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Ao fim da tarde de sexta-feira, 31 de Janeiro de 2020 - no pico do verão moçambicano, cujo intenso calor desanima qualquer actividade de rua – embora contrariado, enfiei-me na estrada em uma viatura31 emprestada, debaixo do intenso sol que derretia o alcatrão da estrada Circular de Maputo (grande infra-estrutura construída com fundos da Cooperação Chinesa), rumo a uma igreja indicada por um amigo em conversa de barraca32 quando por algum motivo expliquei o interesse da minha pesquisa: explorar etnograficamente os significados do dinheiro em locais de culto e na vida cotidiana de Maputo.

Com pouco domínio daquela região, guiei-me pelo Google Maps para chegar ao local. Com efeito, conduzia numa lentidão da tartaruga. De repente avistei um muro de vedação pintado de azul e branco, com escrita em letras garrafais: Igreja Ministério Divina Esperança (IMDE). Além do nome da igreja grafado na parede, estão disponíveis igualmente contactos telefónicos e páginas das redes sociais (Facebook, Instagram, Youtube, Twitter). Assim, chegava à Igreja Ministério Divina Esperança (IMDE).

Quando cheguei à igreja, eram seis horas da noite e o sol ainda se impunha por inteiro. Lá dentro havia muitos carros no estacionamento. E do lado de fora havia uma bicha (fila indiana) enorme de carros entre “populares” e “luxuosos” seguindo

31Um Mercedes-Benz, modelo C 180, cor branca, de fabrico sul africano, de ano 2001.

32 Estabelecimento comercial onde se vende a retalho diversa gama de produtos de alimentares, bebidas (não) alcoólicas e toma-se refeições.

muito lentamente. As pessoas e os carros competiam, a passos lentos de camaleão, disputando vaga no enorme portão de acesso ao recinto da igreja.

Chegados na cancela, os carros e as pessoas eram submetidos a uma longa jornada de vistoria pelos seguranças – devidamente identificados com o uniforme e detectores de metais e outros objectos proibidos portar no local do culto. Cada viatura que cruzava aquela cancela adentro, os seus ocupantes eram solicitados – pelos seguranças – a se retirar do carro. Em seguida, os guardas passavam os detectores de metais nos carros e nas pessoas, procurando objetos suspeitos (caso algum objeto suspeito fosse encontrado era retido na guarita e levantado pelo/a dono/a após o culto).

Depois de quase meia hora de espera naquela bicha muito longa e extremamente lenta, cheguei na concorrida cancela, atravessada de ponta a ponta, por uma corda que é posta no chão sempre que um carro a cruza. Um guarda ordenou-me que parasse para fazer a vistoria. Parei o carro. Saudamo-nos. De seguida, perguntou-me se eu portava alguns objetos cortantes no carro. Respondi negativamente. Mas, curioso, perguntei quais seriam tais objetos. Faca ou algo parecido – disse o guarda. Eu reforcei que não portava nenhum daqueles objetos.

Mesmo assim, o guarda pediu licença para revistar. Desci. Passou o detector de metais devagarinho no interior do carro e de seguida passou-o em mim, num movimento de baixo para cima e detrás para frente. Não tenho achado algo suspeito, mandou-me seguir para o parque de estacionamento.

Chegado no parque de estacionamento, um manobrista em serviço indicou-me um pequeno espaço para parquear a viatura. O parque, mesmo tendo dimensões iguais ou superiores a um campo de futebol33, muitas vezes, fica minúsculo para acomodar uma quantidade enorme de carros. Dentro do parque, os guardas circulam de lés-a-lés vigiando o estacionamento de modo a evitar qualquer tentativas de furto e/ou roubo dos acessórios dos carros ou pertences do/as crentes.

Nos dias de chuva, quando o parque fica totalmente alagado, os carros ficam

33 Para a disputa de futebol, a International Football Association Board, órgão que regulamenta as regras do futebol desde 1883, prevê campos com as dimensões mínimas de 45 m x 90 m, e máximas de 90 m x 120 m.Porém, para jogos internacionais, a FIFA dita uma regra mais específica, permitindo apenas campos com dimensões mínimas de 64 m x 100 m e máximas de 75 m x 110 m.

https://itograss.com.br/noticias/itograssemcampo-medidas-do-campo-de-futebol/ acessado 31/07/2022.

parqueados do lado de fora, ao longo da Estrada Circular de Maputo, também sob olhar atento dos guardas da igreja.

