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4.1 – A revolução de maio em Misiones: novas mudanças políticas em territórios indígenas? Em 1808 se iniciou um novo momento para Portugal, Espanha e algumas de suas possessões na América. Em 1810 a monarquia espanhola passava por uma acefalia devido ao sequestro do rei Fernando VII pelas forças napoleônicas. Isso fez com que burocratas crioulos e peninsulares buscassem governar ‘em seu nome’. Em algumas zonas centrais e mais povoadas da América espanhola, como o México, elites crioulas apoiaram a iniciativa engendrada na península e aceitaram ser parte da inédita experiência de formar uma Assembleia Constituinte. Naquele ano, enviaram seus deputados ao congresso em Cádiz. Mas houve também dissidências. Entre abril e setembro de 1810, formaram-se Juntas que questionavam a legitimidade das autoridades metropolitanas em algumas colônias como foi o caso da Venezuela, Nova Granada, Chile e Rio da Prata270. Conforme François Xavier-

Guerra, estas oligarquias urbanas tinham uma relação especial com o campo, uma relação de dominação muito mais completa do que aquela estabelecida pelas elites peninsulares. Destaque interessante, o autor conferiu à condição jurídica de liberdade dos peões compensada por usos e costumes diversos que os vinculavam aos donos de terra271.

Entretanto, como pontuou Guillermo Wilde referindo-se aos guaranis, a bibliografia sobre a participação dos indígenas neste período de transição que se instaura em 1810 é extremamente escassa272. Pouco exploradas são as relações estabelecidas entre as elites

crioulas, os indígenas e as novas ideias e projetos políticos em curso no início daquela década. O principal intuito deste capítulo é demonstrar o quanto a oligarquia dos centros urbanos e seus novos planos políticos se relacionavam com os indígenas no espaço rural.

O vice-reino do Prata se negou a participar das Cortes de Cádiz, alegando, principalmente, desigualdade representativa no congresso. No dia 22 de maio, em Buenos Aires, um Cabildo aberto deliberou que na ausência do rei, exerceria o próprio governo

270 FRADKIN; GARAVAGLIA, 2009, p. 221-240.

271XAVIER-GUERRA, Fançois. Modernidad e Independencias: ensaios sobre las revoluciones hispánicas.

Madrid: Mapfre, 2009, p. 95.

através de um direito que alegava ser tão legítimo quanto o dos peninsulares de formarem Juntas governativas. Quatrocentas e cinquenta pessoas foram convidadas, entre elas funcionários, magistrados, sacerdotes, oficiais do exército e das milícias, todos membros ‘distintos’ da cidade. Pouco mais de duzentas e cinquenta compareceram. A grande maioria apoiou a decisão de acabar com a autoridade do vice-rei contra sessenta e nove que foram a favor de sua permanência no poder273. No mesmo dia da votação, decidiu-se que o cabildo

da capital formaria uma junta de governo para tutelar os direitos do rei Fernando VII. A primeira Junta, sob controle de autoridades crioulas, substituiu o vice-rei do Prata, Baltasar Hidalgo de Cisneros, que aceitou, obviamente a contragosto, manter o Cabildo aberto, como presidente da mesma274. Seu cargo durou pouco. Em três dias, formou-se outra Junta que não

o incluía como presidente nem como outro membro do governo. A partir do dia 25 de maio, a Junta seria governada por Cornélio de Saavedra, um comerciante originário do Alto Peru que concentrou em seu cargo amplos poderes militares. Junto com ele, outros oito membros a integraram: Manuel Belgrano, Juan José Castelli, Miguel de Azcuénaga, Manuel Albert, Domingo Matheu e Juan Larrea como vocales275; Mariano Moreno e Juan Jose Paso, como

secretários276.

