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Ψ H função de estabilidade adimensional para o fluxo de calor

2 REVISÃO TEÓRICA

2.2 CHEGADA DA PRIMAVERA NO NORDESTE DOS ESTADOS UNIDOS

No final do inverno e início da primavera da região nordeste dos Estados Unidos da América (EUA), ocorre a emergência das folhas (EF) nas plantas decíduas que predomi- nam nas florestas de lá, o que marca um dos principais fenômenos fenológicos, a fração de vegetação verde (GVF, do inglês green vegetation fraction) local é fortemente modifi- cada. Consequentemente, as trocas turbulentas entre a superfície e a atmosfera, H e LE, são intensamente alteradas (MOORE et al., 1996; BONAN, 2008). Assim como no final do verão e início do outono, quando ocorre a senescência das folhas (SF), em que as plantas decíduas passam a ficar completamente sem folhas até o final do próximo inverno. Além disso, as trocas radiativas, como albedo, o comprimento de rugosidade superficial, a con- dutância do dossel e os fluxos de CO2 e de compostos orgânicos voláteis são fortemente influenciados por esta mudança nas florestas (RICHARDSON et al., 2013). Por exemplo, o aumento da concentração de núcleos de condensação através dos aerossóis produzi- dos pelos compostos orgânicos das árvores favorece uma maior concentração de nuvens (O’DOWD et al., 2002; MENTEL et al., 2009). Hoje as florestas cobrem em torno de 75% da região (BURAKOWSKI et al., 2016).

O Programa Biológico Internacional (IBP, do inglês International Biological Program) define fenologia como "o estudo do período de ocorrência dos eventos biológicos recorren-

39 tes, as causas de seu período de ocorrência em relação às forças bióticas e abióticas e a interrelação entre fases da mesma ou de diferentes espécies"(LIETH, 1974). A fe- nologia tem sido historicamente vista com desprezo, com exceção de alguns naturalistas amadores. Isso se comprova ao notar que indivíduos e famílias efetuaram inúmeros regis- tros fenológicos com grande quantidade de dados, os quais sem eles não seria possível análises de mais longo prazo. Décadas depois, atualmente, campos de estudo como bi- ometeorologia, biologia ambiental, e ecologia fisiológica demarcaram o renascimento da fenologia como um elemento crítico para se entender de forma mais completa a interação entre a atmosfera e os biomas (RICHARDSON et al., 2013). Além disso, a fenologia é uma forma simples de rastrear o impacto que mudanças climáticas causam na ecologia de espécies, como o aquecimento observado ao longo do século XX na troposfera terrestre.

EF mais avançadas em determinados anos estariam associadas principalmente a temperaturas mais altas na primavera (SCHWARTZ; AHAS; AASA, 2006; MELAAS; FRI- EDL; RICHARDSON, 2016). Para o nordeste dos Estados Unidos (MILLER-RUSHING; INOUYE; PRIMACK, 2008) e para a Inglaterra (THOMPSON; CLARK, 2008) foi obser- vado que cada grau de aumento da temperatura traz um avanço de 3 a 8 dias em média. Klosterman e Richardson (2017) observaram que temperaturas mínimas diárias mais altas atrasavam a SF em 5 dias por grau Celsius. Além disso, a radiação solar também influ- encia o tempo de desenvolvimento foliar (MELAAS; FRIEDL; RICHARDSON, 2016), bem como as horas de exigência de frio no inverno, que também teriam impacto (CANNELL; SMITH, 1986; RICHARDSON et al., 2012). Tudo isso associado ao fotoperíodo (CHUINE; MORIN; BUGMANN, 2010).

