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A formação do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus, fundado em 1980, comprovou esse interesse político do grupo. Segundo seu estatuto, o “Desafio Jovem” era uma instituição religiosa, civil, filantrópica, sem fins lucrativos. Ainda conforme o estatuto, o Desafio Jovem de Feira de Santana, Entidade Cristã, tem por finalidade, a recuperação de jovens e qualquer pessoa viciada em tóxicos, psicotrópicos, alcoolismo e demais problemas de ordem física, moral e espiritual194. Nos 65 anos de comoemoração da AD a assistência social não foi esquecida dentre as atividades que se destacavam na Denominação. A respeito do CRDJ foi comentado:

Mantém, através de membros associados a essa entidade, em forma de contribuição financeira, apoio moral, assistencial, religiosa e psicológica, a pessoas do sexo masculino, viciado em drogas, tóxicos, entorpecentes ou alucinógenos, tratando-os através da terapia ocupacional, como também encaminhando-os a um credo religioso, que servirá de base para a sua firmeza de propósito, acelerando a sua cura e libertação dos vícios.195

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Livro de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 26 dez. 1980, p. 01.

195

FERNANDES, Rogério Armentano. 65anos: jubileu de ferro. Resumo do Histórico da ADEFS (1938 – 2003). Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Feira de Santana – Ba. 2003, p. 10.

Ou seja, o aspecto de cura teve forte apoio no aspecto religioso, pois para o tratamento, o paciente precisava de uma orientação, uma firmeza de propósito, alcançada por via espiritual. Ainda no estatuto do CRDJ, no artigo 4º foi complementado:

Por atingir sua finalidade acima manterá: a) Centro de Recuperação; Centro de Treinamento; Centro de Orientação Profissional e Centro de Estudos Bíblicos; b) Assistência Médica aos viciados, durante o período de recuperação; c) Serviço de Assistência Social junto à Comunidade196.

Maria Isabel Sampaio ao tratar da relação dos assembleianos com o mundo social, analisou a representação pentecostal da Assembléia de Deus de Feira de Santana sobre o processo de saúde-doença. Indicou uma superação assembleiana na aceitação de elementos do social, antes vistos com dificuldade pelo grupo. Trabalhando com esta representação simbólica, a autora analisou que o processo de saúde-doença não se limitava a inter- relação com a matéria, abarcava também as subjetividades dos indivíduos, ou seja, suas crenças, hábitos, costumes. Nesse estudo demonstrou que os assembleianos “evoluíram” em seu conceito quanto ao processo de doença, reconhecendo a importância médica no processo de cura e não apenas a orações e a fé em Deus. Contudo, a cura tem sua autoridade constituída por Deus. Sampaio indicou a participação evangélica não nos problemas sociais:

afirmamos que o pentecostalismo é um movimento peculiar à modernidade, identificando-se com as turbulentas transformações que ocorreram neste momento histórico – a primeira revolução industrial, e com ela a intensificação da pobreza, das epidemias, da prostituição, e do alcoolismo, juntando-se a isso a expansão desordenada das cidades, a exploração da mão-de-obra trabalhadora, o desemprego, o crescimento da mendicância, a falta de políticas públicas nos setores de saúde, educação, moradia, além da falta de perspectiva de mudança de status quo197.

A espiritualidade evangélica serviu de conforto aos despossuídos. Cuidar da espiritualidade significava estar em harmonia com o corpo, a alma e

196

Livro de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 26 dez. 1980, p. 01.

197

SAMPAIO, Maria I. da Silva. Representação do processo saúde-doença entre os

pentecostais da Assembléia de Deus em Feira de Santana. Feira de Santana. UEFS. BA. 2003,

o espírito, isto por ser o corpo a moradia do Espírito Santo. Por isso a importância à aparência pessoal dada pelos assembleianos.

Esta prática de honrar o corpo, justifica em parte, a aversão que os protestantes têm ao consumo do álcool e do cigarro, uma vez que o consumo destes dois produtos sempre significou a possibilidade do vício incontrolável e, na atualidade, estes têm sido frequentemente associados a fatores de risco para a saúde198.

A partir da preocupação com a pureza do corpo pode-se constatar a interferência crescente dos evangélicos nos problemas sociais, como nas atividades voltadas aos dependentes químicos. Os centros de recuperação tiveram um papel importante na tentativa de reinserir indivíduos na sociedade, bem como em manifestar a necessidade de atuação social do grupo religioso, limitada por normas e doutrinas que viam com “maus olhos” a mistura de elementos religiosos com seculares, incluindo a profanação que a atividade política poderia causar.