Ao parque situa-se o gigantesco templo pintado a azul e branco. Erguido de estacas e coberto de chapas de zinco e beiradeado por um muro feito de blocos de cimento. A parte frontal do edifício é de uma igreja “comum” com duas entradas enormes de portões de madeira e vidros. Entre os portões tem uma loja onde se vende os artigos (canetas, livros, camisetas, etc) da igreja. Oposto ao templo, tem as casas-de-banho e uma fontenária de onde se retira a água para beber, que mais tarde soube que era água ungida, água benta, consagrada pelo líder da igreja, apóstolo Lourenço Fole. Isto esclarecia o tamanho movimento desenfreado de pessoas carregando, nas mãos e nas cabeças, garrafas plásticas34 cheias de água.

Esclarecia, igualmente, um episódio “curioso” que presenciei em que um fiel, carregando um balde de 20 litros de água, abriu o capô do seu carro e começou a regar o motor com água e de seguida “regou” o carro por inteiro. A seguir ao tempo tem um portão que dá acesso a uma área restrita donde se pode ver, dentre vários empreendimentos, um enorme aquário e uma área de lazer.

No interior do tempo, as cores azul celeste e branca chamam a atenção de qualquer viente. Olhando para o altar, vê-se, ao fundo, os símbolos identitários da igreja: um globo – simbolizando o mundo, uma bíblia – representando a palavra de Deus; um ramo – simbolizando esperança; uma pomba – simbolizando o Espírito Santo. As cadeiras plásticas de cor preta ornamentam o chão; um pouco mais adiante, próximo ao altar, construído de forma circular, as cadeiras de cor vermelha tomam lugar. As estacas que sustentam o teto de chapas de zinco são enroladas de forma aspiral com panos branco e azul celeste. Nos pilares que sustentam o teto estão fixadas gigantes telas de transmissão dos cultos, onde o/a crente recorre para acompanhar o sermão e/ou visualizar o apóstolo que muitas vezes é impossível vê-lo à distância, devido à supervê-lotação do espaço.

Quando entrei no templo, havia muita gente, não havia quase espaço sequer para pôr uma agulha. Será que acharei um lugar para sentar-me, aqui? – Indaguei-me em silêncio. Ali tinha gente de quase todas as idades, desde crianças até idosos. Por sorte, depois de percorridos aqueles minúsculos corredores de cadeiras plásticas pretas, um obreiro (de talvez 45 anos de idade) gritou com a mão direita,

34As garrafas plásticas, de vários tamanhos desde 500ml, 1 litro, 1,5 litros, 2 litros, 5 litros até de 20 litros, são usadas para pôr águas da fontanário da igreja.

chamando-me. Eu, logo, entendi que ali proximo havia uma cadeira vaga. acelerei o passo para evitar que outra pessoa fosse ocupar aquele lugar antes de mim.

Felizmente consegui sentar-me. Sentei-me entre dois senhores. Ambos traziam suas bíblias - Novo Testamento, de capas pretas. Rapidamente pedi a um deles para acompanhar a palavra de Deus na sua bíblia. O senhor aceitou sem pestanejar. Enquanto decorria o culto, o calor humano aumentava os 37 graus de sensação térmica indicados pela previsão meteorológica do dia. O suor escorria pelo corpo e molhava minha camisa como se fosse água da chuva de verão. Por isso, momentos houve que eu pensei em desistir, sair lá fora me refrescar. Mas, fiquei lá suportando aquele dolorido calor.

Se por um lado, a vontade de sair apanhar ar fresco me beliscava, por outro lado, o desejo de ficar ali assistir e participar do culto era ainda maior. Então ali fiquei. Não queria em nenhum momento perder a minha primeira missa. Porém, depois de horas a fio de pé e morrendo daquele calor humanamente insuportável, o cansaço tomou conta do meu corpo inundado de suor. Foi aí que decidi sair para ir me refrescar por segundos e buscar água para beber, nas torneiras montadas defronte ao templo. Recuperei o folgo e regressei ao culto para acompanhar atentamente a missa.