Contudo, para substituir o rei no poder não bastava formar uma Junta Governativa e nomear presidente, vocales e secretários. Era preciso que ela fosse reconhecida enquanto autoridade suprema. Tal intuito não seria alcançado a menos que Buenos Aires buscasse integrar as demais localidades importantes do antigo vice-reino à nova ordem, como por exemplo, Misiones e a Banda Oriental. Uma das suas tarefas mais imperativas, portanto, era atar com vínculos mais firmes os domínios do território do antigo vice-reino do Prata. Havia que se conquistar apoio político, inclusive dos focos que defendiam a continuidade do regime monárquico. Logo depois de criada a primeira Junta, seus membros trataram de enviar uma circular a todas as regiões noticiando o que havia ocorrido na capital e conclamando as localidades a enviarem deputados que fariam parte de um novo congresso. O meio escolhido

273 TERNAVASIO, 2013, p.68.

274 BUSHNELL, D. apud BETHELL, L. (org). História da América Latina: da independência a 1870, volume

III, 1. ed., 2. reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília, DF: Fundação Alexandre Gusmão, 2009, p. 130.

275 Opto por não traduzir o termo vocales, que fica em itálico, e creio que podemos entendê-lo como espécies

de ministros e porta-vozes.

para alcançar o intento foi a outorga da representação política junto ao poder central àqueles que se mostrassem favoráveis à Junta.

Assim, após receber o comunicado sobre as mudanças que ocorriam na capital, representantes políticos de diversos povos e departamentos da intendência de Misiones responderam-no positivamente. Num cabildo em Candelária, caciques, corregedores e cabildantes de cada um dos povos ouviram a convocatória da Junta em espanhol e guarani e depois votaram manifestando apoio à seção da Junta277. Essa resposta de parte dos Povos

missioneiros se mostrava importante para Buenos Aires, já que a adesão no restante do vice- reino não era unânime. Bernardo Velazco, governador do Paraguai278, por exemplo, se

posicionou contra a ‘revolução’ e a favor do conselho de Regência de Cádiz. Para sustentar essa posição, buscou apoio nos Povos missioneiros de Apóstoles e São José. Já o governador de Misiones, Tomás de Rocamora, prestou apoio à Junta e logo depois de ajudar a promover a seção realizada em Candelária, procurou respaldo em Yapejú279.

As disputas pelo apoio dos povos missioneiros não eram infundadas. Misiones ocupava uma posição física central. Grosso modo, fazia fronteira com a província do Paraguai, ao norte; com a Banda Oriental, ao sul; com as províncias de Corrientes e Entre- Rios, a leste; e com o Império português, a oeste280. Quanto à importância estratégica de sua

posição política e econômica, foi evidenciada ao longo de toda a década de 1810, através dos conflitos gerados pela posse de seu território, de seus bens e suas gentes. O suporte dado por Tomás Rocamora a Buenos Aires deixou o Paraguai em situação bastante suscetível, afinal, assim como a capital portenha, dependia das forças e do apoio militar dos habitantes missioneiros para defender seus interesses naquelas fronteiras. Depois de prestar apoio, Rocamora se viu obrigado a pedir auxílio militar à Junta. O principal motivo foi o fato de Candelária reconsiderar o apoio prestado. Acompanhada do departamento de Santiago, Candelária decidiu retirá-lo e reconhecer o Conselho de Regência de Cádiz. As respostas de Buenos Aires foram claras quanto à relação entre o grau de atenção dado ao pedido e a sua

277 MACHÓN, J. F.; CANTERO, O. D. Andrés Guacurary y Artigas. Misiones [1ª edição]: o autor, 2006,

p.34.

278 Paraguai, nesta época, era uma província do antigo território do vice-reino do Prata.

279 MACHÓN; CANTERO, 2006, p.40. Em Candelária, reuniram-se lideres indígenas dos Povos de Itapuã,

Trindade, Jesus, Corpus, San Ignacio Miní, Loreto e Santana. Nesta reunião não estiveram presentes os Povos submetidos ao governador intendente do Paraguai, Bernardo Velazco. WILDE, 2009, p. 310.

relevância para os seus interesses políticos: a Junta declarou separadas as jurisdições de Misiones e do Paraguai. Ou seja, esta decisão extremada nos traz elementos para melhor situar a importância da região habitada pelos indígenas nos rumos das políticas centralistas de Buenos Aires.

Misiones, que era parte da província do Paraguai, passava a se reportar diretamente a Buenos Aires. Em setembro de 1810, a Junta enviou uma expedição militar ao território missioneiro sob o comando de um de seus membros e líderes, Manuel Belgrano, com o objetivo de conter a resistência ao governo de Buenos Aires. Afinal, o acontecido em Candelária poderia incitar outros Povos e departamentos. Além disso, embora os componentes da Junta não formassem um grupo coeso, todos compartilhavam do entendimento de que apoio político não era suficiente para dar seguimento ao processo de emancipação, era preciso controlar, militarmente, as regiões de fronteira. Nesse sentido, levar adiante o embate contra os focos insurgentes impunha a necessidade, cada vez maior, de recrutar homens e recursos materiais para sustentar a guerra tanto na capital quanto no interior, sobre o qual tentava se impor uma nova autoridade.