Problemas das grandes cidades, como as drogas e a violência urbana têm sido apreciados e há tentativas de solução por parte de diversas denominações religiosas. Esta preocupação levou a uma participação evangélica em atividades políticas de cunho assistencialista.

O assistencialismo foi uma forma dos grupos evangélicos se fazer presentes na sociedade. Foi notado nas atas o interesse de conversão destes beneficiados, bem como as benesses que buscavam junto às autoridades políticas, às quais também interessava a aproximação com o eleitorado evangélico.

Trabalhando com os Livros de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus, alguns destes aspectos podem ser conferidos. Na ata nº 17 foi demonstrado o progresso do Centro de Recuperação na cura dos toxicômanos199. Muitos dos alunos, como eram chamados os dependentes químicos em tratamento, que concluíram o período terapêutico permaneceram na comunidade assembleiana como fiéis e de parte deles se formou o quadro

198

SAMPAIO, 2003, o. cit., p. 67.

199

Livro de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 04 de abril de 1985.

atual de obreiros. Apesar de em entrevista um dos obreiros, ex-dependente químico, afirmar não ser o Centro uma “fábrica de fazer crentes”200

.

Observa-se, entretanto, que boa parte dos concluintes do tratamento permanceram, se não como assembleianos, como pertencentes a outras denominações evangélicas. Eram, portanto, fiéis em potencial para o grupo religioso.

A partir da leitura das atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem, percebe-se o trabalho comunitário realizado pela Assembléia de Deus, “Cristo vos liberta” (CVL), de ajuda aos viciados, carentes e necessitados da mensagem religiosa que se encontravam nas ruas da cidade de Feira de Santana. O projeto começou com um trabalho noturno de membros da congregação que saiam pregando o Evangelho para dependentes químicos e pessoas com “desvio moral”. Estendeu-se com um trabalho realizado por iniciativa do pastor Severino Soares, em 1979, juntamente com outros assembleianos, de recolher dependentes químicos e os encaminharem para um Centro de Recuperação em Baúru, São Paulo. A idéia de fundar um Centro de Recuperação em Feira de Santana surgiu devido ao alto custo de enviar para São Paulo estes dependentes. Em 1983, ocorreu a compra de uma chácara de dez tarefas em Humildes, distrito do Feira de Santana, para a instalação do próprio Centro local.

O trabalho assistencial com toxicômanos ganhou visibilidade e foi demonstrado nos veículos de comunicação de Feira de Santana. Em uma de suas matérias, a Revista Panorama da Bahia trouxe o depoimento de um convertido ao pentecostalismo, ex-dependente químico.

Num depoimento dramático, o feirense Heronildo Xavier de Santana, 27 anos, ex-toxicômano, ex-ladrão, conta a sua luta para se livrar do barato das drogas, seu envolvimento com viciados da pesada e das inúmeras vezes em que esteve preso... Fui solto e quando cheguei em casa já haviam colegas com seringas para tomarmos „pico‟ novamente. E quando eles chegaram de um lado, uma comissão de evangélicos chegaram de outro... Os evangélicos me pediram um minuto de atenção, leram um trecho da Bíblia e começaram a explicar as verdades de Deus... Aí os meus irmãos propuseram-me que fosse para uma Casa de Recuperação, no „Esquadrão Vida‟, em Bauru, São Paulo... Dali em diante passei a ser uma pessoa diferente. Nunca

200

Entrevista realizada com um dos obreiros da Assembléia de Deus em 07 de abril de 2004. Não citamos o nome de entrevistado por não expor uma pessoa que já passou por problemas de dependência química, preservando assim sua privacidade.

mais tive vontade de mentir, de fumar, de roubar e de me prostituir. Hoje sou crente, não por conveniência, mas porque sei que Deus queria que eu devia ser crente.201

Apesar da Revista Panorama da Bahia não se referir à denominação religiosa, as referências indicam a AD, pois tinham esta prática de enviar o toxicômano para se tratar em São Paulo, até a determinação de construir seu próprio centro de recuperação. A revista reconheceu o trabalho assistencial e a colaboração exercida pelos evangélicos, dado ao papel de reintegração social da entidade.

