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A Chancelaria havia estabelecido que não se permitiria o uso de portos e aeroportos brasileiros para navios de guerra ou aviões empregados nas operações

No caso específico do “Vulcan” britânico, o Itamaraty iniciou, imediatamente, negociações diretas com os representantes da Argentina e Reino Unido acreditados junto ao Brasil, para dar desfecho ao episódio.. O representante britânico solicitara a liberação, sem demora, do avião; o argentino, a sua retenção até o fim da guerra. Depois de alguns dias de negociações, o governo brasileiro decidiu liberar o avião “Vulcan” completamente desarmado e com o compromisso, da parte do Reino Unido, de que não seria utilizado na Guerra das Malvinas / Falklands (aliás, um compromisso difícil de controlar)37. No dia 10 de junho de 1982, às 10h45min, o bombardeiro decolava da Base Aérea do Galeão, totalmente desarmado (isto é, sem o míssil ar-ar Sidewinter e outros armamentos menores, retidos pelas autoridades nacionais, que se comprometeram a restituí-los após terminada a guerra), com os seis oficiais britânicos, rumo à sua base de origem, na Ilha de Ascenção. Ambas as partes concordaram com a decisão brasileira38.

Estabeleu-se uma estrutura coordenada entre os órgãos decisórios do Poder Executivo (Presidência da República, Chancelaria e Ministérios Militares e Civis), sobre a qual estava assentada a posição neutral brasileira. Essa atitude visava evitar qualquer precipitação ou decisões conflitantes. SARAIVA GUERREIRO afirma, com efeito, que durante o episódio das Malvinas / Falklands, foi necessário “manter boa coordenação interna, quer diretamente com outros Ministérios, quer com o Planalto”39. Assim, atingiu-se um grau de eficiência na condução diplomática brasileira, sendo que “o Presidente esteve a par e decidiu sempre com muita

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segurança

Outra base de neutralidade do Brasil era a credibilidade. CELSO LAFER afirma que esta, “evidentemente, não se esgota no cuidado do estilo diplomático”41. Ela requer, da mesma forma, uma “efetiva correspondência entre estilo e substância”.

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Vinculada à credibilidade estava a transparência com que se conduzia a política de neutralidade do Brasil. Nas palavras do então Chanceler Saraiva Guerreiro, “a posição adotada pelo Governo Brasileiro é ostensiva”. O esforço moderador exigiu credibilidade, alcançada principalmente pela “atuação diplomática responsável”42.

Definindo o Brasil como um “país intermediário” na estratificação mundial então existente, CELSO LAFER aponta como um dos objetivos dessa qualidade de países o de “buscar evitar o conflito no sistema interestatal, contribuindo para a paz”43. Assim, justificar-se-ia a atitude neutra tomada pelo Brasil. Sem dúvida, esse papel tem caráter estabilizador na elaboração da ordem mundial.

No período posterior ao conflito anglo-argentino, na avaliação de SARAIVA GUERREIRO, as relações Brasil-Reino Unido sofreram um certo esfriamento, porque, por algum tempo, “enquanto as feridas argentinas eram mais recentes, pareceu-nos imprudente a realização de visita de altas autoridades, sobretudo, as militares”44. Contudo, esse entrave pôde, paulatinamente, ser superado nos anos seguintes.

Reafirmando a tradicional amizade que une o Brasil à Argentina e ao Reino Unido, o ex-Chanceler Saraiva Guerreiro considerou o quadro pós-conflito como sendo positivo para a política exterior do País45. O Brasil atravessara os acontecimentos em posição delicada, com estreita margem de manobra. Adotara uma atitude de transparência, quer dizer, “nunca disse algo sobre a nossa posição a Hugo Caminos (Embaixador Argentino) que não dissesse a William Harding (Embaixador Britânico)”46. Ambos os contendores agradeceram ao Brasil pela sua posição neutral no decorrer da Crise das Malvinas / Falklands, “de formas diferentes e por motivos diversos”47.

NOTAS

1 Segundo FRANCO MOSCONI, “o termo Neutralidade serve para designar a condição jurídica em que, na Comunidade Internacional, se encontram os Estados que permanecem alheios a um conflito bélico existente entre dois ou mais Estados” (in BOBBIO et alli. Dicionário de Política, Brasília, Ed. UnB, 1986, pp. 821-822). Mais adiante o mesmo autor afirma: “De acordo com a doutrina moderna ocorreu a supressão da distinção tradicional entre direito internacional de paz e direito internacional de guerra sem dúvida, houve um esvaziamento da contraposição entre intervenção armada e neutralidade (perfeita). Uma atitude de participação indireta no conflito ou, sob outro enfoque, de neutralidade discriminatória e normalmente assumida pelas duas grandes potências a fim de controlar - nos resultados e nas dimensões - os conflitos armados, dando sua assistência a ambas as partes envolvidas nestes conflitos. A posição e a atitude das potências, evidentemente, têm reflexos inevitáveis, mediante o jogo de alianças, nos comportamentos dos Estados não diretamente envolvidos nos acontecimentos bélicos” (id., ibid., p. 823). Segundo o então chanceler Saraiva Guerreiro: “A idéia de neutralidade absoluta se coloca quando há uma guerra definida, o que não há, do ponto de vista técnico propriamente. É uma situação bastante complexa em termos jurídicos (...)” (GUERREIRO, Ramiro Saraiva. O Itamaraty e o Congresso Nacional, p. 69).

