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Centralidade da Prática

No documento mariannapalacecardoso (páginas 94-100)

Aqui continuaremos analisando os documentos norteadores do PAV - em específico os Guias -, à luz do nosso referencial e da segunda categoria de análise que elencamos. Como colocado anteriormente, as reformas ocorridas mundialmente em todas as esferas consolidam uma nova conotação educacional e assim de formação dos professores, que são responsabilizados pelo sucesso educacional voltado para o mercado. Dessa forma, a educação “torna-se um terreno fértil para formar, técnica e eticamente os novos trabalhadores” (OLIVEIRA et. al., 2012, p. 20).

O foco principal é tornar os sujeitos empregáveis e conformados, sendo capazes de contribuir efetivamente no consumo e sobreviver socialmente, características essenciais para alavancar o desenvolvimento econômico e social do estado mineiro (MINAS GERAIS, 2008a).

Frente a esse contexto mundial que vivenciamos, a formação docente a partir da década de 1990, traz características novas e essenciais à sociabilidade instaurada e requerida. O professor é considerado peça fundamental, precisando urgentemente adquirir novas competências e habilidades pertencentes a esse mundo em constante transformação, a uma educação ao longo da vida, voltada para o mercado capitalista.

Assim, é preciso que esse profissional seja capaz de formar trabalhadores empregáveis e conformados a essa nova sociabilidade, contribuindo com os novos programas focalizados em lacunas históricas da educação. Isso ocorre através da capacitação continuada, que assume um caráter compensatório e em serviço, que veio para suprir a má formação inicial considerada um problema que precisa ser sanado urgentemente.

Para isso, essa formação precisa acontecer de forma rápida e técnica, pontual e precária, não sendo “necessariamente de aprofundamento ou ampliação de conhecimentos”. Assim, possui “um caráter compensatório, realizada com o objetivo de suprir essa má formação anterior” (OLIVEIRA et. al., 2012, p. 19).

Nesse sentido, acaba por ser desvinculada da teoria, da pesquisa, tornando-se reducionista, retirando toda historicidade dos fatos, para que os profissionais possam aprender pontualmente o que é preciso para atuarem nos programas educacionais: o passo-a-passo da

prática, a receita de técnicas, que trazem práticas esvaziadas de teoria, voltadas à simples atuação diária do professor. A adequação desses profissionais aos novos moldes não podia delongar, afinal o país precisa(va) alavancar esse sistema para poder se desenvolver.

Essa formação aligeirada e prescritiva, como supracitado, é viável ao capitalismo, que busca incessantemente o desenvolvimento social e econômico mundial, afinal, eles querem fazer “mais com menos” recurso financeiro. Diante disso, vemos que a centralidade na prática em detrimento do aprofundamento da teoria encontra-se no cerne da formação, da capacitação de professores a partir desse momento (OLIVEIRA et al, 2012, p. 47).

Essa característica faz-nos entender, assim como Oliveira (idem), que os materiais de apoio do programa, como os Guias e o próprio material de Capacitação Continuada dos Analistas, Supervisores Pedagógicos e Professores de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamental (no CRV está como Agenda no material de Língua Portuguesa), difundem “orientações que mais parecem manuais prescritivos, que não estimulam a reflexão, a criatividade e a autonomia dos professores” (idem).

Nesse material de capacitação continuada (MINAS GERAIS, 2008d, s\p) está o esboço da rotina em sala de aula do professor que irá trabalhar com o PAV no Ensino Fundamental, como podemos ver a seguir. Vale ressaltar que no Guia de Orientação aos Professores de Língua Portuguesa voltado aos anos Finais também apresenta essa atividade logo no início, sendo um esboço de um “plano diário” (MINAS GERAIS, 2008f, p. 10):

ROTINA DA SALA DE AULA

A rotina é o roteiro (ou plano diário) que o professor prepara para orientar as atividades desenvolvidas em sala de aula.

Projeto nº Nome do Projeto:

ROTINA DO DIA (colocar a data)

 Curtindo a leitura – Reconto. A professora conta a história. Ex. chapeuzinho Vermelho vai a casa da vovó de moto, a moto estraga e o lobo bonzinho mostra o caminho da oficina.

 Correção da tarefa de casa:

Em duplas, acompanharão a correção feira pelo professor no quadro.

 Desafio (é a aula do dia) Deverá responder as perguntas - O que fazer?

- E para que ?

 Avaliação Auto-avaliação Hoje me considero:

Muito bom neste assunto

Bom em alguns pontos

Preciso melhorar

O que preciso estudar mais?

 Orientações para tarefa de casa

Fig. 5. Rotina da sala de aula37

Como podemos perceber, ocorre um “grande investimento nas atividades práticas”. Esse investimento causa um engessamento das atividades diárias, sucedendo em um enxugamento da parte teórica que cabe à formação docente, simulando uma interação entre o

37 Fonte: MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Capacitação Continuada dos

Analistas, Supervisores Pedagógicos e Professores de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamental. Programa Acelerar Para Vencer. Anos Finais - Agenda de Língua Portuguesa. Belo Horizonte.

2008f. Disponível em: <

http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index.aspx?id_projeto=27&ID_OBJETO=104678&tipo=ob&cp=000 000&cb=>. Acesso em: 19 de agosto de 2015.

autor e o leitor, atributo da primeira categoria de análise desse trabalho, 4.1 – Dimensão colaborativa do professor.

