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CAPÍTULO II: CONSIDERAÇÕES SOBRE O ETHOS

2.3 CHARAUDEAU: O ETHOS COMO ESTRATÉGIA DO DISCURSO POLÍTICO

muito diferentes, segundo seja considerada do ponto de vista do locutor ou destinatário: “O professor que quer dar uma imagem de sério pode ser percebido como monótono, e aquele que quer dar a imagem de indivíduo aberto e simpático pode ser percebido como doutrinador ou “demagogo”. Em matéria de ethos, os fracassos são moeda corrente”. (MAINGUENEAU, 2008a, p. 61)

Muitas vezes, o enunciador pretende criar uma determinada imagem de si, mas que poderá terminar com outra imagem que não corresponde àquela visada inicialmente. Então, Maingueneau (2008a) distingue o que seria um ethos efetivo e um ethos visado. O primeiro corresponde “ao que tal ou qual destinatário constrói, resulta da interação dessas diversas instâncias, cujo peso respectivo varia segundo os gêneros do discurso” (MAINGUENAEU, 2008a, p. 71). O segundo corresponde à imagem pretendida pelo enunciador, assim, o ethos visado não é necessariamente o ethos produzido.

2.3 CHARAUDEAU: O ETHOS COMO ESTRATÉGIA DO DISCURSO POLÍTICO

Como foi dito anteriormente, o ethos foi uma noção retomada e redefinida por alguns pesquisadores da análise do discurso. Também inscrito nessa filiação, Charaudeau (2008), em sua obra Discurso político, discute a noção de ethos relacionada ao discurso político. Para ele, o ethos seria uma estratégia empregada no discurso político para persuasão.

Essa noção estaria ligada ao orador, enquanto o pathos é voltado para o auditório. Compreendendo o ethos como imagem de si, o autor procura refletir, se é possível “o ethos estar ligado à pessoa real que fala (o locutor) ou à pessoa como ser que fala (o enunciador)” (CHARAUDEAU, 2008, p. 115).

Os analistas do discurso são adeptos a uma concepção discursiva que inscrevam o

ethos no ato de enunciação, posto que o ethos não corresponde ao indivíduo, mas está ligado

ao seu discurso, conforme proposto por Maingueneau (2008a).

Charaudeau (2008, p. 116), por sua vez, faz a seguinte questão: “como aceitar que a imagem que o sujeito falante faz dele próprio não corresponderia ao que ele é como indivíduo?” Para ele identidades discursiva e social fusionam-se no ethos. Assim, ele considera que o ethos não é totalmente voluntário nem consciente, isto é, um destinatário pode constuir ou reconstruir um ethos do locutor, diferente daquele que ele planejou como o que acontece nos discursos políticos.

Nesse sentido, o ethos apresenta-se num paradoxo da filosofia contemporânea em que o sujeito não é um (Nietzsche), que ele é dividido (Lacan) como se fosse de fato um todo.

Para definir melhor sua concepção, ele retoma a definição de “tom” empregada por D. Maingueneau para qual propõe uma “concepção mais encarnada” do ethos, conhecido por “fiador” de um “caráter” e de uma “corporalidade” subjetiva. Dessa forma, Charaudeau (2008) acredita que tenha ligação com a representação social posto que “a visão que uma sociedade tem do corpo depende dos imaginários coletivos que ela constrói para si” (CHARAUDEAU, 2008, p. 117). A partir disso, ele conclui então que o ethos apoia-se em um duplo imaginário corporal e moral ou que é um imaginário que aqui se “corporifica”. Assim, ele acredita que o ethos esteja relacionado à percepção das representações sociais, definindo-o como ethos coletivo17.

Para Charaudeau (2008), não é possível separar o ethos das ideias, pois a maneira de apresentá-las tem o poder de construir imagens. Assim, ele retoma a asserção de Maingueneau (2001) “as ideias são construídas por maneiras de dizer que passam por maneiras de ser”.

Sobre a separação das ideias e do ethos:

Às vezes os atores políticos, para explicar a derrota do seu líder, dizem: “Suas ideias são boas, mas o personagem não tem carisma suficiente”. Separar as ideias do ethos é sempre um álibi que impede de ver que, em política, aquelas não valem senão pelo sujeito que as divulga, as exprime e as aplica. É preciso que este seja, ao mesmo tempo, crível e suporte da identificação à sua pessoa (CHARAUDEAU, 2008, p. 118).

Para isso, Charaudeau (2008) desenvolve figuras identitárias do discurso político que se reagrupam em duas grandes categorias de ethos: o ethos de credibilidade e o ethos de identificação:

17Essa noção corresponde a uma visão global, mas à diferença do ethos singular, ele é construído apenas pela

atribuição apriorística de uma identidade que emana de uma oposição coletiva em relação a um outro grupo (CHARAUDEAU, 2008, p. 117).

Fonte: FREITAS (2012)

Ao reagrupar essas categorias, ele atribui aos primeiros como fundados em um discurso da razão: “Para ser crível é preciso [...]”; e aos segundos, em um discurso de afeto: “Aí está o chefe!” (CHARAUDEAU, 2008, p. 118). Para Charaudeau (2008, p. 120), a credibilidade no discurso político é fundamental:

Uma vez que o desafio consiste em tentar persuadir determinado público de que se tem certo poder. Entretanto, essa credibilidade é particularmente complexa, pois deve satisfazer ao mesmo tempo três condições que acabamos de evocar: a condição de sinceridade, [...] condição de performance, que – como acontece com todo discurso que anuncia decisões e é feito de processos – obriga a aplicar o que se promete; condição de eficácia, que obriga a provar que o sujeito tem os meios de fazer o que promete e que os resultados serão positivos. Assim, para responder a essas condições, o político procura constuir para si o ethos de sério, de virtuoso e de competente.

Para o autor, o ethos político “é resultado de uma alquimia complexa feita de traços pessoais de caráter, de corporalidade, de comportamentos, de declarações verbais, tudo relacionado às expectativas vagas dos cidadãos, por meio de imaginários que atribuem valores

Figuras identitárias do discurso político Ethos Ethos de credibilidade Ethos de identificação

a essas maneiras de ser” (CHARAUDEAU, 2008, p. 137). Assim, no discurso, as figuras do

ethos são ao mesmo tempo voltadas para si mesmo, para o cidadão e para os valores de

referência. É assim como os ethé de credibilidade e também como os de identificação.

As figuras mais recorrentes que caracterizam o ethos de identificação são: o ethos de “potência”, o ethos de “caráter”, o ethos de “inteligência” e o ethos de “humanidade”.