Manuel Belgrano não conseguiu atender aos anseios políticos da Junta. A expedição liderada por ele foi derrotada por forças paraguaias em março de 1811. Ainda assim, sua ida a Misiones e as interações que estabeleceu com os habitantes locais originaram arranjos e disposições sobre a administração do território missioneiro que marcariam a vida de indígenas. Mas o controle sobre aquelas terras não estava decidido e seria disputado ao longo de toda aquela década e durante a subsequente. Indígenas não estiveram à parte dessas disputas, ao contrário, envolveram-se amplamente nas negociações pelos seus bens, território e mão de obra.

4.2 – A revolução de maio em povos missioneiros do Paraguai: a expedição de Belgrano. O processo de fragmentação territorial da província missioneira se iniciou em 1801, com a conquista dos sete povos do departamento de São Miguel para o domínio português. Logo no começo da década de 1810, tomou novo impulso com as disputas entre Paraguai e Buenos Aires pelos departamentos dos povos de Yapejú e Candelária. As cisões entre as

autoridades políticas dos departamentos de Santiago e Concepción também contribuíram para a desagregação do território missioneiro.

Membro de uma das mais importantes famílias de comerciantes da capital, Belgrano era também um dos jovens ilustrados que arquitetaram a criação do cabildo aberto que depôs o vice-rei Cisneros. Também como a maioria desses mancebos, Belgrano não possuía experiência como militar, o que, naqueles tempos e naquela região, implica dizer que não possuía também experiência de contato mais intenso com indígenas. A expedição ao Paraguai, com a responsabilidade sobre a qual se assentava, – qual seja, conter insurgentes, conquistar adeptos e recrutar soldados – apresentou-se como um grande desafio. Da região missioneira, no calor dos acontecimentos, enviou correspondências ao governo da Junta, nas quais deixava transparecer seu verdor. “Graças aos céus chegou ontem ao anoitecer o resto de Patrícios que desde antes de ontem pela manhã haviam começado a vir”, notificou no começo de novembro de 1810, em tom que sugere a combinação de distintos sentimentos como desespero e alívio. Ainda que as forças militares da capital tivessem chegado desfalcadas, “com alguns menos que se hão desertado, outros enfermos e muitas armas descompostas”, Belgrano considerava a situação parcialmente remediada. Os enfermos estavam sendo tratados, as armas consertadas e, o mais importante, “os desertores tem-se substituído com recrutas”281.

Alguns anos mais tarde, Belgrano escreveu uma autobiografia. Nela, contou que ao cruzar o rio Tibicuarí, nos limites de Misiones com a província do Paraguai, tinha a ideia de encontrar gente favorável à causa da Junta. Sua narrativa contém aspectos pitorescos. Atravessou o rio e não viu nada a não ser casas abandonadas. Continuou descrevendo que, precavidamente, diminuiu o passo e refletiu “que era preciso conservar um caminho militar, e no caso de suceder alguma desgraça, assegurar a retirada”282. Ao que parece, o

revolucionário estava com certo temor da revolução, temor este que pode ter sido alimentado pelo fato de estar em território missioneiro, em meio aos naturais, como eram chamados índias e índios da região. Podemos considerar a reação de Belgrano esperada. Afinal, segundo

281 AGNA. Sala X, 2-4-15. Baixada do Paraná, 2 de novembro de 1810. Os três últimos trechos citados foram

retirados desta fonte.

282 FRADKIN, R.; GELMAN, J. Doscientos años pensando la Revolución de Mayo. Buenos Aires:

ele, fora designado para empreender uma expedição ao Paraguai porque se acreditava que lá havia “um grande partido pela revolução, que estava oprimido pelo governador Velazco e por uns quantos mandões”. Ao observar uma terra com casas abandonadas onde não avistava ninguém do tal partido, entendeu que “marchava por um país de todo inimigo”. Quando andava por terras missioneiras, Manuel Belgrano ainda não sabia sobre o desfecho dos fatos que fizeram o Paraguai viver sua própria revolução em 1811, posicionando-se independente de Buenos Aires e da Espanha. Em 1810, buscava trazer o território missioneiro para a esfera de sua influência e consolidar alianças.