Essa tentativa de interação confirma-se nos documentos do programa, como no Guia de Orientação Curricular do PAV, quando nos traz: “Caro Professor, chegamos ao final de nossa conversa [...] Nossa intenção foi “conversar” com você, professor, acerca de algumas ideias que adquirimos, no passado, de experiências com alunos do ensino fundamental” (MINAS GERAIS, 2009b, p. 53). Vale destacar aqui, como podemos ver, que o material foi elaborado com base nas experiências de professores que já trabalharam com alunos do Ensino Fundamental, ou seja, com base na prática cotidiana. Na definição da rotina voltada à capacitação docente para o PAV, ocorre também esse enxugamento, já que situa pontualmente as atividades realizadas nos dias 19 e 20 de fevereiro de 2008, sendo de caráter prático, como poderemos verificar a seguir em um recorte de uma parte da agenda do dia 19 explicitada nesse material (MINAS GERAIS, 2008d, s\p):

AGENDA 19 fevereiro de 2008

HORÁRIO TEMA/ATIVIDADE CARACTERIZAÇÃ

O DA ATIVIDADE PROFESSOR 8:30 Dinâmica de apresentação: a) Apresentação do professor ; b) Aquecimento: Dinâmica do Livro “Zoom”

Objetivo: Trabalhar o ponto de vista – Manter uma visão aberta Rosemeire 9:00 Apresentação do Guia: Apresentação do texto e questões Envolver todos em um trabalho coeso e coerente para que alunos tenham sucesso.

Rosemeire

9:30 Dinâmica: Trama da teia Objetivo observar a necessidade de todos no desenvolvimento do projeto

10:00 Apresentação dos Gêneros textuais e Tipos textuais

A importância de se trabalhar com tipos e gêneros para atender a perspectiva dos textos selecionados no livro do aluno Rosemeire/ Lídia 10:30 10:45 Intervalo 10:45 Dinâmica:

Texto “História de amor” Apresentação de uma mesma história em diversos gêneros textuais

Rosemeire/ Lídia

11:15 Apresentação dos trabalhos

Rosemeire/ Lídia 13:00-14:30 Almoço

Fig. 6. Agenda de Capacitação dos Anos Finais para Língua Portuguesa38

Diante disso, podemos perceber que o trabalho do professor é reflexo do movimento realizado na sua capacitação, formação, precisando ser voltado a práticas pontuais, técnicas e prescritivas. O foco aqui é voltado para atividades pontuais, que remetem à prática docente, afinal, para sanar as lacunas educacionais bastam soluções técnicas e eficazes.

Como sabemos, o trabalho docente é vinculado diretamente às avaliações diárias dos alunos e, principalmente, às avaliações externas existentes no sistema educacional brasileiro, em específico, o mineiro. Sob esse viés, os Guias trazem consigo uma parte destinada às avaliações que precisam ser realizadas rotineiramente para verificar o avanço do aluno, colocando para o professor como deve ser sua formatação e conteúdo, como, por exemplo, no

38 Fonte: MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Capacitação Continuada dos

Analistas, Supervisores Pedagógicos e Professores de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamental. Programa Acelerar Para Vencer. Anos Finais - Agenda de Língua Portuguesa. Belo Horizonte.

2008d. Disponível em: <

http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index.aspx?id_projeto=27&ID_OBJETO=104678&tipo=ob&cp=000 000&cb=>. Acesso em: 21 de agosto de 2015.

Guia de Orientação aos Professores de Matemática dos Anos Finais (MINAS GERAIS, 2008g, p.9):

Fig.7. Avaliação discente39

39 Fonte: MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais. Guia de Orientação aos

Professores. Programa Acelerar Para Vencer. Anos Finais. Disciplina: História. 2008g. Disponível em: < http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index.aspx?id_projeto=27&ID_OBJETO=104678&tipo=ob&cp=000 000&cb=>. Acesso em: 21 de agosto de 2015.

Em vista disso, vemos que os documentos trazem uma “receita pronta” para o professor, desde sua rotina em sala de aula até as avaliações diárias, que são pontos essenciais para que haja o enquadramento desse e do aluno a uma educação prática, desvinculada da teoria, o que não traz a emancipação do sujeito em sua totalidade. Com o desempenho docente sendo avaliado, seu trabalho é monitorado a todo momento, tornando-se, portanto, “um “executor” das tarefas já definidas previamente, tendo pouco ou nenhum espaço para, efetivamente, exercer a sua autonomia (OLIVEIRA et. al., 2012, p. 47). Essas tarefas, as competências e habilidades que o professor precisa ter e também obter de seus discentes para realização eficaz das mesmas estão pontualmente definidas nos documentos do Programa Acelerar Para Vencer, quando trazem as atividades que se baseiam no currículo destinado ao PAV, os objetivos dessas atividades e as avaliações.

Isto posto, entendemos que esse material difunde visivelmente a ideia de que basta seguir suas prescrições pra que o profissional seja um professor de sucesso, de “novo tipo”, já que teve uma formação inicial defasada e precisa de capacitação, muitas vezes em serviço. Somente quando adquire as competências e habilidades indicadas nesses documentos, o professor torna-se um docente eficaz, flexível, eficiente, produtivo e multifuncional.

No documento mariannapalacecardoso (páginas 94-100)

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