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CENÁRIOS DA TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

No documento Sônia Balvedi Zakrzevski Organizadora (páginas 35-41)

Sônia Balvedi Zakrzevski

Já se passaram mais de quarenta anos desde que a Educação Ambiental (EA) passou a ser incorporada nos currículos escolares de vários países do mundo. Com quase cinco décadas de existência e, na idade adulta, a EA procura superar seu caráter conservador. Desde que foi introduzida na sociedade, a EA tem se modifica-do profundamente e atualmente estamos cada vez mais conscientes das profundas mudanças que uma nova ética ambiental requer, não apenas em relação aos nos-sos comportamentos, mas também no que diz respeito às nossas concepções de conhecimento e de mundo (MAYER, 1998).

Nas décadas de 50 e 60, a EA acontecia num enfoque de educação para a conservação em que o ambiente era visto como um recurso, e o processo educativo estava centrado na experiência pessoal do ambiente, assumido como natureza (SAUVÉ, 1999). Nesse período, as primeiras ”investigações do ambiente” da es-cola ativa apresentavam o meio ambiente como um expediente pedagógico que permitia implicar ativamente os alunos (MAYER, 1998).

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A década de 70 traz especial transformação ao ambientalismo, desde que Estocolmo (1972) sai de um enclausuramento natural e toma dimensões em escalas mundiais. A Conferência de Tbilisi (1977), considera-da o marco conceitual definitivo considera-da EA, rompe com a educação meramente conservacionista, baseada na prá-tica conteudista, biologicista, pragmáprá-tica, freqüen-temente descontextualizada, ingênua e simplista. Ela fundamentou a EA em “dois princípios básicos: 1. Uma nova ética que orienta os valores e comportamentos para os objetivos de sustentabilidade ecológica e eqüi-dade social; 2. Uma nova concepção do mundo como sistemas complexos, a reconstituição do conhecimen-to e do diálogo de saberes”, convertendo a interdisciplinaridade em um princípio metodológico a ser privilegiado pela EA (LEFF, 1999, p. 113). A Conferência de Tbilisi, para indicar o desenvolvimento do pensamento crítico, resolver problemas e proporcionar ferramentas para a tomada de decisões

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dentro do contexto de questões sobre a qualidade de vida, enfatizou que os estu-dantes de todos os níveis de ensino deveriam envolver-se ativamente na resolução de problemas. Ou seja, a resolução de problemas ambientais locais (resolução de problemas concretos) deve se tornar a estratégia metodológica a ser priorizada na ação educativa da EA. A Conferência de Tbilisi incluiu a EA dentro da racionalidade instrumental (De Potter, 1997 apud Sauvé, 1999), pois considerar a resolução de problemas, por si só, como a meta principal da EA pode conduzir a sérios erros conceituais e estratégicos neste campo.

A grande relevância da Conferência de Tbilisi está na ruptura com as práticas ainda reduzidas ao sistema ecológico, por estarem demasiadamente implicadas com uma educação meramente conservacionista. Fortemente atrelado aos aspectos político-econômicos e sócio-culturais, não mais permanecendo restrito ao aspecto biológico da questão ambiental, o documento de Tbilisi ultrapassa a concepção das práticas educativas que são descontextualizadas, ingênuas e simplistas, por buscarem apenas a incorporação do ensino sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas ecológicos ameaçados pelos ser humano” (AGUILAR, 1992 apud LAYRARGUES ,1999).

Assim, na década de 70, aconteceram diversas experiências e projetos-piloto em todo o mundo, porém, em função de sua fragilidade epistemológica e política, eles não se fortaleceram institucionalmente, permanecendo mais como sonho de uma minoria ingênua do que como utopia transformadora. Permanece ainda la-tente nos programas de EA o ambiente como natureza... para ser apreciado exter-namente; o ser humano como observador e responsável pela sua preservação não se vê nesta paisagem, desejando a transformação social.

A EA, no seu início, foi reformista, já que tinha por objetivo resolver e prevenir os problemas causados pelo impacto das atividades humanas nos siste-mas biofísicos. Enquanto a década de 70 assistiu a experiências e implementações pioneiras da EA, com ênfase na dimensão natural, a década de 80 permitiu modi-ficações conceituais na EA (SATO, 1997). Nos anos oitenta, a EA “entrou gradual-mente na pós-modernidade” (SAUVÉ, 1999). O ambiente começa a ser visto como “um lugar para se viver.... caracterizado pelos seres humanos nos seus aspec-tos sócio-culturais, tecnológicos e componentes históricos, associado à idéia de “ambiente como projeto comunitário (...), como parte da coletividade humana, como um lugar político, centro de análise crítica, que clama pela solidariedade, democracia, envolvimento individual e coletivo para a participação e evolução da comunidade”. A associação destas duas representações de ambiente permitiu en-riquecer e dar um novo significado às representações de ambiente como natureza, recurso e problema (Idem).