Embora tenha considerado o espaço missioneiro relativamente pouco habitado, Belgrano pôde repor soldados das milícias de Buenos Aires por naturais de Misiones. Ao mesmo tempo, os gabinetes de Buenos Aires solicitavam trabalhadores para os mais diversos fins. A capital conhecia o fato de que o território não estava vazio e solicitava trabalhadores e soldados de lá. As informações trazidas pelos registros, aparentemente confusas, deixam evidente que a expedição militar buscava mais do que apoio político. Além de arregimentar soldados e conquistar adeptos para a nova ordem, precisava de trabalhadores para construir obras de infraestrutura que garantiriam a circulação de capital em meio à complicada situação de guerra.

Em meio a várias solicitações, o governo central fez a Belgrano uma que julgava “há muito necessária, a permanência nesta capital, dos 50 índios tapes que esta Junta havia pedido a V. Excelência anteriormente para os trabalhos da fábrica de fuzis”283. Recomendou que o

pedido fosse prontamente atendido, acrescido “de outros 400 de sua mesma classe que hão de aplicar-se à importante obra do Arrecife que vai se abrir na Enseada”284. A obra era relativa

à do porto da Enseada, um porto charmoso, de acordo com um decreto expedido pela Junta, no qual muitos navios estavam atracando. Ciosa do fluxo de mercadorias e trabalhadores necessários para manter ou aumentar a receita do governo central e sustentar suas novas propostas políticas, Buenos Aires buscava expandir e controlar as vias portuárias através das quais se daria a entrada e saída de gêneros e mão de obra. Baixou um decreto visando à “ampliação de nossas especulações mercantis [que] formarão uma nova escala à felicidade geral destas províncias”. Habilitou, por exemplo, o porto do Rio Negro com “todos os

283 AGNA. Sala X, 2-4-15. Buenos Aires, 8 de novembro de 1810. 284 Idem.

privilégios e direitos de um posto menor” ligado ao tribunal do Real Consulado e fornecedor exclusivo de sal à capital e à província de Buenos Aires285. Através de medidas como estas,

tentava monitorar o uso e o destino do sal, um recurso necessário para o fomento de produtos advindos da indústria ganadeira, como o charque e o couro. Além disso, ordenou que navios negreiros aportassem somente no porto do Rio Negro, onde receberiam visitas sanitárias e aguardariam a quarentena, se fosse o caso. Assim:

(...) o comerciante poderá girar livremente seus cálculos sobre este princípio e as conhecidas vantagens que deve seguir a este alargamento de nossas especulações mercantis (...), ainda que a habilitação do porto da Enseada apresente uma entrada franca aos navios que prefiram aquele charmoso porto, a Junta resolveu que os navios negreiros cheguem necessariamente àquele Porto [do Rio Negro], (...) essa resolução combina as vantagens do negociante com o fomento daquele porto e nenhum navio será admitido sem o pontual comprimento desta providência 286.

Ou seja, através de decretos e correspondências percebe-se que a Junta solicitava quatrocentos indígenas para construir e ampliar um porto, enquanto recebia escravos por outro. Majoritariamente habitada por indígenas e mestiços, esta região era importante para o controle de rios que transportavam pessoas e mercadorias. O governo da capital necessitava de trabalhadores e instruía seu representante em território missioneiro que assegurasse aos cinquenta índios que trabalhariam na fábrica de fuzis e aos quatrocentos que seriam destinados às obras do porto da Enseada, que o seu futuro não estaria em risco, e para isso podia “empenhar-lhes a voz do governo”. Parece curioso que aos indígenas, constantemente retratados como imprevisíveis e incautos com relação ao futuro em registros da época, o governo solicitasse que “se translad[ass]em sem vidência”. Mas, ao contrário, as medidas tomadas em relação ao destino dos indígenas estavam profundamente relacionadas com os planos políticos para o futuro das Províncias platinas. Em Misiones, caberia a Belgrano, como intermediário, fazer “entender [aos indígenas] que serão sem falta assistidos de seguros salários, tratados como homens livres, e que o seu bom desempenho lhes há de produzir, concluída a obra, uma segura proteção da Junta no fomento próprio e de suas famílias”287.