2 CERVO, Amado. O Desafio Internacional. Brasília, Ed. UnB, 1994, p. 62.

3 GUERREIRO, Ramiro Saraiva, Lembranças de um Empregado do Itamaraty. p. 91. 4 LAFER, Celso. O Brasil e a Crise Mundial, p. 145.

5 HIRST, Mônica in: Ministério das Relações Exteriores; Fundação Alexandre de Gusmão; Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais. As Políticas Exteriores da Argentina e do Brasil num Mundo em Transição.

Cadernos do IPRI n° 11, novembro de 1984, p. 9.

6 MOURA, Gerson. Brasil e Argentina. Ciência Hoje, vol. 8, n° 46, setembro de 1988, p. 31. BANDEIRA, Moniz. Estado Nacional e a Política Internacional na América Latina, p. 15: “(...) nem a tradicional rivalidade com a Argentina foi tão constante, uma vez que o Brasil firmou com ela Tratado da Tríplice Aliança, contra o Paraguai, o Tratado do ABC, em 1915, e os dois países, não obstante as suspicácias, sempre trataram de manter em bom nível de inteligência”.

7 BANDEIRA, Moniz. op. cit. p. 240.

8 GUERREIRO, Ramiro Saraiva, op. cit. p. 91. 9 Resenha de Política Exterior Brasileira, n° 32, p. 15.

10 GUERREIRO, Ramiro Saraiva. O Itamaraty e o Congresso Nacional, p. 57.

11 O Reino Unido ocupava papel de relevância na Balança Comercial Brasileira. Em 1981, a sua participação no total das exportações brasileiras foi de 3,2% (US$ 735 milhões), enquanto no das importações, de 1,5% (US$ 133 milhões). Na parte dos investimentos e reinvestimentos estrangeiros registrado no Brasil, o Reino Unido forneceu, no mesmo período, recursos da ordem de US$ 1.018 bilhão. (BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de 1982, vol. 19, fev/83, n° 2, p. 82).

12 JAGUARIBE, Hélio in Reflexões sobre o Atlântico Sul. in SEl'1'ÜNFUS, Ricardo A. (org.). Bacia do Prata: Desenvolvimento e Relações Internacionais, p. 66.

13 “Veja”, 21/4/82, p. 36. 14 Idem., p. 37.

15 GUERREIRO, Ramiro Saraiva, op. cit. pp. 53-54. 16 Resenha de Política Exterior Brasileira, n° 33, p. 63. 17 BOBBIO, Norberto. op. cit. pp. 823-824.

18 NAVAKTVI, Jukka (ORG) Neutrality in History. p. 29. (Tradução do autor: “A Neutralidade não é tão- somente um assunto de Direito, ela é, também e sobretudo, uma Política”).

19 BANDEIRA, Moniz. op. cit. p. 244. 20 Id., ibid., p. 245.

21 NAVAKTVI, Jukka (ORG). op. cit. p. 19

22 Idem, p. 331 (Tradução do autor: “A Neutralidade varia no tempo e no espaço”). 23 GUERREIRO, Ramiro Saraiva, op. cit. p. 69.

24 “Veja”, 21/4/35. 25 Idem.

26 GUERREIRO, Ramiro Saraiva. Lembranças de um Empregado do Itamaraty. p. 111. 27 Apud. BOBBIO, Norberto et alli. op. cit. p. 822.

28 Idem. 29 Idem.

30 “O Estado de São Paulo”, 30/04/82. 31“Jomal do Brasil”, 17/05/82.

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32 Idem.

33 “Gazeta Mercantil”, 4/6/82. 34 “Veja” 9/6/82, p. 32. 35 “Folha de São Paulo”, 4/6/82.

36 GUERREIRO, Ramiro Saraiva. Lembranças de um Empregado do Itamaraty. p. 111. 37 Idem.

38 “Folha de São Paulo”, 11/6/82.

39 GUERREIRO, Ramiro Saraiva, op. cit. p. 111. 40 Idem.

41 LAFER, Celso. op. cit. p. 143.

42 GUERREIRO, Ramiro Saraiva. O Itamaraty e o Congresso Nacional, p. 53.

43 Palavras do Chanceler Brasileiro Saraiva Guerreiro. Apud. LAFER, Celso. op. cit. p. 127. 44 GUERREIRO, Ramiro Saraiva Lembranças de um Empregado do Itamaraty. p. 113. 45 Idem.

46 Idem. 47 Idem.

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