Pequenas modificações interanuais na data de EF ou SF, portanto no comprimento da estação de crescimento das plantas, podem modificar bastante a quantidade das trocas anuais efetuadas entre a floresta e a atmosfera (GOULDEN et al., 1996a; FITZJARRALD; ACEVEDO; MOORE, 2001). White, Running e Thornton (1999) observaram que o alon- gamento da estação de crescimento, ou seja, EF precoces associadas a SF normais ou tardias, aumentam a produtividade líquida do ecossistema (NEP, do inglês net ecosystem productivity), a produção primária bruta (GPP, do inglês gross primary production) e a eva- potranspiração. NEP muito mais e evapotranspiração a menos afetada. Isto foi confirmado por outros trabalhos como Baldocchi e Wilson (2001), Richardson et al. (2010), Xin et al. (2018). Já Sacks, Schimel e Monson (2007) observaram diminuição da produtividade com EF avançadas para uma floresta de coníferas subalpina, pois primaveras mais precoces deixavam camadas de neve mais rasas, o que diminuía o conteúdo de água no solo e pro- vocava secas. Além disso, em altas latitudes no outono e inverno, aquecimento, em geral, causa aumento da nebulosidade e menor radiação para a produtividade (VESALA et al., 2010).

Nas florestas de coníferas de folhas perenes, o começo anual da fotossíntese é independente das mudanças da área foliar e geralmente precede esta, mas, do mesmo

modo, é influenciado pelo comportamento climático, o qual impulsiona o início da fotossín- tese do dossel (ENSMINGER et al., 2004; MONSON et al., 2005). Nestas florestas muitas vezes se encontra produtividade ao longo do inverno ou logo antes da primavera. Por isso, a identificação de uma data de chegada da primavera nestes sítios é mais incerta. Me- laas et al. (2013) observaram que um fotoperíodo de 11 horas já seria suficiente para as coníferas.

Em relação à localização geográfica das florestas, Hopkins (1918) formulou uma regra para a data de EF a partir de registros em fazendas, conhecida como Lei de Hopkins: EF é atrasada 4 dias para cada grau de latitude, um dia para cada quarto de longitude a leste da origem e um dia a cada 100 pés de altitude. Lechowicz (1984) observou que EF varia consistentemente entre diferentes espécies decíduas no nordeste da América do Norte e parte temperada da Eurásia. Mesmo as espécies crescendo juntas, a diferença entre elas pode variar semanas. Microclimas causados pela topografia ou pela cobertura do dossel, causam modificações locais na temperatura que também agem na fenologia das plantas (MOTZKIN; CICCARELLO; FOSTER, 2002).

Fitzjarrald, Acevedo e Moore (2001) estudaram a modificação dos fluxos de super- fície e a consequente modificação das variáveis próximas a superfície durante a chegada da primavera em quase toda a costa leste dos EUA, desde o norte da Flórida até o Maine. Com o uso de um parâmetro definido por eles como a razão entre o incremento diário ju- liano de temperatura e o incremento diário juliano de umidade em médias multidecadais, encontraram um valor que identificou a data de EF em cada sítio analisado, igual a 1. A data utilizada como parâmetro foi a qual o índice da diferença normalizada da vegetação (NDVI, do inglês normalized difference vegetation index) alcançou 80% de seu máximo sa- zonal. Analisaram também a tendência de primaveras mais antecipadas ou tardias e sua intensidade. Encontraram uma tendência que se restringe às décadas mais recentes, para primaveras mais antecipadas, exceto na Virginia e Carolina do Sul. Sendo que está tendên- cia estaria associada a temperaturas mais altas no meio-oeste, associação não encontrada para o nordeste do país, o que indica que a tendência não é apenas função simplesmente da temperatura. A intensidade, rapidez, com que o índice de área foliar (LAI, do inglês leaf area index) cresce aumentou para norte e no nordeste do país tem aumentado ao longo do século XX.