285 Registro Oficial de la Republica Argentina que compreende los documentos espedidos desde 1810 hasta

1873. Tomo I. 1810 a 1821 (Publicación oficial). Buenos Aires: La Republica – Imprenta especial de obras, 1879. Decreto nº 77, p.57.

286 Registro Oficial de la Republica Argentina (...). Decreto nº 102, p. 62. 287 AGNA. Sala X, 2-4-15. Buenos Aires, 8 de novembro de 1810.

Belgrano transferiu a tarefa a Rocamora, responsável pelo povo missioneiro de Candelária, e ratificou para Buenos Aires que seria enviado “este número e os mais que forem preciso”288.

É interessante observar que o argumento de que os indígenas seriam tratados como homens livres se repete em outros documentos, deixando entrever que, se isso podia ser percebido como vantagem, é sinal de que não era o que acontecia em seu cotidiano. Isso ficará mais claro logo a seguir, a partir da análise de outro documento escrito por Belgrano. De todo modo, ele não parecia preocupado em convencer e negociar com os indígenas, pois antes mesmo de consultá-los, assegurou que seriam enviados à capital, em número que fosse solicitado.

Belgrano, no entanto, ainda estava conhecendo o território missioneiro e não sabia como eram as pessoas com quem, supostamente, deveria negociar. Para isso, mandava enviados para verificar e reconhecer lugares, obter notícias daqueles que porventura encontrassem. Numa dessas inspeções, paisanos informaram a um de seus enviados, o major Espíndola, que “alguns mal-intencionados” diziam que ele vinha amarrando os habitantes missioneiros, o que fazia com que quisessem fugir daqueles campos que se encontravam cada vez mais (aparentemente) vazios. Como precaução à disseminação desses dizeres, ele tomou sérias providências. “Tenho expedido o proclama que acompanha para o conhecimento de V. Ex.”, reportou-se ao presidente e aos outros vocais da Junta, informando que o expediente circulava pela redondeza e que deveria circular também pela capital289. Possivelmente,

Belgrano buscava abafar o que tratou como rumores: que andava pelos Povos missioneiros angariando trabalhadores à força.

Apesar da inexperiência como militar, há tempos Belgrano tinha uma atuação política de destaque290. Enquanto vivenciava a expedição em terras indígenas, não tardou em enviar

aos gabinetes de Buenos Aires e aos povos missioneiros um Regulamento para o regime político e administrativo dos Povos de Missões, um dos mais importantes documentos sobre o período e o evento da ida ao Paraguai. Apenas dois meses após chegar à região, apresentou o documento no qual se mostrava preocupado “com as rapinas dos que tem governado”,

288 AGNA. Sala X, 2-4-15. Passo de Caáguaçú, 21 de novembro de 1810. 289 AGNA. Sala X, 2-4-15. Passo de Caáguaçú, 20 de novembro de 1810.

290 De acordo com Halperín Donghi (1995), Belgrano entrou na carreira de armas durante as invasões inglesas

compadecido e zeloso pelos interesses dos possíveis aliados, aqueles trabalhadores que outrora tomou como ‘inimigos’:

Em consequência do proclama que expedi para fazer saber aos naturais dos povos de Missões que vinha a restituir-lhes de seus direitos de liberdade, propriedade e segurança, de que por tantas gerações tem estado privados, servindo unicamente para as rapinas dos que tem governado, como estão manifestadas até a evidência, não achando-se uma só família que possa dizer: ‘Estes são os bens que tenho herdado de meus antepassados’(...).291

Belgrano tateou, durante a expedição, as dificuldades pelas quais os missioneiros passavam, impressionou-se com a precariedade de suas vestes numa região em que há períodos de inverno rígido. Arrazoou que os parcos meios deixados para sua subsistência, acabariam por “levá-los à sepultura entre os horrores da miséria e infelicidade”. No Regulamento, mencionou reiteradamente, ainda que fosse através do uso de um recurso de estilo que lhe faria valer a aparente generosidade e o evidente compromisso político, as condições de trabalho dos naturais. Pontuou que suas “palavras não [eram] as do engano

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