A terapia espiritual da CRDJ tinha como base mostrar a importância da salvação do homem por Cristo Jesus. O “encontro com Cristo” foi fundamental para Ele operar na vida destes homens e “curá-los” das doenças. Essa estrutura religiosa suplantava um atendimeto médico mais capacitado na entidade assistencial. Reconheciam a importância do tratamento médico, no entanto havia uma maior valorização ao tratamento espiritual202. Ainda segundo os entrevistados, no caso do dependente necessitar de um tratamento médico era conduzido para um posto de saúde e depois comprados os medicamentos prescritos203.

Essa carência e problemas internos foram atribuídos à falta de ajuda sistemática de órgãos do governo ao Desafio Jovem. Também procuravam ajuda de empresas dispostas a doar alimentos. Em atas verificou-se a contribuição ao Centro de Recuperação, durante o governo de João Durval Carneiro, em 1984204.

Questionados sobre o que levava uma pessoa a se envolver com o álcool e com as drogas, os entrevistados falaram do contato com más companhias (falta de conduta ética nos moldes cristãos), da curiosidade, do abandono da família e da própria condição financeira, servindo a droga como uma válvula de escape. Observação típica de um converso e adequada às normas e costumes do grupo ao qual passou a pertencer.

201

Entrevista realizada com obreiro da Assembléia de Deus em 07 de abril de 2004.

202

SAMPAIO, 2003, op cit.

203 Entrevista realizada com obreiro da Assembléia de Deus em 07 de abril de 2004. 204

Atas do Centro De Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus de Feira de

O entrevistado João205, entrou no Centro de Recuperação Desafio Jovem como dependente químico. Em seu depoimento ficou demonstrado o trabalho evangélico de cura voltada para conversão do dependente:

Eu particularmente, com a idade de 15 anos, eu tive a infelicidade de conhecer o baseado de maconha. Em 1985 fumei pela primeira vez, não senti nada. Foi da segunda e terceira vez que eu já comecei a sentir alguma coisa e comecei a fumar. Quando eu vi que a maconha já não tinha efeito que eu desejava eu comecei a usar cocaína e da cocaína eu cheguei até a tomar pico. E quando me vi na situação já de dependente mesmo, que eu já não tinha mais dinheiro para manter meu vício comecei a roubar, praticar pequenos furtos dentro da minha própria casa, depois na casa dos meus familiares, a exemplo de tio, tia, primos e depois comecei a fazer alguns arrombamentos na cidade a qual eu morava (município de Coração

de Maria, próximo a Feira de Santana). Mas um dia bastante

escravizado pelas drogas por que as drogas ela escraviza e mata, tira a vida, tira a vida de quem tem vida, e eu naquele momento de já de muita angústia, muito sofrimento eu optei para ir ao Centro de Recuperação aonde eu pela misericórdia de Deus fui e lá no Centro de Recuperação eu pude assim encontrar a recuperação para a minha vida uma vez como eu já disse era oprimido, era escravizado mas lá ao encontrar Jesus eu pude ver a minha vida transformada e liberta por Cristo, porque só Ele tem poder de transformar e libertar o homem206.

A cura da dependência química foi atribuída à intervenção divina, que se tornou mais importante que o tratamento médico. Como se o encontro com Cristo significasse a iluminação desse homem dependente de drogas, como o de todos os dependentes químicos ou de problemas morais e espirituais. Em uma inversão da Filosofia Iluminista do século XVIII, pode-se afirmar que o encontro da razão, baseia-se na fé, ou seja, no encontro com o “Salvador” Jesus Cristo.

Sobre os dependentes que foram convertidos, ambos disseram ser uma escolha pessoal. Segundo um deles “o Centro não é fábrica de crentes”. Porém este mesmo entrevistado falou do trabalho dos obreiros de mostrar que apenas pelo intermédio de Cristo encontraram libertação para a vida. A entrevistada Maria, secretária e professora de alfabetização do Desafio Jovem, evangélica e casada com um ex-viciado e também obreiro no Desafio Jovem, comentou a

205

Nome fictício.

206

Entrevista realizada com obreiro da Assembléia de Deus em 07 de abril de 2004. Destaque nosso.

importância de aceitar a Jesus, confirmando o caráter proselitista do Desafio Jovem207.