Em relação a tendência de chegada da primavera, existem mais resultados, e dis- tintos para as últimas décadas. Schwartz e Reiter (2000) observaram primaveras ficando mais adiantadas para os estados de New York e New England, da mesma forma que Fitzjar- rald, Acevedo e Moore (2001). Schwartz, Ahas e Aasa (2006) observaram aquecimento e consequentemente primaveras mais precoces no hemisfério norte em geral, média de -1.2 dias por década, com exceção da Ásia Central. Interessantemente, para algumas áreas da América do Norte, observaram que a exigência de horas de frio para dormência es- tava sendo satisfeita mais cedo, apesar da tendência de aquecimento no inverno. Outros

41 trabalhos observaram tendências de primaveras mais adiantadas nas florestas decíduas de clima temperado (BADECK et al., 2004; MELAAS; SULLA-MENASHE; FRIEDL, 2018; GUO et al., 2018), apesar de seus resultados não serem para todo o domínio estudado, sendo que muitas vezes a metade da área não apresentou tendência. Bertin (2015) en- controu primaveras avançadas nas plantas florais, mas ainda mais avançadas para aquelas espécies que florescem na primavera, devido à tendência de aquecimento observada.

Diversas formas têm sido usadas para se observar e analisar a fenologia das flo- restas, como a chegada da primavera. Observações e medidas de campo tem sido con- duzidas durante o ultimo século. Schwartz e Reiter (2000) analisaram uma grande rede de observações da planta lilac presentes ao longo da América do Norte durante várias décadas. Mais recentemente os satélites têm auxiliado com seus instrumentos de image- amento (WHITE; THORNTON; RUNNING, 1997; LIANG; SCHWARTZ; FEI, 2011; WHITE; PONTIUS; SCHABERG, 2014; GUO et al., 2018) . A técnica de covariância dos vórtices (eddy covariance em inglês) pode ser usada quando se tem medidas de CO2 para inferir o início da atividade das plantas (MELAAS et al., 2013) e para observar a modificação de H e LE. Phenocams, que são câmeras instaladas em pontos fixos nas florestas, permi- tem analisar a fenologia de cada exemplar em específico, podendo-se observar diferenças marcantes entre diferentes espécies e idade das plantas (SONNENTAG et al., 2012). Mais recentemente ainda drones tem sido usados para imagear a copa das árvores, permitindo uma alta resolução e imageamento uniforme de áreas relativamente extensas, sem super- valorizar plantas mais próximas à imagem e subvalorizar as mais afastadas como ocorre nas phenocams (KLOSTERMAN; RICHARDSON, 2017).

Czikowsky e Fitzjarrald (2004) propuseram um método indireto muito interessante, que consiste na identificação de EF por meio de uma abrupta diminuição da vazão dos rios na época da primavera. Isso porque parte da água que alimenta as correntes passa a ser retirada pela evaporação das plantas. Sendo que no outono, mesmo sem chuva, SF é percebida pelo aumento da vazão nos rios. Isto é muito vantajoso dada a quantidade de anos com dados hidrológicos disponíveis.

A modelagem da fenologia vegetal se baseia em fatores climáticos e de tempo. Modelos que preveem a fenologia são importantes para inferir os mecanismos fisiológicos ou os limiares e condutores ambientais que controlam a fenologia (MIGLIAVACCA et al., 2012); e representar a trajetória sazonal do desenvolvimento e senescência da vegetação e a atividade fisiológica associada nos modelos de meso e larga escala (RICHARDSON et al., 2012). Entretanto, a fenologia tem sido muito incerta em modelos de ecossistema e mais problemática ainda em esquemas de superfície usados em modelos atmosféricos (RICHARDSON et al., 2012; KEENAN et al., 2012; MELAAS et al., 2013). A data de EF por exemplo pode apresentar erros de várias semanas (RICHARDSON et al., 2012; XIN et al., 2018). Os modelos de fenologia da planta geralmente são desenvolvidos separados do modelo de fotossíntese e evapotranspiração. Os esquemas de superfície de modelos

atmosféricos de mesoescala, como o WRF, muitas vezes apenas utilizam um fator de GVF a partir de dados tabelados.