Nessa década nasce o movimento da EA socialmente crítica, que propunha a associação da EA a uma análise crítica das realidades ambientais, sociais e educativas inter-relacionadas, visando à transformação das mesmas. A EA começa a advogar o diálogo entre os diversos tipos de saberes (disciplinares e não discipli-nares, defendendo que esta seria a melhor “estratégia para criar um saber crítico

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que pudesse ser útil para a solução de problemas e no desenvolvimento de projetos locais” (SAUVÉ, 1999, p.10) [tradução nossa].

Entramos na década de 90 com uma crise ambiental profunda: os proble-mas de desmatamentos generalizados, mudanças climáticas, desequilíbrios demo-gráficos... Acentuam-se as desigualdades entre os países ricos e pobres, mas tam-bém dentro das próprias comunidades industrializadas. A Conferência das Na-ções Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992, abre essa década com “um clima cultural de valoriza-ção das práticas ambientais” (CARVALHO, 1997, p.278). Ampliaram-se e diver-sificaram-se os proponentes de iniciativas em EA: órgãos públicos, escolas, em-presas, ONGs, como fazeres educacionais de correntes diversas.

Apesar de ser um tema de interesse público há mais de 40 anos, apenas na década de 90 a EA entrou em uma fase de “explosão” nas agendas políticas e nas preocupações sociais. Nessa década, a EA é considerada uma importante dimen-são da educação contemporânea. No Brasil, é nesse período que a EA começa a realmente fazer parte das políticas públicas de meio ambiente e de educação, des-tacando-se vários projetos e experiências através das organizações civis, institutos, academias, escolas e sociedade organizada. Surgem, nesta efervescência do cená-rio nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em que o MEC (1997) indica o tema “meio ambiente” como transversal nos currículos, na tentativa de superar as compartimentalizações das áreas do conhecimento. Equivoca-se, toda-via, ao considerar que ações coletivas e espaços integrados dos diálogos de saberes ocorrem por decretos governamentais. Sem nenhuma transformação que eviden-cie o fortalecimento das políticas na formação de profissionais, em 1999 emerge a Lei 9.795/99, como Política Nacional de EA, regulamentada pelo presidente da República no ano 2002, que estabelece a obrigatoriedade da EA em todos os níveis de ensino.

Os saberes não-científicos começam a ser revalorizados e confrontados com os científicos, em uma perspectiva de complementaridade, ou para estimular o questionamento crítico das certezas. A revalorização da incerteza, da dúvida e do conflito é um elemento que começa a ser assumido por muitos que se implicam com a EA.

Testemunhamos, no ano de 2002, a “Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável” ou sim-plesmente Rio + 10, em Johannesburg, que trouxe mais recuos do que avanços. Com a declaração norte-ame-ricana, que dizia ser campeã do Desenvolvimento Sus-tentável, o mundo percebeu que este novo desenvol-vimento não apresentava nada inovador. Pelo contrá-rio, ainda representa o velho capitalismo de degrada-ção ambiental, pautado no mesmo imperialismo eco-nômico, apenas com outra maquiagem.

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Obviamente a educação não teve espaço neste cenário. Se a Agenda 21 (Eco - 92) dedicava um capítulo à educação, dialogando com os demais 39 capítulos, hoje ela esteve timidamente nas pautas de pouca importância e com novo figurino fashion para enganar a comunidade ambientalista: “educação para a sustentabilidade”.

Felizmente, no Brasil a EA continua legitimada pelo grupo de “resistência”. Ela é uma dimensão fundamental do pensamento contemporâneo: não é modismo ou um simples adjetivo da educação. E o sentido amplo do ambientalismo requer maior atenção à educação, tornando verdadeira a idéia de Grün (1996), quando afirma que uma “educação que não for ambiental não poderá ser considerada educação de jeito nenhum”. Não concordamos com a idéia de que “o ‘ambiental’ deveria ser parte intrínseca da educação como um todo e não modalidade ou uma de suas dimensões” (BRÜGGER, 1999, p. 78). Acreditamos que na EA o adjetivo ambiental é um substantivo (CARVALHO, 2001). A EA tem uma especificidade própria e, portanto, o adjetivo ambiental é um complemento substantivo de uma educação que queremos. “A Educação Ambiental é diferente da educação do trân-sito, é diferente da educação básica universal (...) [O] que constitui esta diferença (...) é justamente o fato de a gente estar diante de um movimento dentro da educação que é o da sociedade para dentro da teoria educacional” (Idem, p. 146). A dimensão ambiental foi trazida para dentro da educação, “porque o debate na sociedade foi tão forte, ganhou relevância, visibilidade, a ponto de a educação se debruçar sobre isso e dizer: bom, e o que a gente tem a dizer; vamos pensar uma teoria, uma metodologia?” (Ibidem).

Entretanto há que se assumir sua fragilidade, pois a EA continua sendo um assunto marginalizado e isolado no interior dos sistemas educativos. A maioria das reformas propõem a introdução de temáticas de relevância social no currículo escolar. Entre estas temáticas a EA tem sido formalmente legitimada, assim como a Educação para a Saúde, para a Paz, para a Solidariedade humana, entre outras. Acreditamos que a falta de políticas públicas de capacitação docente não tem levado a uma ampla legitimidade política e à construção de sólidas bases epistemológicas sobre a EA por parte dos educadores. A ação ambiental empreen-dida por educadores ambientais tem sido de natureza instrumental e raramente reflexiva.

