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... o mensageiro do sonho, nesse terreno que treme

Da magra mão estendida, da paixão que grita e geme

Das curvas do firmamento, da claridade da lua

Solidão do mundo novo, a batucada na rua...

O espetáculo não pode parar! Quando a dor se aproxima fazendo eu perder a calma

Passo uma esponja de rima nos ferimentos da alma

O espetáculo não pode parar! (Cordel do Fogo Encantado)

Na canção “O espetáculo”, mencionada aqui de forma ilustrativa, o personagem identificado na letra é um palhaço, que, em meio a seu

espetáculo, se esforça para calar suas aflições e angústias, a fim de dar continuidade ininterruptamente a sua exibição diante de seus curio- sos espectadores. Esse personagem, bem como sua postura diante da plateia, e a própria plateia representam dramaticamente cada um de nós diante da cena social forjada em nossa atualidade.

Debórd (1997) definiu sabiamente nossa sociedade contemporânea como uma genuína “sociedade do espetáculo”. De 19671 para cá, suas

considerações tornaram-se demasiadamente atuais, demonstrando sua brilhante capacidade intuitiva e crítica no momento em que pôde antever o desdobramento sócio-político-cultural do século XXI.

A contemporaneidade, regida sob as égides do capitalismo e do con- sumismo exacerbado, tem em suas mercadorias e produtos a matéria- prima para a criação e produção das condições espetaculares.

Basicamente, o cenário concebido como espetáculo diz respeito a um espaço de sociabilidade, em que os indivíduos utilizam-se dos “artefatos” disponíveis no mercado capitalista para elevarem-se a uma posição em que possam, ou imaginam poder, ser sempre reconhecidos pelo(s) outro(s). A produção frenética dos bens de consumo convoca os indivíduos a ocupar um lugar que representa determinado status e que se concretiza na rápida aquisição e no subsequente abandono dos signos fálicos (objetos de desejo) na sociedade pós-moderna. A sucessiva substituição desses bens pouco duráveis é o que garante o “sucesso” dos sujeitos.

A própria finalidade do “palco social” é não permitir um fim ao desejo dos consumidores, produzindo uma insaciabilidade contínua, mantendo-se, desse modo, o eterno retorno do consumo espetacular. “No espetáculo, imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenrolar é tudo. O espetáculo não deseja chegar a nada que não seja ele mesmo” (idem, p.17).

Como dissemos, os produtos e acessórios fabricados e expostos desenfreadamente nas vitrines, que aguardam o apetite voraz e insa- ciável dos consumidores, servem como adereços a serem ostentados pelos atores no espetáculo.

Ostensivamente, os espetáculos existem para dar vazão à agitação dos “eus íntimos” que lutam para se expor; de fato, são os veículos da sociedade de consumo de uma “educação sentimental”: expõem e carimbam com a aceitação pública o anseio por estados emotivos e suas expressões com os quais serão tecidas as “identidades inteiramente pessoais”. (Bauman, 2001, p.102)

Nesse sentido, podemos identificar na dinâmica da cena contem- porânea um narcisismo propriamente dito, expressando-se por meio do exibicionismo – o narcisismo dos indivíduos como mola propulsora das performances espetaculares. A sociedade do espetáculo pressupõe uma cultura essencialmente narcisista, na qual o eu deve a todo ins- tante se expor ao outro, demandando sempre seu reconhecimento e aceitação. Desta forma, os indivíduos executam uma performance das aparências, em que a exterioridade apresentada de forma estética tenta capturar os olhares dos espectadores. Na atualidade, todos desejam seus “15 minutos de fama”, em que poderão (a)parecer na cena social e, consequentemente, ter suas necessidades narcísicas alimentadas pelas atenções voltadas em sua direção.