Para incorporar o papel da temperatura na chegada da primavera, muitos modelos de ecossistema usam um esquema chamado Graus-dia de Crescimento (GDD, do inglês growing degree-day), em que o calor térmico é acumulado acima de um limiar, muitas vezes 0 °C, até a energia necessária para a expansão foliar. Neste modelo, além da tem- peratura, outros fatores climáticos, como radiação, horas de frio e deficit de pressão de vapor (VPD, do inglês vapor-pressure deficit) podem ser incorporados (JOLLY; NEMANI; RUNNING, 2005; XIN, 2016). Melaas et al. (2013) diminuíram o desvio de simulação de EF significativamente ao adicionar o fotoperíodo no modelo de fenologia. Interessante citar que a família de modelos GDD tem uma forma matemática análoga a equação de Jarvis- Stewart usada amplamente para modelagem da condutância estomática das folhas, como notado por Xin (2016). Xin et al. (2018) desenvolveram um novo método, que passa por solução iterativa, para modelar a variação de LAI, em que são combinados um modelo de crescimento da produção diária (GPD, do inglês growing production-day) para simular a fotossíntese do dossel e um modelo de fenologia que forma equações para as variáveis do ambiente, que vão afetar a produção.

Em meados dos anos 90, a teoria fisiológica avançou com a incorporação do con- trole biológico da evapotranspiração na terceira geração de modelos de superfície usados em modelos de mesoescala. A vegetação nestes modelos responde com o albedo, fluxos turbulentos e o ciclo hidrológico. Os modelos atuais incorporam também processos bioge- oquímicos e biogeográficos. Nestes modelos, o clima influencia as funções do ecossistema e a biogeografia e o ecossistema responde afetando o clima.

Em geral se considera a chegada da primavera como uma data única (FITZJAR- RALD; ACEVEDO; MOORE, 2001; SCHWARTZ; AHAS; AASA, 2006; MELAAS; SULLA- MENASHE; FRIEDL, 2018, por exemplo). Já White, Pontius e Schaberg (2014) evidenci- aram a importância da fenologia nos diferentes estágios do desenvolvimento foliar, como brotos ou aparecimento de folhas, enquanto outros utilizam limiares de porcentagem de área foliar em relação ao máximo, como Xin et al. (2018). Sobre espécies com flores na primavera, Bertin (2015) comentou que o uso de dados de observação que incluem média, mediana ou pico de floração têm sido usados como forma de superar as diferentes inter- pretações para a data da primeira floração e a escassez geográfica de dados. Entretanto, para a análise de um modelo atmosférico de mesoescala, este grau de precisão não pre- cisa ser exigido, já que como citado, os modelos de superfície possuem muitos problemas associados a fenologia, em que o desvio pode chegar a várias semanas (RICHARDSON et al., 2012).

White, Running e Thornton (1999) consideraram as seguintes opções para a descri- ção da fenologia e suas considerações: imagens de satélites podem ser usadas para forçar dinamicamente a estação de crescimento das folhas, mas não podem ser utilizadas para

43 cenários futuros ou análises históricas de longo prazo; observações de campo, tanto por observação pessoal, câmeras ou drones, podem ser inseridas diretamente nos modelos, mas em geral são escassas no espaço e inconsistentes. Com isso, restam os modelos que predizem dinamicamente a fenologia das florestas. Mas, como citado, a modelagem da fe- nologia é um grande desafio, ainda mais nos esquemas de superfície-terrestre utilizados em modelos atmosféricos (LEVIS; BONAN, 2004; RYU et al., 2008; XIN, 2016). Richard- son et al. (2013) lembraram que têm-se apenas um entendimento qualitativo dos feedbacks entre a vegetação e o clima, controlados pela fenologia. É preciso quantificar a magnitude destes feedbacks e assegurar que eles sejam adequadamente reproduzidos pelos mode- los. Por isso, é de grande importância se avaliar como um modelo de mesoescala, que possue um modelo de superfície-terrestre acoplado, se comporta durante o grande fenô- meno de modificação da atividade das plantas na primavera e sua consequente resposta na atmosfera.

3 METODOLOGIA