3.2 PERCURSO DOS RASTROS CRIATIVOS À FORMAÇÃO DA OBRA MULHERES
3.2.1 Cena 1: O CASAMENTO
A cena em questão remete aos preparativos do casamento, onde os elementos
feminino e masculino tomam seus lugares nas convenções sociais
74. A mulher, representante
do feminino, assume seu lugar na cena evidenciando algumas posturas que são apresentadas
como sendo próprias do universo feminino, como a submissão, a vaidade e a curiosidade, e o
homem, representante do masculino, assume seu papel de dominação e poder.
Nesta fotografia da cena o casamento (Figura 27) veem-se duas mulheres que
seguram uma máscara de gesso branca, vestem um traje social negro, usam mitenes
75na
mesma cor, com cabelos presos, uma delas está de pé e segura uma máscara nas mãos com
uma expressão de curiosidade e um meio sorriso; a outra sentada ao chão com o vestido
suspenso em sua saia deixando suas pernas à mostra, sugere olhar para o alto, seu rosto se
mantém escondido por trás da máscara; por trás alguns homens se movimentam, estão
trajados formalmente com roupa social ocidental e com gravata, fazem movimento de
elevação de braços. No vídeo apresentado esta movimentação representa o ato de barbear-se.
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Nome dado ao palácio imperial da China, ele existiu desde a Dinastia Ming até ao fim da Dinastia Qing.
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Anexo E - O trio da cena: O casamento
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Figura 27. Foto do Jornal Em Tempo (1990), 1ª cena - Bailarinas: Monique Andrade (chão), Andréa Rossana (de pé); segunda cena: Monique Andrade (chão) Jorge Kennedy e Augusto Domingos (de pé). Acervo Jorge Kennedy.
É uma cena dramática que indica as núpcias entre homens e mulheres: “é símbolo de
união dos poderes divinos entre si, quase sempre personificados “especialmente é símbolo da
união entre os opostos” (LEXIKON, 1998, p.47). Esta oposição é retratada no espetáculo na
perspectiva do masculino e do feminino e no decorrer da narrativa cênica esta oposição
permanecerá de forma latente, em razão dos conflitos referentes a estas duas porções
humanas.
A mulher que está de pé segura uma máscara e olha com curiosidade para o horizonte
- a curiosidade é uma das características das mulheres - a outra mulher em posição que
insinua um toque de submissão faz movimentos com os braços e contempla o plano alto, a
utilização de máscara torna sua movimentação ainda mais dramática, pois configura-se neste
momento o disfarce, a camuflagem feminina, o momento em que ela demonstra submissão,
mas que na realidade há um turbilhão de emoções por baixo desta máscara. Estando na
posição sentada demonstra sujeição à figura masculina que se mantém de pé com os braços ao
alto, afirmando sua masculinidade sem deixar transparecer qualquer indício de sentimento.
A bailarina retira e coloca constantemente a máscara, tal qual às mulheres que
diuturnamente deveria colocar e tirar a máscara de mulheres, mães, esposas, trabalhadoras,
escondendo e camuflando suas imperfeições, desejos e angústias. Os personagens masculinos
simbolizam a sociedade machista e patriarcal onde o homem cumpre seu papel de provedor
do lar, que trabalha e cuida de si e dos seus, mesmo no dia de seu casamento lhe era cobrada
uma postura rígida.
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O ambiente cênico é reduzido, a trama se desenrola numa ambientação em que a
iluminação reduz o espaço da ação coreográfica, assim, a cena do casamento projeta
esteticamente o realismo e o subjetivismo inerentes à proposta da cena.
A movimentação das personagens foge do estereótipo das danças narrativas, indicando
ênfase na representação teatral, por exemplo, a bailarina que está de pé, sempre mais curiosa,
olha para o horizonte sugerindo a busca por uma resposta para o futuro que se delineia aos
seus olhos; em alguns momentos transforma sua máscara em espelho, simbolizando a vaidade
feminina.
A mulher que está no chão representa a submissão que a sociedade espera dela, usa a
máscara para esconder seus verdadeiros sentimentos, pois na sociedade do final do século
vinte, a mulher ainda tinha que se submeter às regras impostas pelos códigos sociais. (Figura
28).
Figura 28. Cena: O Casamento. Jornal Amazonas em Tempo (1990). Bailarinos: Monique Andrade (chão/frente), Andréa Rossana (atrás), Tenório Cavalcante (em cima), Jorge Kennedy (de pé).
Esta cena propôs uma reflexão acerca do papel da mulher na sociedade onde os
costumes são constituídos de tabus e imposições sociais que as levam a uma postura
subalterna e oprimida pela figura masculina. Na coreografia, a repetição
76do movimento
reforça essa condição, pois segundo Fernandes (2007, p.63) “cria signos auto - reflexivos
explorando a forma temporal e visual da dança”, e pode ser visualizada no vídeo.
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A narrativa criada pela repetição em movimento é sutil. Ela talvez não seja tão explícita (...), pode criar complexidades através de estratégias estruturais que direcionam nossa percepção para alguns momentos chave ao invés de outros. A referência cruzada de tempo numa performance de dança é muito mais complexa do que sua duração pode sugerir. A troca entre presentes, passados e futuros através de antecipações, retenções, expectativas, previsões ou reapresentações desenrola uma teia de significados que não somente fundamentam a percepção do espectador sobre aquilo que está sendo visto, mas também permite a ele continuar os caminhos em sua imaginação. (MORAES, 2012, p. 102)