O cenário espetacular convida a todos para ascender ao palco do exibicionismo pós-moderno. As condições são criadas a todo instante, instigadas pelo discurso social que prioriza as personalidades capazes de se exporem à coletividade, os exibicionistas “descolados” de nossa atualidade, aqueles que não se inibem diante do público ávido por

performances desinibidas e extrovertidas. O outro social – esse que se

constitui pelo discurso midiático incluindo em sua mensagem as ca- tegorias de valorações forjadas na atualidade, constituídas de padrões alheios às próprias personalidades individuais –, este discurso vigente demanda sempre do indivíduo uma versatilidade e uma incapacidade de se ruborizar diante da repercussão de sua exibição na cena social.

Qualquer um pode aparecer no espetáculo para exibir-se publicamente [...]. Quando a posse de um “status midiático” assume importância mui- tíssimo maior que o valor daquilo que se foi capaz de fazer realmente, é normal que esse status seja transferível com facilidade e confira o direito de brilhar, de modo idêntico, em qualquer lugar. (Debórd, 1997, p.174)

Desta forma, o (a)parecer na cena social tornou-se questão de so- brevivência para as individualidades, dada a primazia que é relegada a tais performances nos dias atuais. (A)parecer, no cenário social, em ambos os sentidos que a escrita da palavra pode significar neste contex- to, ou seja, aparecer diante da massa com toda potência dos atributos do exibicionismo, ao mesmo tempo em que essa aparição, no máximo, faz-se por apenas parecer (parecer-se, assemelhar-se) uma determinada imagem idealizada, parecer-se com algo ou alguém.

No início do capitalismo, a dialética subjetiva dos indivíduos con- sistia em uma degradação do ser para o ter. O sucesso naquele momento específico, bem como as realizações e conquistas satisfatórias para o ego, dependia de quanto poderia acumular-se em bens e dinheiro. Ter posses que representassem sua riqueza capital era o que movia os indivíduos em termos de dinâmicas subjetivas na sociabilidade daquela época, enquanto hoje em dia, ter já não representa muito se isto de fato não servir para a aparição diante do cenário espetacular. Temos então, na atualidade, um deslizamento do ter para o parecer ou (a)parecer diante do espaço social e, neste sentido, toda realidade individual torna-se social.

O que está ocorrendo não é simplesmente outra renegociação da fronteira notoriamente móvel entre o privado e o público. O que parece estar em jogo é uma redefinição da esfera pública como um palco em que dramas privados são encenados, publicamente expostos e publicamente assistidos. (Bauman, 2001, p.83)

É fácil percebermos como as exibições tornaram-se performances excessivamente estimuladas e valorizadas nos dias de hoje, haja vista os tantos programas de reality shows, por exemplo, além de toda a variabilidade possível de relacionamentos viabilizados pela internet, onde o espaço de sociabilidade é forjado da maneira que o indivíduo quiser, entre outros exemplos. Tanto na rede virtual quanto nos programas televisivos mencionados, o que está em evidência são sempre o desfile e a exibição das personalidades. Nesse cenário, o exibicionismo, produto da cultura narcisista vigente, encontra seu

palco de apresentação e reconhecimento, exercendo uma performance das aparências e das imagens.

O espetáculo produz signos representados por imagens, imagens estas idealizadas pelos espectadores que sempre demandam mais e mais signos que passam a servir de símbolos identificatórios em um curto período de tempo. No momento seguinte, como “o espetáculo não pode parar”, outros símbolos serão apresentados diante de nossos olhos, outros objetos de desejo se constituirão por meio da produção de pseudonecessidades concebidas na atualidade espetacular. Em uma cultura em que a aparência é fundamental, a produção de imagens espetaculares garante a fidelidade do público ao espetáculo. “Consi- derado de acordo com seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda vida humana – isto é, social – como simples aparência” (Debórd, 1997, p.16).

Esse corpo de lama que tu vê é apenas a imagem que sou. (Science & Zumbi, 1996)

Por outro lado, um espetáculo depende de espectadores para seu sucesso, e que aqueles se deliciem com as apresentações, uma plateia que presenteie seus protagonistas com aplausos e reconhecimento.