Na América Latina, entretanto, há uma aceitação política da EA desde que carrega propostas distintas, abertas, apropriadas e específicas às diferentes realida-des latino-americanas. A EA não é somente uma outra educação, mas ela apresenta uma identidade política própria. Ela faz parte de um campo de luta política mais ampla, onde tratar da qualidade do ambiente e do aproveitamento dos recursos naturais em benefício das populações locais representa uma bandeira de 1ª ordem, porém não a única. Nestes países, a EA busca recuperar o saber tradicional e popular, o valor da comunidade como ponto de partida para a elaboração de suas propostas pedagógicas, para assim projetar a construção de novos conhecimentos,

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que os dotem de melhores instrumentos intelectuais para mover-se no mundo. A EA para os nossos tempos deve ser construída por propostas abertas, fraturadas, que não pretendam constituir-se como universais (GONZALES GAUDIANO, 2000).

Neste início de milênio, é fundamental construir os fundamentos para a educação contemporânea. Precisamos encontrar um lugar apropriado para a EA dentro do projeto educativo global, bem como evidenciar e fortalecer as relações entre a EA e outros aspectos da educação.

Hoje precisamos ter cada vez mais claro qual é o papel político da EA. Ela é um componente nodal e não apenas um acessório da educação, pois envolve a reconstrução do sistema de relações entre pessoas, sociedade e ambiente natural. A EA é uma dimensão essencial da educação e não uma educação temática. Ela não é um tema, mas é uma realidade cotidiana e vital, que está situada no centro de um projeto de desenvolvimento humano. Ou seja, a EA está relacionada a uma das três esferas inter-relacionadas de interações do desenvolvimento pessoal e so-cial: a esfera de relação consigo mesmo (área de construção da identidade, em que a pessoa se desenvolve em confrontação consigo mesma, aprende a aprender, gera a autonomia e responsabilidade pessoal, aprende a relacionar-se com as outras áreas); a esfera de relação com as outras pessoas, que está intimamente relacionada com a área de construção da identidade, é uma área de aprendizagem da alteridade (em que as pessoas interagem com outras pessoas e grupos sociais, em que desen-volvem o sentido de pertencer ao grupo e a responsabilidade pelos outros) e a esfera de relação com o meio ambiente, com o Oikos (em que se constroem os vínculos com os outros seres vivos, com os componentes naturais, com os ecossistemas, em que se desenvolve um sentimento de formar parte da trama da vida, em que se desenvolve o sentido de responsabilidade individual e coletiva com o meio ambiente) (SAUVÉ; ORELLANA, 2001).

Referências Bibliográficas

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Documento Introdutório, 1997.

BRÜGGER, P. Educação ou adestramento ambiental? 2.ed. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1999. CARVALHO, I. C. A Invenção do Sujeito Ecológico: Sentidos e Trajetórias em Educação Ambiental. 2001. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educa-ção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

CARVALHO, I. C. As transformações na cultura e o debate ecológico: desafios políticos para a Educa-ção Ambiental. In: PÁDUA, S.M.; TABANEZ, M.F. (org.) EducaEduca-ção Ambiental – caminhos trilhados no Brasil. Brasília: IPE, 1997, p.271-280.

GONZÁLES GAUDIANO, E. Complejidade en Educación Ambiental.Tópicos en Educación Ambiental, México, v. 2, n.4, p.21-32, abr.2000.

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LAYRARGUES, P. P. Educação no processo da Gestão ambiental: criando vontades políticas, promoven-do a mudança. In: ZAKRZEVSKI, S.B. et alii (org.) Diversidade na Educação Olhares e Cores. Erechim: Edifapes, 2002, p. 127- 144.

LAYRARGUES, P. P. A resolução de problemas ambientais locais deve ser um tema-gerador ou uma atividade-fim da educação ambiental? In: REIGOTA, M. (org.). Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 131- 148.

LEFF, E. Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável. In: REIGOTA, M. (org.) Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 111- 129.

MAYER, M. Educación Ambiental: de la acción a la investigación. Enseñanza de las ciencias, Barcelona, v, 16, n.2, p.217-232, jun. 1998.

SATO, M. Educação para o Ambiente Amazônico. São Carlos, 1997:Tese (Doutorado em Ecologia) – Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Universidade Federal de São Carlos. SAUVÉ, L.; ORELLANA, I. A Formação Continuada de Profesores em Educação Ambiental: a proposta EDAMAZ. In: SANTOS, J.E.; SATO, M. A Contribuição da Educação Ambiental à Esperança de Pandora. São Carlos, RIMA, 2001, p. 273-288.

SAUVÉ, L. La educación ambiental entre la modernidad y la posmodernidad: En busca de un marco de referencia educativo integrador. Tópicos en Educación Ambiental, Mexico, v. 1, n.2, p. 7-25, 1999.

AS TENDÊNCIAS DA

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