Também eram constantes a presença de políticos locais em diversos eventos promovidos pelos evangélicos da AD. Eles participavam não apenas da doação de terrenos ao grupo religioso, mas também das festas de inauguração, como uma forma de conseguir votos. Era recorrente a barganha política. Quando da inauguração da casa do “Desafio Jovem”, estiveram presentes diversas lideranças, dentre eles o prefeito do município e deputados, conforme relatado:

O prefeito Dr. José Falcão da Silva, sentido-se honrado em termos em Feira de Santana uma organização como o Desafio Jovem trabalhando em favor de jovens viciados em tóxicos. Falou ainda que Feira de Santana estará lado a lado do Desafio Jovem no objetivo de ver a libertação do jovem viciado... Por outro lado falou o então Deputado Estadual Dr. Colbert Martins, dizendo que muito admira os evangélicos, quanto ao objetivo que eles têm de integrarem em favor do bem comum da comunidade208.

Nota-se que a presença dos políticos junto ao grupo religioso indica um prestígio, ao menos, em relação ao seu porte numérico e possibilidade de retorno de votos para os mesmos, os quais se dispunham a contribuir para as atividades assistenciais. Havia assim, uma troca de favores explícita, típica das relações paternalistas da política baiana e brasileira.

Esta era uma forma assembleiana de se fazer presente junto à sociedade, demonstrando a importância do Centro de Recuperação. Tanto que houve a criação de um Conselho Consultivo, em 1983, composto de autoridades políticas e personalidades feirenses, a exemplo do então vereador José Ronaldo de Carvalho, Gerson Gomes, Sérgio Carneiro (filho do governador João Durval), Pastor Shuts (missionário batista norte-americano), professores, entre outros. Foi uma forma de conseguir ajuda contínua para a manutenção do Centro de Recuperação. Este aspecto do assistencialismo indicou uma maior abertura da Denominação Assembléia de Deus à sociedade feirense.

207

Entrevista a um dos secretária do Centro de Recuperação Desafio Jovem, da AD. Abr. 2004.

208

Livro de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 02 jul. 1985.

Outro centro assistencial implantado pelos assembleianos foi o Amparo ao Menor Abandonado, criado também pelo pastor Severino Soares, no sentido de cuidar de crianças e jovens que perambulavam pelas ruas da cidade, com o intuito de oferecer formação e claro, um credo religioso ao acolhido. Sobre o AMA foi comentado:

Com atenção especial aos assim chamados meninos-de-rua, o AMA procura recrutar crianças menores – obedecendo sempre sua capacidade de lotação – tratando-as dentro do amor que Deus menciona na Bíblia Sagrada, encaminhando até muitas delas, a uma adoção por parte de famílias interessadas.209

Mais uma vez os assembleianos estavam em parceria com os interesses municipais, pois era grande o número de crianças pelas ruas feirenses. O Jornal Feira Hoje corriqueiramente trazia notícias que abordavam o problema dos meninos de rua, apontando a falta de infância destes, que muitas vezes não tinham famílias, ficando vagando pelas ruas, ou vendendo alimentos, frutas, verduras ou doces, ou pedindo nas calçadas ou no trânsito210.

Outra entidade assistencial montada pela AD foi o Centro Beneficente da Assembléia de Deus (CEBAD), cuja função era destinar parte das contribuições dos fiéis para o auxílio a muitos necessitados em nossa cidade, oferecendo centenas de cestas básicas, medicamentos, auxílio funeral e até algumas ajudas de custos a idosos211. Muitos dos fiéis assembleianos que não possuiam condições financeiras também recebiam cestas básicas. O Grupo de evangelização noturna “Cristo vos liberta” (CVL) foi formado há décadas na AD. Tinha um trabalho espiritual mais destacado por sair às ruas da cidade, durante a noite, em busca de favelados e desemparados para pregar as doutrinas assembleianas. As que aceitavam a mensagem religiosa ou tratamento específico eram encaminhados para os locais adequados. Conforme um memorialista da AD:

Irmãos preparados e devidamente amparados por autorização judicial saem às ruas, em altas horas da madrugada, pregando a libertação pelo poder de Deus às pessoas marginalizadas, chegando, até, a

209

FERNANDES, 2003, op. cit., p. 10.

210

Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 01 jan. 1984, p. 7.

211

encaminhar aquelas que desejavam entrar no Centro de Recuperação Desafio Jovem de Feira de Santana.212

Outras práticas do grupo de realizar assistência social era por meio das Cruzadas Evangelísticas que ocorriam nas ruas e praças da cidade. O objetivo era realizar orações pelo “bem” da cidade, acolher os que necessitavam da mensagem religiosa, convertendo novos membros e encaminhando os que aceitavam seus trabalhos assistenciais.

Foto 9. Cruzada evangelística sob comando so Pastor Severino Soares. Acervo de Eber

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