Nós todos estamos, enquanto individualidades, em convívio dialético com a coletividade e o social, sempre personificando atitudes e posturas subjetivas diferentes que se mesclam constantemente, ao passo que somos inseridos no corpo social sempre nas duas condições: como pla- teia/espectadores e como personagem protagonista de algum episódio relâmpago de nossa existência particular exposta socialmente.

Neste sentido, todos somos atores e espectadores da sociedade do

espetáculo, quer queiramos quer não. “A realidade surge no espetáculo,

e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente” (Debórd, 1997, p.15).

Para o espectador, o espetáculo é hipnótico. Considerando que o cenário espetacular da atualidade forja-se da matéria-prima das condições pós-modernas, ou seja, a velocidade, instantaneidade e fugacidade dos fatos principalmente, então temos sujeitos que, na

turbulência das imagens espetaculares, buscam incessantemente por identificações. Os signos produzidos na sequência estonteante do rit- mo da atualidade convocam os sujeitos a uma completa “passividade subjetiva”, pela qual, como espectadores, somos alienados de nossas reais necessidades e desejos. Os espectadores tornam-se incapazes de julgar, avaliar e criticar qualquer coisa que seja, pois isso requer um tempo de contemplação impossível de se concretizar nos dias atuais. A sucessiva sequência de imagens cria as condições da alienação:

O fluxo de imagens carrega tudo, [...] como perpétua surpresa arbitrá- ria que não deixa nenhum tempo para a reflexão, tudo isso independente do que o espectador possa entender ou pensar. Nessa experiência concreta da submissão permanente encontra-se a raiz psicológica da adesão tão unânime ao que aí está; [...] o discurso espetacular faz calar, além do que é propriamente secreto, tudo o que não lhe convém. O que ele mostra vem sempre isolado do ambiente, do passado, das intenções, das consequências. (Debórd, p.188)

Em todos os sentidos, o espetáculo se encarrega da tarefa de dicoto- mizar o tempo, tornando-o um presente fugaz e efêmero, excluindo os vínculos do passado e futuro, em que a única temporalidade possível é o presente perpétuo.

Esse vivido individual da vida cotidiana separada fica sem linguagem, sem conceito, sem acesso crítico ao seu próprio passado, não registrado em lugar algum. Ele não se comunica. É incompreendido e esquecido em proveito da falsa memória espetacular do não memorável. (idem, p.177)

O sucesso da cena espetacular consiste justamente em ludibriar o olhar dos espectadores com movimentos rápidos e sobrepostos, de forma que qualquer novidade não possa jamais se tornar velha, mas antes seja substituída por mais uma novidade!

Em meio aos diversos estímulos mercadológicos e ideológicos (estes subjacentes aos primeiros), os indivíduos pasmam embasbaca- damente em um primitivo estado de alerta, no qual a atenção requer o desligamento de tudo que possa desconcentrar-lhe, pois participar do

espetáculo demanda estar de prontidão às novas sequências infindáveis de imagens e símbolos midiáticos.

“Nunca foi possível mentir com tão perfeita ausência de consequ- ências. O espectador é o suposto ignorante de tudo, não merecedor de nada. Quem fica sempre olhando, para saber o que vem depois, nunca age: assim deve ser um bom espectador” (idem, p.183).

Diante desse cenário forjado em nossos dias, os indivíduos não são mais capazes de distinguir eficazmente seus próprios desejos e necessidades daquelas pseudonecessidades instigadas por um discurso outro. No momento em que determinadas necessidades tornam-se importantes socialmente, ou seja, são valorizadas como prioridades naquilo em que elas são capazes de representar em termos de signos/ símbolos de status, o consumo de determinados produtos e estilos de (a)parecer na cena social torna-se um imperativo ao sujeito. Aderir ou atender às demandas espetaculares tem seu custo (o de abdicar de representações fixas e individuais), e tem ainda a não participação desta cultura vigente, pois não aderir ao discurso atual significa estar à margem da coletividade, não podendo ser reconhecido por esta.

