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CHARGE “A ORIGEM DAS ESPÉCIES”

No documento O chargista como porta-voz (páginas 75-78)

4. CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO: UM GESTO POLÍTICO DE ANÁLISE

4.7 CHARGE “A ORIGEM DAS ESPÉCIES”

Figura 5: Charge “A Origem das Espécies” Fonte: GGB, 2013.

A charge “A Origem das Espécies” elaborada pelo chargista Simanca também foi veiculada na exposição do Grupo Gay da Bahia GGB “Fora Feliciano: Caricaturas e charges contra a Homofobia.” O chargista retratou Charles Darwin, um dos cientistas mais famosos que o mundo já conheceu. Na charge, ele segura um cartaz com o texto: “Sou evoluído e o pastor Marco Feliciano não me representa.” Além disso, em seu braço direito, ele possui o livro “A Origem das Espécies”. Diante dessa charge, o chargista se projeta nas seguintes posições-sujeito:

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REDAÇÃO UOL. Mostra "Fora Feliciano" reúne cartuns e caricaturas no GGB.

Disponível em: <http://atarde.uol.com.br/cultura/exposicao/noticias/1500982-mostra-fora-feliciano-reune- cartuns-e-caricaturas-no-ggb> Acesso em: 8 dez. 2014.

PS1- ativista do GGB;

PS2- chargista;

PS3- político;

PS4- cientista.

Simanca se projeta como chargista porque coloca em questão a representatividade política do pastor/ deputado Marco Feliciano enquanto presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias no ano de 2013 pelo humor. A responsabilidade da função social do chargista está presente na charge através da concessão da voz política a um personagem que desqualifica Marco Feliciano enquanto presidente da CDHM e o leva assim, na projeção do chargista na PS3.

O livro que Darwin segura produz o efeito de sentido de proporcionar maior credibilidade aos seus dizeres. A identificação do chargista com o discurso científico é o que leva à sua projeção na PS4. O atravessamento do discurso científico na charge por meio de

Darwin e seu livro produz um efeito que legitima quem é evoluído e quem não é.

Ainda sobre o atravessamento do discurso científico na charge, cabem mais algumas considerações. O dizer “sou evoluído” proporciona diversos efeitos de sentido. Um desses efeitos é o fato de que o ser humano é uma espécie que evoluiu biológico e cientificamente. Nesse efeito de sentido, é possível demarcar dois apagamentos discursivos.

O primeiro na conjunção e; o outro, no segundo dizer de Darwin. No primeiro, podemos compreender que a conjunção e pode ser entendida como “por isso”. Logo, poderíamos interpretar os enunciados da seguinte forma: “Sou evoluído, por isso o pastor Marco Feliciano não me representa.” Já o segundo apagamento discursivo ocorre no dizer “Marco Feliciano não me representa”. O não dito está no fato de que o chargista leva o personagem de Darwin a proporcionar o efeito de sentido de que “Marco Feliciano não é evoluído”. Aí também se encontram os diversos efeitos de sentido que esse apagamento pode proporcionar, tais como os de que “Marco Feliciano não é evoluído como o movimento LGBT e o GGB”.

Nesse sentido, há um efeito metafórico que está justamente na relação entre a primeira e a segunda SD. O fato de Darwin não se sentir representado por Marco Feliciano pelo fato dele não ser evoluído vai de encontro à ideia de que ele não possui competência para assumir a presidência da CDHM e tomar as decisões em prol das minorias.

Além disso, chama atenção os marcadores verbo-pronominais de pessoa “sou” e “me”. Muito embora possa se referir à fala de Darwin, ele permite pensar no chargista como

um locutor “[...] responsável pela enunciação” em que é capaz de “representar-se como locutor-enquanto-pessoa, como origem do discurso” (GUIMARÃES, 1988, p. 25), soando como se os dizeres fossem dele.

Essa responsabilidade social do chargista em produzir um efeito de sentido em que ele se apresenta como origem do discurso sobrepõe-se à função social da posição-sujeito chargista de falar do político pelo humor. Portanto, trata-se de um ato enunciativo de “falar em nome dos seus” pela via do discurso chárgico, científico e também do político.

Se adotarmos a perspectiva de que o discurso científico é um discurso legitimado na escola assim como o discurso pedagógico, podemos afirmar que o sujeito em algum momento de sua vida já se inscreveu ou ainda se inscreve nessa FD. Logo, cabe afirmar que a marcação de pessoa “me” na charge e o atravessamento do discurso científico produzem um terceiro apagamento discursivo.

O que ocorre é o apagamento discursivo do pronome “nós”, tendo em vista que, em tese, todos aqueles que já passaram pela escola tornam-se interpelados pelo discurso científico, fator que nos proporcionaria uma identificação com essa FD. Por fim, vemos que essas observações fazem emergir um porta-voz em potencial, capaz de falar para os seus e parlamentar com o adversário, sugerindo “um nós em formação” pecheuxtiano.

Eis então o gesto político que o chargista produz. A desautorização de um representante político por meio de uma teoria científica positivista, levando-o a tradução da língua legitima do movimento LGBT no político através dos saberes não apenas políticos, mas científicos enunciados pela charge. Desse posicionamento como gesto é que o leva a se projetar na posição de porta-voz.

Resta-nos afirmar que o chargista é um porta-voz que nega o discurso religioso pelo discurso científico, mais precisamente pela teoria darwinista da evolução das espécies. Além de se projetar como porta-voz, o chargista mobiliza a memória discursiva da historicidade da luta ideológica entre a igreja e a ciência, desde a época da santa-inquisição. Naquela época, a igreja era soberana, ou seja, seu discurso era totalmente legitimado pelo Estado e ela agia como um dos seus aparelhos repressivos. Por fim, cabe afirmar que, historicamente, igreja sempre se posicionou contra a teoria da evolução.

4.8 CHARGE “FELICIANO DIZ QUE SÓ DEIXA A COMISSÃO DA CÂMARA SE

No documento O chargista como porta-voz (páginas 75-78)