura 18 - Os com-pipi e as sem-pipi

Fonte: LENAIN, 2004 p. 8-9.

Esse pensamento de Max começa a mudar quando Ceci, uma nova coleguinha, entra para a classe de Max. No início ele não dá muita bola para a menina, já que ela é uma sem-pipi. Max começa a ficar curioso com Ceci quando a menina não desenha as flores que ele está habituado a ver nos desenhos das meninas, mas sim um grande mamute. Ele pensa “Qual é dessa garota?” (LENAIN, 2004, p. 14) quando Ceci sobe muito mais alto que ele nas árvores, ou quando a vê jogando futebol, ou por ela ter uma bicicleta de menino e sempre vencer ele e outros garotos nas lutas.

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Figura 19 - Ceci e seus atributos

Fonte: LENAIN, 2004 p. 14-15.

Max então subitamente descobre uma explicação plausível para a situação de Ceci ser daquele jeito: ela faz parte do grupo do pessoal com-pipi. Seu objetivo então torna-se descobrir se a menina realmente tem pipi e a expor para todos os seus colegas. Max se aproxima bastante da garota e tenta de muitas maneiras ter uma prova irrefutável que Ceci tem pipi. Durante sua investigação ele a segue no banheiro, mas vê que ela faz xixi sentada e isso não provava nada; ele dorme na casa da colega, mas ela muda de pijama no banheiro e Max também não vê nada.

O tempo vai passando, muitos dias e muitos meses e max ainda está bem próximo de Ceci. Quando as famílias dos dois vão juntas acampar, ambos, muito ansiosos, vão nadar sozinhos e esquecem de levar roupa de banho à beira-mar. É nesse momento que Max tem a sua chance e dá a ideia deles nadarem pelados. Apesar de achar que Ceci não vai aceitar, ela não pestaneja e já vai tirando sua roupa. Neste momento, Max finalmente conseguirá as provas que necessita e quando Ceci fica pelada na sua frente o menino se espanta por Ceci de fato não ter pipi. Ele assustado a questiona “– Você… não tem pipi?! Espantada Ceci olha para a parte de baixo de sua barriga. E diz: – Ué! Não, eu tenho perereca!” (LENAIN, 2004, p. 27). Daquele dia em diante, Max percebe que o mundo não é tão simples e para ele, que antes dividia as pessoas em com-pipi e sem-pipi, agora era os com-pipi e as “com- perereca” e que isso significava que não estava faltando nada nas meninas.

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Figura 20 - A descoberta de Max

Fonte: LENAIN, 2004 p. 26-27.

O autor Thierry Lenain traz indagações importantes referentes à identidade de gênero. Primeiramente o autor estabelece que Max divide as pessoas em diferentes classes e que subitamente estabelece que uma é inferior à outra. Quando o menino é confrontado por uma imagem feminina que possui mais habilidades que ele (habilidades consideradas masculinas) ele repentinamente acredita que Ceci na verdade é um menino, o que se comprova falso até o término da história.

Nota-se que Max tem um pensamento muito bem definido sobre a identidade e o papel das pessoas numa sociedade (pelo menos no que tange masculino e feminino). Não se identifica na história como o menino absorveu estas certezas, mas vale-se apontar que em nenhum momento ele buscou seus pais para sanar quaisquer dúvidas que tivesse, mostrando que pensamentos assim são disseminados em diferentes instâncias sociais. Neste sentido, Porto (2016) aponta a importância de se conversar sobre gênero dentro da sala de aula e que talvez, se esse fosse o cenário da história, quem sabe Max não teria que buscar explicações e motivos para que Ceci fosse melhor que ele e outros meninos em atividades que ele julgava masculinas (atividades para os com-pipi).

Lenain levanta questionamentos importantes ao decorrer de “Ceci tem pipi?” de como as mulheres e os homens são vistos em sociedade, seus papéis e atributos. O autor reforça a todo momento que as mulheres são tidas sim como seres inferiores

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aos homens e quando as mesmas mostram aptidões e habilidades iguais ou que superem as dos homens, elas são vistas imediatamente com estranheza perante a sociedade. Claro, todas essas habilidades apresentadas são consideradas masculinizadas, novamente dentro de uma sociedade que define e desassocia muito bem o masculino do feminino.

É significativo perceber que, no final da história, Max não considera mais que há algo faltando nas suas colegas meninas, apenas que elas são diferentes, mas não incompletas. O autor assim busca trazer o poder da desconstrução para a narrativa, fazendo com que um personagem que já tinha certezas irrefutáveis sobre o assunto, se questione e mude de pensamento no decorrer da história.

Desse modo, uma discussão sobre a temática do livro com as crianças torna- se algo bastante interessante, uma vez que existe a possibilidade de um debate sobre identidade de gênero e estereótipos envolvendo o masculino e o feminino. Mas também pode-se existir uma discussão sadia sobre estes discursos tão amplamente disseminados envoltos em verdades consideradas absolutas.

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