No entrecruzamento das pseudonecessidades produzidas pelo espetáculo com a exibição brilhosa das imagens elevadas ao status de ideais a serem consumidos, o indivíduo desencontra-se de si mesmo. As pseudonecessidades são produzidas a partir do momento em que o estímulo ao consumo se faz como a ordem do dia. Na ânsia por um sentimento de pertença nesta sociedade, as individualidades apressam- se por adquirir os artefatos mais modernos do mercado, os adereços da última moda, a mais nova versão de determinado produto, tudo isso acontecendo antes mesmo das aquisições anteriores ofuscarem-se por sua própria conta. O consumo de produtos, os quais são idealizados em imagens que representam as pseudonecessidades (necessidades produzidas pelo discurso social), produz assim as condições de isola- mento, o verdadeiro afastamento entre o homem e o homem.

Em última instância, o que temos é um cenário alienador para os sujeitos, no qual as constelações de imagens valorizadas por um dis- curso outro (social) convocam essas individualidades a vivências que não lhe dizem respeito em primeira ordem, mas que, contudo, foram

mitigadas por meio da produção das pseudonecessidades sociais. O desejo dos espectadores não se localiza em lugar algum, dado que o espetáculo baseia–se na sucessiva substituição dos símbolos de status no cenário contemporâneo.

A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exte- rioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda parte. (idem, p.24)

Nesse entrelaçamento de performances, mesmo que o indivíduo recuse sua participação nesse cenário espetacular, ainda assim sua re- sistência ao modelo de sociedade vigente se expressará sob os mesmos axiomas da cultura dominante. O espetáculo está em toda parte, e as tentativas de escapar à cena, do mesmo modo, emergem, fazendo-se existir sob os trâmites espetaculares. Isto porque as individualidades só podem expressar-se utilizando a mesma linguagem em que se formam as culturas dominantes, mesmo que a intenção seja a não participação neste cenário da atualidade.

O indivíduo que foi marcado pelo pensamento espetacular empobre- cido, mais do que qualquer outro elemento de sua formação, coloca-se de antemão a serviço da ordem estabelecida, embora sua intenção subjetiva possa ser o oposto disso. Nos pontos essenciais, ele obedecerá à linguagem do espetáculo, a única que conhece, aquela que lhe ensinaram a falar. Ele pode querer repudiar essa retórica, mas vai usar a sintaxe dessa linguagem. Eis um dos aspectos mais importantes do sucesso obtido pela dominação espetacular. (idem, p.191)

A dominação espetacular é plena sobre as subjetividades individuais e/ou coletivas, ao passo que a tentativa de fuga deste regime social se

revestirá das malhas finas do próprio espetáculo, pois a cena espetacular é real e cria a seu bel-prazer a realidade vivida em nossa atualidade. Um exemplo disso é a representação que a violência, de uma forma geral, tem para aos espectadores nos dias de hoje. As mortes, os assassinatos, os acidentes e roubos, enfim, tudo isso quase que se tornou algo da ordem do natural, ao mesmo tempo em que é exposto nas primeiras páginas dos jornais e garante a “bilheteria” e a audiência inquestionável do espetá- culo. As próprias performances da violência na atualidade desdobram-se sob essa mesma égide, como, por exemplo, as sucessivas rebeliões em presídios, em que os presos expõem suas armas às equipes de TV, ou a guerra do tráfico, em que seus atores protagonistas, à procura das lentes das câmeras, compõem-se tanto de traficantes quanto da própria polícia e suas operações especiais etc. E mesmo aquela violência “privada” que ocorreu sem pretensões espetaculares, esta também será exposta de modo espetacular pelos veículos de comunicação midiáticos. A captura e a produção de imagens espetaculares concretizam a política do “pão e circo” para as individualidades, que buscam nos trâmites do espetáculo suas referências de identificação.

