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2. GRAFFITI: A TRETA DAS DEFINIÇÕES

2.3. Cena do graffiti e cena da pixação

A cena do graffiti extrapola a prática do graffiti, e tem como recorte um momento histórico com uma tradição estética que se modificou ao longo do tempo. Nesta tradição, o campo da arte teve influência e hoje faz parte da cena do graffiti as intervenções legais, os painéis, murais, telas, elementos de decoração e peças publicitárias, isso não é graffiti, mas compõe a cena. Em outro exemplo, em Vitória, a pixação compôs em determinado momento da história a cena do graffiti. E apenas na década de 2010 que podemos falar de uma cena autônoma da pixação em relação à cena do graffiti, que possui momentos que caminha sozinha ainda que em outros estejam imbricadas.

O graffiti enquanto cena destaca algumas expressões ligadas à tradição de Nova Iorque que posteriormente foi incorporada ao hip hop. A cena do graffiti se alterou em Vitória ao longo do tempo e as práticas contidas na cena também se

22 Trabalho não publicado. Título: “Lugar de mulher é onde ela quiser: uma leitura imagética do mural Das Minas”.

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modificaram. A ponto de podermos falar que o movimento da pixação quando ainda era nascente estava contido na cena do graffiti, fase observada principalmente através dos Fotologs. Mais de 10 anos depois que ganha musculatura para se tornar uma cena autônoma.

Imagem 18 - Tag na cena do graffiti (Montagem - Fotolog)

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Imagem 19 - Throw Up na cena do graffiti - 2003 (Montagem - Fotolog)

Fonte: http://www.fotolog.com/rents/3688011/

A pixação é uma das vertentes do graffiti ou da pichação, depende se optamos pelo termo em língua portuguesa ou estrangeira. Com ‘x’ foi a forma que se convencionou chamar as inscrições transgressoras e espontâneas, que têm como regra sua reprodução incessante. Outras formas de denominar essa prática pode ser xarpi, pixo e detona, por exemplo, cada um representando uma tradição caligráfica distinta, que possuem Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, como centros de irradiação respectivamente. A pixação aparece como cena com regras específicas para a realização da prática, assim como possui elementos que conferem distinção, prestígio e legitimidade na cena. Localmente, a pixação pode se diferenciar, por exemplo, em São Paulo o nome de maior destaque de refere ao grupo, as letras são retas e alongadas, enquanto no Rio de Janeiro, a referência ao grupo é secundária, sendo que o maior destaque cabe à marca do indivíduo.

Assim, nesta dissertação quando se fala cena da pixação não é o mesmo que se dizer a pixação, ou o graffiti. Pois, como demonstramos o mais preciso é compreender a expressão estética da cena da pixação como uma vertente do graffiti. Quando separamos as cenas do graffiti e da pixação, resta classificar a prática das inscrições poéticas e políticas, que quando não acompanhadas por elementos das

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cenas supracitadas não fazem parte das mesmas. Além disso, não possuem uma auto-organização no Brasil, são chamadas de pichação com ‘ch’ simplesmente. E são, graffiti ou pichação. A falta de organização e de uma tradição caligráfica em uma cena é o que leva Lassala (2010, p. 50) a dizer: pichação não é pixação. EXU (2015) chega a restringir a pixação apenas a forma paulista das inscrições, ou seja, o tag reto, nisso discordamos. Pixação é uma forma popular de se classificar uma das vertentes do graffiti, e em Vitória, comumente também é chamada de xarpi, devido à grande influência carioca que vem se fortalecendo no Espírito Santo nos últimos anos nessa prática.

É importante notar que em Vitória, os grafiteiros e pixadores transitam entre os espaços e uma prática fortalece a outra. Ainda que os atores identifiquem a prática do graffiti dentro da ilegalidade, na maior parte dos casos, extrapolam a denominação de graffiti para murais autorizados. Ainda que prefiram chamar as pinturas autorizadas de produções, painéis, murais e street art, por exemplo. E não veem problemas em nomear os eventos em que há produção de painéis autorizados como eventos de graffiti, pois se inserem na cultura do graffiti, além de sua expressão técnica e comunitária fazerem parte dessa cultura, também muito ligada à forma como o hip hop se consolidou no Brasil.