Em suma, no cenário social contemporâneo, tal como foi definido como uma verdadeira “sociedade do espetáculo”, todos somos prota- gonistas e espectadores. O palco de teatralidade das individualidades é alimentado por nosso narcisismo, enquanto atores da cena social, e sustentado pelos picos de audiência, enquanto plateia das ilusões e da vivência das pseudonecessidades, produzidas por tal configuração so- ciocultural. Assim, a alienação dos sujeitos é um fato cíclico e perpétuo, pois a identificação passiva do espectador o impele a uma inércia sub- jetiva, na qual as pseudonecessidades tomam o lugar de seu verdadeiro desejo e, do mesmo modo, sua atuação enquanto ator/protagonista é ornamentada pelos símbolos espetaculares que, em última instância, representam sempre apenas uma simples e efêmera (a)parência.

Estranhos ao espetáculo

Todas as sociedades produzem seus estranhos.

privilegia determinadas formas de conduta e modos de ser e estar no mundo, estamos diante de um cenário predeterminado que os indiví- duos são impelidos a ocupar.

Na atualidade, o cenário espetacular pós-moderno autentica e reconhece os sujeitos-personagens capazes de participar efetivamente de seus trâmites, ao passo que relegam ao limbo os que, por diversos motivos, apresentam-se aquém ou além do discurso social vigente.

Em todas as épocas, desde o momento em que os seres humanos passaram a se constituir em grupos, sempre houve, por assim dizer, uma divisão de classes: as classes dominantes e as classes dominadas.

Todas as sociedades criam suas determinadas regras, bem como seus ideais supervalorizados, contudo, jamais criam as possibilidades para que todos os indivíduos e grupos sociais consigam conquistar seu quinhão de participação na cena proposta. Nos dias de hoje, essa situação é facilmente visível. De fato, a maior parte da população (tomando-se o caso do Brasil) está à margem do ideal de felicidade e bem-estar estimulado pelo discurso capitalista e consumista. O número de excluídos é sempre superior ao contingente de pessoas que podem desfrutar das maravilhas do mundo novo.

Em uma sociedade de consumo, os indivíduos necessitam de poder aquisitivo considerável para conseguir usufruir dos produtos que lhes garantiriam acesso ao espetáculo. Em sua raiz, a essência do ideal capitalista pressupõe sempre uma pequena elite dominadora em contraposição a uma maioria de excluídos e marginalizados. As formações de qualquer espécie de elite dependem, intrinsecamente, da produção dos excluídos e dominados. Desta forma, a própria pos- sibilidade de participação efetiva por parte das classes assujeitadas torna-se praticamente impossível, uma vez que as condições básicas para a viabilização disso lhes são retiradas de antemão. Geralmente, as subclasses possuem subempregos (quando possuem), sobrevivendo de subsalários, construindo subestilos de existência, sendo perpetuamente subjugadas pelas elites espetaculares.

Se os estranhos são pessoas que não se encaixam nos mapas cog- nitivos, moral ou estético do mundo [...] se eles poluem a alegria com

a angústia, ao mesmo tempo em que fazem atraente o fruto proibido; se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas; se, tendo feito tudo isso, geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao mal-estar de se sentir perdido – então cada sociedade produz esses estranhos. [...] ela não pode senão gerar pessoas que encobrem limites julgados fundamentais para a sua vida ordeira e significativa, sendo assim acusadas de causar a experiência do mal-estar como a mais dolorosa e menos tolerável. (Bauman, 1998, p.27)

Assim sendo, podemos compreender que esses “estranhos”, pro- duzidos no âmago das condições sociais, representam uma parcela de fracassados e incapazes. Ao mesmo tempo em que sua existência é precondição para a possibilidade de existência das elites, esses exclu- ídos são identificados pelos signos do fracasso social. São, por assim dizer, a vergonha do ideal de sucesso espetacular, esses que devem ser escondidos do palco social, pois sua simples presença incomoda as clas- ses dominantes, é uma presença ameaçadora, representantes-símbolo da miséria e da falta de sorte. “A sociedade proclamou-se oficialmente espetacular. Ser conhecido fora das relações espetaculares equivale a ser conhecido como inimigo da sociedade” (Debórd, 1997, p.180).