Imagem 20 - Evento Origraffes prestigiado por grafiteiros e pixadores

Fonte:

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=19788365523363&set=pcb.665206917007871&type=3&th eater

Tanto o graffiti como a pixação, se encontram com a escrita. Não há divergências em chamar o bomb ou throw up de graffiti, e essa foi a expressão estética

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que prevaleceu por muito tempo na cena capixaba do graffiti, por influência das revistas de graffiti que chegavam por aqui, segundo FREDONE. Essa escrita esteve ligada no Espírito Santo ao nome das crews e dos seus escritores, e até hoje se faz presente tanto na cena do graffiti quanto da pixação. Aqui chamo de cena do graffiti e cena da pixação, separadamente, essa é uma decisão estratégica para tratar de formas de sociabilidade e apropriações urbanas distintas. Dessa maneira, será desenvolvido no trabalho uma visão de que a cena da pixação, hoje é autônoma em relação ao graffiti, assim como a cena do graffiti hoje pode ser considera como autônoma em relação ao hip hop, e não enxergo isso como uma visão apenas da expressão local, mas o cenário nacional vem se expressando de igual maneira. E parte da bibliografia caminhando neste sentido de compreender as práticas em terrenos distintos.

Imagem 21 - Campeonato de skate Manobra Dourada com painel de graffiti (direita) e pixação (esquerda) - TRAMA e IRAN com intervenções dos dois tipos

Fonte: https://www.facebook.com/serradouradaskate/

Essas cenas se cruzam e se interpenetram em inúmeros momentos, a cena não é um campo estanque. Quando falamos dessas três cenas, hip hop, graffiti e pixação, há uma dificuldade primeira em se aceitar essa separação, considero que falar sobre a cena do skate traz mais segurança ao leitor. A cena do skate penetra essas três cenas, a prática do skate é encarada em todo Brasil, muitas vezes, como o quinto elemento do hip hop, junto com o break, o/a dj, o/a mc, e o graffiti, e nem por isso para tratar de suas especificidades deveríamos sempre tratar como um dos

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elementos de uma mesma cena. A cena é sobretudo uma estratégia metodológica que põe uma lupa sobre a prática social.

Outra questão, que considero importante de ser trabalhada, é sobre as alianças entre as cenas do graffiti e pixação em Vitória. Parte das entrevistas foram realizadas com grafiteiros, e houve a necessidade de buscar um apanhado histórico sobre o graffiti no estado, porque se acreditava que a cena da pixação era um desdobramento do movimento do graffiti e este intimamente relacionado ao hip hop, fato que não se verificou tão nitidamente. De qualquer maneira, esse apanhado histórico possui um valor fundamental na compreensão da prática da pixação hoje, pois as duas práticas possuem fortes entrelaçamentos em muitos momentos.

Em resumo, grafite é uma nomeação que se apropria do graffiti enquanto expressão estética e de sua relevância hoje para o campo da arte contemporânea, para mim esta é uma maneira de mostrar sua face estética e encobrir a realidade da presença incômoda nas ruas. Pichação é a forma do português brasileiro para se referir à toda diversidade contida no termo graffiti (do italiano). A cena do graffiti em Vitória se refere às sociabilidades em torno da tradição do graffiti mais próxima ao estilo hip hop dos Estados Unidos, que esteve inscrito no movimento hip hop por pelo menos nos anos 1990 e até posteriormente, sem poder precisar a data, no Espírito Santo, e hoje encontra-se consolidada para além da cena hip hop. Enquanto a cena da pixação ou do xarpi em Vitória, é a forma de nomear deste trabalho da maneira auto-organizada de desempenhar o estilo de graffiti de inscrever nomes, apelidos e nomes de grupos de maneira repetitiva e transgressora na cidade, esta foi gestada independentemente do movimento hip hop num primeiro momento, num segundo foi incorporada à cena do graffiti e hoje pode-se dizer que encontra-se consolidada e tem sua existência independente desta.

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3. PANORAMA HISTÓRICO SOBRE O GRAFFITI E AS CENAS DO GRAFFITI E